E se a pena pudesse ir além da pessoa do condenado?

E se a pena pudesse ir além da pessoa do condenado?

A ideia do projeto E SE? é incentivar os leitores do Canal Ciências Criminais a pensar sobre o futuro do sistema criminal brasileiro como um todo e permitir reflexões sobre a forma como estamos o conduzindo. Semanalmente serão formuladas perguntas envolvendo temas polêmicos, com a finalidade de estimular debates e discussões.

Pergunta de hoje

E se a pena pudesse ir além da pessoa do condenado?

Respostas

Não iniciarei com alusão aos artigos constitucionais, nem com o conceito do princípio da intranscendência; ao contrário do que o de costume, começo com um questionamento: – “Já pensou se um indivíduo praticasse o crime e no lugar dele pudesse ser preso os seus pais?”. Pode-se dizer que tal indagação é absurda, pois os pais não poderiam responder pela ação criminosa do filho, pois eles não tem nada a ver com a situação. Pois bem, é devido a este princípio, o impedimento de processar os pais pela conduta praticada pelo filho, bem como de atribuir a pena aos pais em detrimento da conduta perpetrada pelos filhos. Ora, quando cogita-se em individualização da pena, temos que analisar não a norma penal em abstrato, como muitos até gostariam, mas, especialmente, os aspectos subjetivos e objetivos do crime. Note-se, que deve-se levar em consideração a individualização pelos instrumentos fornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68, CP (pena privativa de liberdade) e o sistema bifásico quanto a sanção pecuniária (art. 49, CP). A hipótese levantada neste tópico fora quanto a possibilidade da pena passar da pessoa do acusado, e comecei trazendo aquele questionamento. Senhores(as), muito poder-se-ia citar o princípio da intranscendência e discutir somente o retrocitado, entretanto, precisamos aprofundar um pouco mais e lembrar que existe parte da doutrina que também detona o princípio da imputação pessoal, isto para responder a máxima levantada e ao meu questionamento inicial. Por este princípio, o Direito Penal não pode castigar um fato cometido por agente que atue sem culpabilidade. E por esses motivos, não se pode permitir que a pena passe além da pessoa do acusado para atingir quem nada tenha praticado, porque estaríamos punindo um indivíduo, não pela prática delitiva, mas sim, talvez, pelo que a pessoa é, ou por quem ela é. Ora, Não se permite a punição do indivíduo pelo que é, pensa, ou que não pratique conduta lesiva a bem jurídicos de terceiros, porque não foi adotado o direito penal do Autor, mas sim o Direito Penal do Fato, significa que o agente que exterioriza a sua vontade causando conduta lesiva a bem jurídicos de terceiros (Princípio da lesividade ou alteridade), poderá responder pelo crime, sem condutas voluntárias e conscientes (requisitos da conduta) não se pode dizer que o agente praticou um crime. Para finalizar e não delongar algo que poderia ser catastrófico se existisse e fosse aplicado em nosso atual cenário, que já vivemos em tempos obscuros, finalizamos o nosso comentário de hoje, trazendo à baila também os princípios da personalidade e responsabilidade penal subjetiva, que são de extrema importância. Personalidade porque uma pessoa não pode ser responsabilizada por fato cometido por terceiro, consequentemente não pode a pena passar da pessoa do condenado, este também é o entendimento do STF “Impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator” (Agr-QO 1.033/DF). E responsabilidade subjetiva porque o indivíduo deve praticar uma conduta, e aqui devemos analisar os elementos subjetivos da mesma, porque ninguém pode ser responsabilidade por um fato sem que o tenha praticado por dolo ou culpa. E como a própria doutrina já menciona, o Direito Penal moderno é o Direito Penal da culpa, não se prescinde do elemento subjetivo, e conduta é um fenômeno ocorrente no plano da experiência, ou seja, é fato. Fato não se presume, se comprova. Existe, ou não existe. Por hora, não se permite no ordenamento pátrio a pena ultrapassar a pessoa do acusado/condenado, sob pena de uma chacina em diversos princípios norteadores do Direito Penal e Constitucional.

MACKYSUEL MENDES LINS – Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal e Processual Penal


Se a pena pudesse ir além da pessoa do acusado, a Constituição Federal sofreria uma grave violação principiológica. Em virtude dessa transmissão ser algo excepcional, e respeitando o princípio da individualização da pena, essa deve ser pessoal ao acusado, não sendo passível de se estender à terceiros. Caso o contrário, o superencarceramento tornar-se-á algo ainda mais alarmante e o Sistema carcerário agravará a sua crise.

GABRIEL CARVALHO DOS SANTOS – Acadêmico de Direito e pesquisador


É garantia constitucional a regra de que nenhuma pena passará da pessoa do apenado para terceiros. Trata-se do princípio da intranscendência da pena, decorrente da responsabilização subjetiva do direito penal. Um direito penal firmado em um sistema constitucional de garantias deve manter hígida a regra da intranscendência, sob pena de se admitir a odiosa e inadmissível expansão da punição a pessoas não responsabilizadas criminalmente por um devido processo legal. Em que pese a existência constitucional de regra proibitiva de transcendência da pena, infelizmente é comum, sobretudo na prática da advocacia, ouvirmos depoimentos de familiares de presos submetidos a situações vexatórias

CARLOS BERMUDES – Advogado criminalista, especialista em Ciências Criminais e professor de Direito Penal e Processo Penal


A Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLV, estabelece o princípio da intranscendência da pena afirmando que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”, como se vê o comando normativo, estabelece um limite constitucional para a imposição de sanções aos condenados, impedindo-se assim, que as mesmas ultrapassem os respectivos responsáveis pela prática do injusto penal. O princípio da intranscendência da pena deve ser reconhecido como uma cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico, em consonância com os ditames esculpidos no artigo 60, §4º, inciso II da Constituição Federal, sendo, portanto, um direito fundamental que deve ser protegido e tutelado pelo Estado. Entendemos que em caso de uma eventual transcendência da pena, fora das excepcionais hipóteses previstas na Constituição, demonstraria a total falência do Direito Penal, em punir de forma adequada e justa os responsáveis para prática do delido. Ademais, não seria possível realizar a valoração com base na reprovação e prevenção do crime, posto que, tomo como base o autor do delito, e não as pessoas que poderiam ser responsabilizadas de forma solidária em razão de atos alheios. O princípio da intranscendência da pena permite uma total coerência e harmonização do sistema penal constitucional brasileiro, a sua abolição, permitiria um odioso retrocesso.

DIOGO FERNANDO NUNES DA SILVA – Advogado, pós-graduado em Direito Público, Damásio.


Nossa consagrada Constituição Federal proíbe, de maneira expressa, que, quando determinado agente criminoso sofre punição pela prática de algum desiderato criminoso, a pena a ser imposta ultrapasse a pessoa do agente, vide seu artigo 5º, inciso XLV. Dessa forma, a responsabilização penal é de caráter personalíssimo, devendo ser respeitado o Princípio da Pessoalidade/Personalidade. Outrossim, a Carta Magna afirma que somente quando houver reparação de danos ou decretação da perda de bens é que os sucessores do réu poderão ser responsabilizados, o que se dá em Processos Cíveis. Com efeito, o genuíno escopo da pena é penalizar a prática de certo crime, e, por óbvio, recair sobre quem o cometeu ou nele está envolvido (concurso de agentes, por exemplo), do contrário, estaríamos punindo alguém por fato de terceiro (justo?). Seria como punir uma mãe pela conduta de seu filho, pois aquela seria responsável pela educação dada ao agente, bem como aferir uma possível participação de colegas e amigos que influenciaram aquele ser que veio a cometer tal delito. Ou seja, a responsabilização penal de um fato, cometido por um só homem, acabaria por atingir pessoas as quais sequer tinham conhecimento do ocorrido. Assim, a sanção imposta pelo Estado deixaria de ter a natureza de punição justa e passaria a ser uma verdadeira atrocidade.

MARTIN GROSS – Acadêmico de Direito


O nosso ordenamento e não apenas ele possui o princípio da intranscendência da pena uma de suas bases de responsabilização (art. 5º, XLV, CRFB/88). Os princípios, enquanto estratagemas estruturantes de um ordenamento, possuem a necessidade de legitimação. Esta legitimação decorre do caminho lógico traçado para a criação do ordenamento, é dizer que somente serão legítimos se seguirem um raciocínio lógico que fundamente a adoção de determinados princípios. O modelo penal brasileiro possui no princípio da culpa o cerne de sua responsabilização, que deve ser subjetiva e individual. Dentre uma das funções do princípio da culpa está a de determinar o limite da pena, que deve ser compreendido de duas formas: limitação quanto à gravidade da conduta (a pena não pode ser desproporcional) e uma limitação quanto à pessoa sancionada (cada um é responsável por aquilo que pratica). Além deste relação entre a intranscendência e o princípio da culpa, há também uma ligação direta com os fins da pena, em especial com o seu caráter retributivo. De forma bem simplória, as teorias retributivas do fim da pena propõem que a pena sirva como uma compensação pelos danos causados pela conduta delituosa. Se falamos em compensação/retribuição é impossível que se imagine um terceiro que nada contribuiu para a prática da conduta criminosa respondendo penalmente por suas consequências. Ao se caminhar logicamente entre tais relações da intranscendência com outros ditames da nossa ordem jurídico-penal, percebe-se a incompatibilidade entre a possibilidade da pena ir além da pessoa do condenado e os preceitos fundamentais do nosso sistema. Se tal situação fosse permitida, daríamos carta branca para o Estado agir arbitrariamente, podendo escolher quem submeteria à pena sem qualquer fundamento legítimo, até mesmo praticar perseguições contra aqueles que a ele fossem contrários. 

JOSÉ MUNIZ NETO – Advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal, mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais pela Universidade de Lisboa.


A Constituição Federal, em seu art. 5o, inc. XLV, traz o Princípio da Personalidade da Pena. Por este princípio, entende-se que a pena não pode passar da pessoa do condenado para outra. Pois bem! Caso fosse possível levar a pena além da pessoa do condenado, seria uma grave consequência para aquela pessoa que não tem a responsabilidade sobre o delito cometido. Ora, isso mudaria todo o sentido do direito penal, uma vez que, para que o direito penal venha a intervir em uma conduta e o indivíduo venha a ser condenado por um crime, deve-se existir o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado, para que depois venha consequência, que é a pena. Pois bem, se para o cometimento do crime exige-se o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado, pois sem isso alguém não pode ser condenado, como que uma pessoa inocente vai cumprir uma pena de uma conduta de terceiro? Caso não houvesse essa previsão, impedindo a possibilidade da pena ir além da pessoa do condenado, as pessoas pagariam por um crime que sequer cometeram, trazendo uma consequência gravíssima e sem limites, tendo em vista que, a depender da pena, várias pessoas da linha sucessória poderia cumprir a pena. Tal possibilidade seria algo absurdo!

ALEXANDRE TEIXEIRA DO NASCIMENTO – Advogado e pós-graduando em Ciências Criminais

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