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A (in)congruência entre o pagamento e o parcelamento nos crimes contra a ordem tributária

A (in)congruência entre o pagamento e o parcelamento nos crimes contra a ordem tributária

Consoante se observa da norma insculpida no artigo 34 da Lei nº 9.249 de 1995, a punibilidade do agente nos crimes definidos na Lei nº 8.137 de 1990 – lei que dispõe acerca dos crimes contra a ordem tributária – é extinta quando este efetuar o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive de seus acessórios. Prevê a norma, ainda, que o referido pagamento deve se dar antes do recebimento da denúncia [1].

No entanto, a Lei nº 10.684 de 2003 – lei posterior e mais benéfica – trouxe nova regra: o artigo 9º, §2º, deixou de estabelecer marco temporal e passou a dispor que a punibilidade do agente é extinta quando se efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. 

Deste modo, à luz da novel legislação, o pagamento do débito tributário feito a qualquer tempo e em quaisquer condições extingue a punibilidade do agente. Tal entendimento é, também, chancelado tanto pelo Supremo Tribunal Federal [2], quanto Superior Tribunal de Justiça [3]

A Lei nº 12.382 de 2011, por sua vez, trata do parcelamento do crédito tributário. Segundo a exegese da referida legislação, o parcelamento deve ser feito antes da propositura da ação. Leia-se: somente poderá haver a suspensão da punibilidade se o parcelamento for celebrado antes do recebimento da denúncia (artigo 83, §2º).   

As sanções penais tributárias – e isso está cada dia mais evidenciado – são, hoje, verdadeiros instrumentos coercitivo-arrecadatórios: objetivam única e exclusivamente o pagamento do tributo, e é por esta razão que se extingue a punibilidade do agente que recolhe integralmente o débito [4]

Se assim é, vislumbra-se, da análise conjunta das referidas legislações, patente e insustentável incongruência entre ambos os institutos jurídicos: se a legislação brasileira chancela a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo a qualquer tempo – inclusive após o trânsito em julgado (!) -, qual a razão de limitar a suspensão da punibilidade pelo parcelamento apenas se este for realizado até o recebimento da denúncia? 

Embora desprovido de qualquer sentido, a regra legal é observada, também sem maior zelo pela coerência, pelas Cortes Superiores do país [5].

Ao que tudo indica, tal incoerência não ocupa as matérias do dia justamente porque beneficia aqueles – grandes empresários – que possuem caixa para adimplir, de uma só vez, o débito, enquanto prejudica aqueles – pequenos e médios empresários – que, acaso não tenham possibilidade de parcelar a dívida previamente à denúncia, seguirão denunciados e possivelmente condenados. 

Seja pela coerência nas regras e fundamentos jurídicos, seja pela isonomia de tratamento, fato é que tal discussão precisa ser (agora, coerentemente) enfrentada.


NOTAS

[1] A inspiração da presente coluna veio ao presenciar sustentação oral realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná pelo escritório Sanz Advogados.

[2] Recurso Ordinário Em Habeas Corpus 128.245/SP, STF. DJe 21/10/2016

[3] No Informativo 611 do STJ, firmou-se o entendimento de que, mesmo após o trânsito em julgado da condenação, extingue-se a punibilidade do agente que efetua o pagamento do débito tributário: “Crime contra a ordem tributária. Condenação transitada em julgado. Pagamento do tributo. Causa de extinção da punibilidade. Artigo 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003. Coação ilegal caracterizada. O pagamento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado”. (HC 362.478-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, por unanimidade, julgado em 14/9/2017, DJe 20/9/2017)

[4] “As sanções tributárias, mesmo aquelas que importem em penas privativas de liberdade, objetivariam o cumprimento de uma pena menor, que é o tributo, desestimulando a sonegação, a fraude e o conluio. Por isso, satisfeito o Estado com o pagamento do tributo, não mais haveria razão para deixar de extinguir a punibilidade, nos casos de crimes tributários, pois é, também, finalidade do Estado a preservação da fonte produtora de sua receita” (Harada, Kiyoshi, Musumecci Filho, Leonardo, Polido, Gustavo Moreno. Crimes contra a Ordem Tributária, 2ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014.)

[5] “O entendimento sedimentado nesta Corte é de que Lei n. 12.382/11 determinará a suspensão da pretensão punitiva do Estado, desde que o parcelamento  do débito tributário tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia” (AgRg no HC 439.362/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 09/08/2018)


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Marion Bach

Advogada (PR) e Professora

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