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Pelos jovens


Por Ingrid Bays


Em um breve parágrafo inicial, penso que cabe um desabafo de minha parte. Além da advocacia criminal e das pesquisas em torno das ciências criminais, outro tema que sempre me despertou interesse são os jovens. Aliado a seara criminal, estavam incluídos na minha pesquisa da graduação, nos meus estudos para também me tornar educadora social e em questões ainda mais amplas. No mês que passou dei início a realização de um sonho: a docência. E para ser ainda mais desafiador (e encantador), com adolescentes inseridos em um programa de aprendizagem, sedentos por conhecimento. Assim, passei a receber diariamente doses de sabedoria que nenhum banco acadêmico jamais poderia me proporcionar.

Infelizmente, quando se estuda e se vivencia esse tema o desespero cresce em torno da violação aos direitos das crianças e dos adolescentes e do interesse do senso comum (e dos nossos órgãos públicos…) em não as reconhecer, efetivamente, como sujeitos de direitos. Conforme noticiado pela revista Exame, uma pesquisa realizada por uma ONG Holandesa denominada Kids Rights demonstrou que o Brasil tem a maior queda em ranking de direitos das crianças, caindo sessenta e quatro posições em apenas um ano (de 43º para 107º), resultado de uma avaliação feita pelo Comitê das Nações Unidas pelos Direitos das Crianças.

Venho percebendo a desvalorização dos jovens, dentre tantos exemplos, em razão das ocupações que estão ocorrendo nas escolas aqui do Rio Grande do Sul e a repercussão negativa que se faz sobre o tema, visando atribuir aos militantes da causa os mais diversos rótulos inconvenientes. Visa-se retirar a voz dessas crianças e adolescentes que resolveram se reunir em busca de uma educação de qualidade e que acabam sendo, de maneira geral e inominada, criticados pela mídia e por todos aqueles que evitam entender os reais motivos de uma luta legítima.

Além do que esses estudantes encaram diariamente e podem listar como razões para a ocupação (e muito disso vivenciei na pele, pois tanto a minha formação no ensino fundamental quanto no ensino médio se deu em escolas públicas), existem ainda aquelas que talvez eles nem saibam que estão previstas na letra fria de uma lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e possui os seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII – consideração com a diversidade étnico-racial.

Realmente é irônico um Estado que se revolta com as ocupações dos jovens em busca de um ensino de qualidade enquanto deveria cumprir (no mínimo) os supracitados princípios básicos e está definitivamente muito distante disso… E, conforme denunciado por integrantes das ocupações, usa da clássica força policial para resolver conflitos que se solucionariam com algo definitivamente simples, mas que não é interesse do “Estado”: o diálogo. O interesse em dar voz aos jovens e não em tratá-los como objetos não parece estar na lista das prioridades, incidindo em um absurdo retrocesso à doutrina da situação irregular.

Como se diz, toda ação possui uma reação e as situações que podem surgir são imprevisíveis. Mas é preciso entender a luta como legítima e não fechar os olhos e buscar a criminalização de crianças e adolescentes que estão buscando seus direitos em um Estado que só os reconhece na letra morta de diversas leis e quando deveria os amparar, os despreza.  Força aos jovens que se unem em busca de uma educação de qualidade e para muito além da ultrapassada didática que ainda nos submetem.

Ingrid

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