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Pedido de vista e a duração razoável do processo

Compondo um dos tópicos da 4ª “Medida contra Corrupção” (Aperfeiçoamento do Sistema Recursal), hoje, do Projeto de Lei nº 4.850/2016 em tramitação na Câmara dos Deputados, a proposta legislativa sugere acréscimo de dispositivo no Código de Processo Penal pertinente ao pedido de vista nos tribunais.

Eis a proposição:

Art. 8º. Acresça-se o art. 580-A e o Art. 578-A ao Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

(…) Art. 578-A. O membro do tribunal que pedir vistas após os votos do relator e, quando houver, do revisor terá o prazo correspondente a cinco sessões para estudar o caso, findo o qual reapresentará o processo e viabilizará a continuidade do julgamento.

Na justificativa apresentada à Câmara dos Deputados restou esclarecido que o objetivo de referido acréscimo à legislação pátria é decorrente da notória morosidade no julgamento dos recursos perante os tribunais, tendo como uma das causas o pedido de vista por parte de seus integrantes.

A medida vem ao encontro de um dos princípios basilares e fundamentais do processo penal, vale dizer, da duração razoável do processo.

Isso porque, não obstante o magistrado deva analisar com excelência as teses jurídicas e, em determinadas hipóteses, os fatos e as provas do contexto processual, o tempo desmedido de vista dos autos em poder do julgador que integra o Colegiado, além de causar grave constrangimento ilegal para quem é réu na ação penal e que se acha à mercê de um eterno julgamento, pode levar a inúmeras consequências que aniquilam a efetividade do processo penal.

Inicialmente, impõe destacar que se há pedido de vista é porque se está diante de órgão colegiado, ou seja, de julgamento originário, ou não, perante algum tribunal. Considerando a posição topográfica da inclusão do dispositivo, não restam dúvidas de que se cuida de julgamento de recurso: Título II “DOS RECURSOS EM GERAL” – Capítulo I “DISPOSIÇÕES GERAIS”. Logo, não há como negar que o processo, na maior parte dos casos, já percorreu um certo (longo, provavelmente) caminho. Em outras palavras: já teve, no mínimo, acusação formulada e recebida, absolvição sumária rechaçada, produção de prova pericial, documental, oral, entre outras, razões finais tanto da acusação quanto da defesa, sentença, interposição de recurso ordinário, contrarrazões e parecer do Ministério Público.

O trajeto é longo…

Sabe-se que, por vezes, pedidos de vista chegam a perdurar por anos.

Inadmissível!

Notadamente estando sub judice o exame de responsabilidade penal. E, repita-se, sob dois ângulos: tanto de quem responde ao processo quanto para a sociedade que também espera solução mais célere no desfecho que se encontra sob julgamento.

A questão mostra-se mais grave, ainda, quando se trata da espera eterna nos julgamentos das Cortes Superiores, cuja incumbência é de interpretação das normas constitucionais e das leis infraconstitucionais, via de regra, a ser seguida pelas demais instâncias ou de caráter vinculante.

O tempo para julgamento, com a inclusão de referido dispositivo, enfatize-se, vai depender, ademais, de qual órgão colegiado é o competente para julgar o processo, pois alguns são de competência de órgãos que julgam semanalmente, outros que apreciam os feitos quinzenalmente. Partindo-se desse último exemplo, é certo que, pautado o processo, levado a julgamento, sobrevindo pedido de vista, a partir daí, pode ser que seja concluído apenas após 3 meses. Isso, assinale-se, se apenas um julgador pedir vista, caso contrário…

Se se considerar a possibilidade, por exemplo, de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal (11) pedirem vista dos autos durante julgamento de processo pelo Plenário, poder-se-ia, com o acréscimo em comento, estender o julgamento por até 5 meses e meio, desprezando-se a existência de feriados, recessos etc.

Imagine-se, atualmente, sem citada norma, quanto tempo é possível?

A medida é saudável e urgente tanto para o réu, que tem o direito de ter seu julgamento finalizado dentro de lapso razoável, quanto para a sociedade, que tem o direito à resposta penal para qual o processo é instrumento adequado, evitando-se, de mais a mais, o seu esvaziamento pela ocorrência da prescrição nos casos de punição, pela protelação do cumprimento de eventual pena e pela inutilidade da execução da sanção penal depois de ultrapassado muito tempo, diante da perda da finalidade da pena, seja no âmbito da prevenção geral seja no âmbito da prevenção especial.

Ainda que vozes repudiem integralmente o Projeto de Lei que visa ao combate à corrupção, conforme o Brasil assim se comprometeu mediante convenções e tratados internacionais, negar tal medida, de modo generalizado e acrítico, é o mesmo que se olvidar dos direitos fundamentais individuais e coletivos. Cabe, aqui, pedido de vista para melhor estudar o projeto!

O objetivo é único: um caminhar mais rápido ou, sendo mais realista, um caminhar necessariamente menos lento…

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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