Quem muitas vezes ‘paga’ a maior cadeia é a família do preso
Quem muitas vezes ‘paga’ a maior cadeia é a família do preso
Fala moçada! É uma baita alegria escrever mais uma coluna para vocês, meus amigos leitores. Já perdi as contas de quantas colunas foram veiculadas, no entanto, não esqueço cada um dos amigos que fiz por intermédio do Canal Ciências Criminais. Sou um privilegiado por escrever esta coluna semanal e, principalmente, por saber que, com minhas colunas, posso auxiliar um jovem advogado recém-formado, bem como aquele acadêmico de Direito cheio de sonhos e disposto a lutar por justiça. Deixo aqui um beijo fraternal em cada um dos meus amigos leitores. Vamos lá coluna no ar!
Sábado passado, como de costume, preparei meu chimarrão e, juntamente com meu fiel escudeiro e amigo Antônio Carlos, rumamos para a cidade de Charqueadas, cerca de 50 km da capital Porto Alegre. Na cidade localizam-se diversos presídios, desde o semiaberto até segurança máxima.
Chovia torrencialmente nesse dia. Tempestade brava mesmo. No entanto, como não somos de açúcar e sábado é dia de trabalho normal em nossos escritórios, fomos realizar nossos parlatórios. Na agenda ainda estavam incluídas visitas às penitenciárias femininas na capital e região metropolitana. Aos sábados, realizamos de 30 a 40 atendimentos. Nossa advocacia é muito atuante no estado, fruto da dedicação diuturna de todos os componentes do escritório.
Falando em componentes do escritório, quero falar do Antônio, mais conhecido como “Cabeça”, um irmão que a vida me deu. Um ser humano fantástico, amigo e leal, responsável como ninguém. Eu digo que o Antônio é um rábula. De tanto me ouvir falar sobre direito, já entende como ninguém do dia a dia de um advogado criminalista. Antônio tem a função de dirigir para mim, eis que não consigo seguir em frente aos muitos atendimentos que faço junto ao telefone, bem como cuidar da nossa segurança e logística. Ao lado dele cortamos o estado de ponta a ponta, sempre tomando nosso chimarrão. Sempre digo que se fosse participar de uma guerra e pudesse levar um combatente ao meu lado, esse seria o Antônio.
Quase nos aproximávamos da penitenciária naquela chuva, quando uma multidão de mulheres e crianças caminhando pelo barro nos chamou a atenção. Foi aí que o Antônio sugeriu:
Irmão, por que você não faz uma coluna sobre essas pessoas, esses familiares que passam um baita trabalho para ver seus entes que estão presos? Às vezes, irmão, a família do preso ‘paga’ uma cadeia maior que a dele!
Bingo! A coluna de hoje foi sugestão do Antônio. E não é que é verdade? Olhando aquelas mulheres e seus filhos que estavam saindo de mais um dia de visita, eis que comemoração do Dia das Crianças na casa prisional, meu coração apertou.
O que leva aquelas famílias, na sua quase totalidade formada por pessoas humildes, a não abandonar aqueles que erraram e que infelizmente deram um passo ruim na vida? São semanas, meses, anos pegando ônibus antes de o sol raiar, contando moedas, enfrentando frio, chuva, calor, levando pesadas sacolas, caminhando quilômetros até que se consiga chegar à casa prisional que fica muito afastada dos pontos de ônibus.
O que move estas pessoas?
O que passa na cabecinha daquelas crianças inocentes que desde muito pequenas conhecem as maiores dificuldades da vida ao ingressarem numa casa prisional, um local que definitivamente não pertence ao mundo infantil, mas que, para ver o pai, a mãe, os avós aqueles pequeninos se sacrificam fisicamente e, principalmente, emocionalmente. Afinal de contas, deve ser muito triste despedir-se do pai que está ali no presidio, onde deve permanecer preso.
O que passa na cabeça destes inocentes?
Daí a importância de termos um sistema carcerário mais próximo da Constituição Federal e da Lei de Execuções Penais. Minimizar esses sofrimentos, não esculachando a família do apenado, que não tem culpa alguma dos erros cometidos pelo preso. Essas pessoas são, sim, estigmatizadas pela sociedade em geral, mas não realizaram nenhuma conduta típico-penal alguma para serem destratadas pelos outros.
Que cadeia que pagam essas pessoas e o que movem estas criaturas meu Deus?
Eu sei o que lhes movem: é a esperança, o amor, o perdão, o sonho em ver o ente querido fora dali, recuperado e pronto para retornar ao convívio social.
A força do sangue que faz a mãe não desistir do filho; a vontade de fazer um novo recomeço, a vida que continua e não pode parar, numa ótica cristã. Acredito que nós, advogados, estamos no caminho certo; somos os únicos que perdoam, assim como os parentes dos acusados; somos os únicos que estendemos a mão, pois acreditamos no ser humano. Lembro de Pedro que pergunta a Jesus-pai:
Quantas vezes devo perdoar um irmão: Sete?
E Cristo responde:
Não, Pedro, devemos perdoar sete vezes setenta.
Eu, na condição de advogado criminalista, não peço nenhum beneficio que não esteja escrito na CF e na LEP aos apenados. Presidio não é lugar de bicho. É um local onde ficam aqueles que erraram e que um dia vão retornar ao nosso convívio social e em que condições? Mordendo?
Tema difícil e triste de tratar olhando aquelas crianças e mães molhadas, sujas de barro, com frio ao deixarem alguém que amam dentro do presidio. Tive a certeza de que a família, esta sim, ‘paga’ a maior cadeia…