Pacote anticrime: o aumento do limite temporal de cumprimento de pena privativa de liberdade
Pacote anticrime: o aumento do limite temporal de cumprimento de pena privativa de liberdade
Em vigor desde o dia 23 de janeiro de 2020, a Lei n° 13.964/2019 – “Pacote Anticrime”, trouxe diversas alterações na Lei Penal e Processual Penal, bem como algumas alterações nas Leis Penais Extravagantes, como na Lei de Drogas (Lei n° 11.343/2006), na Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), entre outras.
Sem dúvida, a referida legislação movimentou – e muito – os operadores do direito, especialmente aqueles que atuam na área de incidência da citada norma, já que a inovação legislativa foi sancionada durante o recesso forense, entrando em vigor poucos dias após o fim da paralisação do judiciário.
Tal fato, certamente influenciou, ainda que minimamente, o Ministro da Suprema Corte, Luiz Fux, na condição de relator das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, a suspender alguns institutos jurídicos trazidos pela nova lei, haja vista que não foi observada certa anterioridade, “pegando de surpresa” os órgãos do Poder Judiciário, bem como o Ministério Público, que necessitariam de certo lapso temporal para se adequarem às novas regras, tanto em relação aos novos procedimentos, quanto no que tange à questões estruturais (físicas) que seriam modificadas.
Em meio à tantas alterações promovidas pela Lei n° 13.964/2019, destaca-se aquela que modificou a redação do artigo 75 do Código Penal Brasileiro, qual seja, a alteração do limite máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade, aumentando-o em 10 (dez) anos.
Ressalta-se, desde logo, que o presente artigo não pretende se aprofundar ou esgotar a matéria acerca de conceitos e fundamentos das penas no Brasil, mas sim, visa contribuir para o raciocínio jurídico que justifica a supracitada alteração, buscando romper com as ideias que limitam a citada mudança à uma mera medida de repressão ao crime.
Desde já, frisa-se, que o legislador constituinte positivou no ordenamento jurídico brasileiro, a vedação às penas de caráter perpétuo, no artigo 5°, inciso XLVII, alínea “b”, da Lei Maior.
Sobre esse ponto, cabe pontuar que as vedações às práticas punitivas exacerbadas estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro, em diferentes dimensões, desde a Constituição Imperial de 1824, que em seu artigo 179, inciso XIX, lecionava que estavam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis.
Nessa toada, a Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da humanidade das sanções criminais, em seu artigo 5°, inciso XLVII, princípio este que decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1°, III, CF), indo ao encontro da proibição de tratamentos desumanos e degradantes e com a imposição de respeito à integridade física e moral dos presos.
Por conseguinte, chega-se às finalidades das penas positivadas no ordenamento jurídico brasileiro. Nos moldes dos ensinamentos de Rogério Sanches Cunha, entende-se, modernamente, já que o Código Penal se mostra silente sobre qual a teoria adotou-se dentre as mais diversas existentes acerca das finalidades da pena, que há uma tríplice finalidade, sendo elas: a) retributiva; b) preventiva; c) reeducativa.
Nesse aspecto, o legislador originário do Código Penal Brasileiro, à época de sua constituição, em 1940, ainda no Governo de Getúlio Vargas, entendeu que o limite máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade ideal, atendendo às finalidades da pena e em harmonia com a vedação às penas de caráter perpétuo, era de 30 (trinta anos).
No que concerne ao parágrafo anterior, lembra-se, conforme leciona Paulo Nader que “a sociedade cria o direito e, ao mesmo tempo, se submete aos seus efeitos” e, em complemento, “o mundo jurídico passa a se empenhar na exegese do verdadeiro sentido e alcance das regras introduzidas no meio social”.
Logo, mostra-se fácil a observância de que, o limite máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade adotado pelo Código Penal em meados do século XX, atendia às peculiaridades sociais da época. Conforme estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2018, publicado na rede mundial de computadores pela Agência IBGE Notícias, um brasileiro de 50 anos, em 1940, tinha expectativa de vida de mais 19,1 anos, podendo viver até os 69,1 anos de idade.
A título exemplificativo, tem-se que a faixa etária com o maior índice de delinqûencia nos anos 40, eram dos agentes que tinham em média 20 anos de idade e, sendo assim, caso o Estado, no pleno exercício de seu jus puniendi, aplicasse à um desses agentes uma sentença condenatória ao cumprimento de pena privativa de liberdade e, tal pena levasse a efeito o cumprimento do tempo máximo de pena (30 anos), este mesmo indivíduo gozaria do fim de sua vida em liberdade, pois sairia da clausura no auge de seus 50 anos de idade.
Logo, tem-se que antes da entrada em vigor da Lei n° 13.964/2019, o artigo 75 do Estatuto Repressivo, lecionava que o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil, era 30 (trinta) anos, limite este que sobreviveu por longos 80 (oitenta) anos, mesmo com constantes alterações sociais.
Desse modo, o artigo 2° do Pacote Anticrime trouxe um novo limite máximo de cumprimento para a pena privativa de liberdade, aumentando-o em 10 (dez) anos, passando de 30 (trinta) para 40 (quarenta) anos, o período mais elevado em que o agente condenado à pena privativa de liberdade pode cumprir, no interior do sistema penitenciário.
Todavia, em que pese a referida alteração ter sido positivada no artigo 75 do Código Penal pelo denominado Pacote Anticrime, tal modificação temporal não pode ser simplesmente associada ao nome pelo qual a Lei fora “batizada”, limitando-se à uma interpretação no sentido de que o legislador derivado adotou tal medida, única e exclusivamente, no intuito de repressão à criminalidade.
Insta salientar, que, de fato, a supramencionada alteração trata-se de uma reformatio legis in pejus, pois modifica a legislação penal em desfavor dos réus e, pelo princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, a referida modificação não atingirá fatos pretéritos, mas tão somente, os delitos praticados após à sua entrada em vigor.
Entretanto, conforme já mencionado, comete equívoco aquele que interpreta a alteração do artigo 75 do Código Penal, sem observar o contexto social em que ela é introduzida ao ordenamento jurídico pátrio.
Certo é que, de 1940, ano em que foi sancionado o Código Penal Brasileiro, até o ano de 2017, a expectativa de vida do brasileiro aumentou cerca de 30,5 anos e, utilizando-se o mesmo exemplo que fora mencionado anteriormente, um agente de 50 anos de idade em 2017, ainda pretende viver mais 30,5 anos, podendo chegar aos 80,5 anos, ou seja, 11,4 anos a mais do que o mesmo agente com 50 anos em 1940.
Sem dúvidas, nos dias atuais, os jovens ainda são os protagonistas no universo criminoso. Assim sendo, tomando como exemplo um agente contemporâneo de 20 anos de idade, para o qual sobreveio uma condenação à uma pena privativa de liberdade, que culminou no cumprimento do limite máximo de 40 anos, este agente sairá da carceragem com 60 anos completos, o que o levaria a viver o fim de sua vida em liberdade, ainda com expectativa de vida de mais 20 anos.
Conclui-se, portanto, que o aumento de 10 anos ao tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil, se deu de forma proporcional ao crescimento da expectativa de vida do cidadão brasileiro, atendendo, nos mesmos moldes em que foi positivado o limite de 30 anos em 1940, às finalidades da pena e respeitando os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e suficiência, que recaem sobre sua aplicabilidade.
Isso porque a sociedade como um todo apresentou avanço ao longo do tempo, de modo que estudos científicos de alta qualidade resultaram no avanço da medicina, um dos principais fatores para a garantia de mais qualidade e tempo de vida para a população.
Desse modo, resta claro que as interpretações que se fazem à alteração aqui abordada, no sentido de julgá-la como insuficiente à repressão da criminalidade, se mostram limitadas e, talvez, na maioria dos casos, vinculadas à denominação dada à Lei n° 13.964/2019.
Pelo exposto, tais visões elucidam um defasado raciocínio jurídico acerca do tema, pois, em verdade, atrelá-lo exclusivamente à uma medida “anticrime”, vai de encontro à um fundamento que é estudo da introdução ao direito, qual seja, a dinamicidade das leis, que têm as mudanças sociais como uma de suas fontes, justificando o aumento do limite temporal de cumprimento de pena privativa de liberdade.
REFERÊNCIAS
CUNHA Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1° ao 120). 7. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
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