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Perfis criminais: técnica ou intuição?


Por Claudius Viana


O Criminal Profiling é um método de análise comportamental que se propõe a auxiliar as investigações criminais, reunindo conhecimentos de diversas disciplinas para projetar as características pessoais de um suspeito desconhecido. Atraindo a atenção pública pelo modo como é retratado na ficção por séries televisivas norte-americanas (vide Criminal Minds), seu crescente avanço naquele país tem gerado discussões sobre seus limites legais: as evidências produzidas a partir desse método podem ser admitidas como provas em um tribunal? Quem é qualificado para testemunhar como especialista nessa área? As provas produzidas são úteis e consistentes ou são prejudiciais aos envolvidos nos processos criminais? Tratam-se de simples opiniões derivadas de intuição e instinto ou são resultado de técnicas científicas suficientemente confiáveis?

Neste texto apresento a resenha de uma obra que procura responder a essas questões. Originalmente concebida e produzida como tese de doutoramento para a Escola de Direito da Golden Gate University de São Francisco, Califórnia, Offender Profiling in the courtroom: the use and abuse of expert testimony (Offender Profiling no tribunal: usos e abusos do testemunho de especialistas, 192 páginas), de autoria de Norbert Ebisike, foi publicado pela Pragers Publishers em 2008, um ano após sua defesa na academia. Na obra, ainda inédita no Brasil, Ebisike se propõe a examinar os significados, a história, as abordagens, a admissibilidade legal e o uso nos tribunais das provas produzidas pelo método Offender Profiling ou por técnicas similares.

Literalmente, a expressão poderia ser traduzida por “perfil do infrator” ou “perfil do criminoso”, embora tais versões não deem conta do seu complexo significado. Talvez por isso, as instituições de ensino que recentemente passaram a oferecer o Criminal Profiling Course em nosso país optaram por nomear o método no idioma original. Em uma definição bastante resumida, trata-se de um processo de investigação onde informações recolhidas a partir da cena do crime (depoimentos de testemunhas e vítimas, relatórios de autópsia, dados sobre comportamentos específicos do suspeito, etc.) são usados para elaborar um perfil físico, geográfico e, sobretudo, psicológico do tipo de personalidade suscetível a cometer determinados crimes. A partir desses dados, é obtido um resultado que aponta não para um determinado autor, mas para a probabilidade de que alguém com determinadas características venha a cometer um certo tipo de delito.

A tese de Ebisike discute o seguinte problema: originalmente, o método foi utilizado pelos investigadores para diminuir o rol de suspeitos em casos onde não havia pistas suficientes na cena do crime para a produção de evidências. No entanto, os depoimentos de especialistas e seus laudos foram sendo progressivamente introduzidos nos tribunais como provas, exigindo a emergência da discussão acerca de sua confiabilidade, validade e admissibilidade legal nos julgamentos.

A organização do livro mantém a estrutura da tese. Seu primeiro capítulo, O que é o Offender Profiling, possui um caráter didático, apresentando ao leitor as definições, a racionalidade e os objetivos do método. Para isso, o autor expõe os diversos suportes teóricos utilizados pelos analistas para levantamento de evidências e produção de conclusões, tais como a análise do modus operandi do criminoso, seus métodos e sua suposta motivação, que desembocam nas conclusões sobre os tipos de crime passíveis de serem cometidos por determinados perfis psicológicos.

O segundo capitulo, intitulado Abordagens ao Offender Profiling, descreve os diferentes enfoques do método: a avaliação diagnóstica, a análise criminal investigativa, a investigação psicológica, o perfil geográfico, a análise das evidências comportamentais e o perfil da ação criminosa. Cada um desses métodos acabou sendo “adotado” por determinada classe de especialistas, o que gerou, na opinião do autor, uma indesejada compartimentação do conhecimento, o que tem prejudicado o desenvolvimento da técnica.

Na discussão sobre as abordagens e a história da evolução do Offender Profiling, Ebisike não poderia deixar de evocar a importância que lhe é concedida pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Neste contexto, também não poderia deixar de situar a origem da relação daquele órgão com as ciências comportamentais em meados da década de 1950, materializada na solicitação de seus investigadores ao psiquiatra James Brussel (1905-1982) para que estudasse cenas de crime e fotos de mais de trinta atentados a bomba, cometidos ao longo de dezesseis anos, que permaneciam insolúveis para os métodos de investigação tradicionais. A descrição do perfil psicológico do criminoso elaborada por Brussel levou à prisão, em 1957, George Metesky, apelidado Mad Bomber, autor das explosões.

Embora o emprego de teorias e técnicas psicológicas esteja massivamente presente no método, sua utilização não é exclusividade de psicólogos ou psiquiatras. Neste ponto, a crítica de Ebisike encontra eco na própria Associação Americana de Psicologia (APA – American Psychological Association), organização que representa os psicólogos nos Estados Unidos da América e no Canadá. De fato, alguns psicólogos têm questionado a solidez científica da técnica e encontrado nela certas falhas metodológicas, apontando que agentes leigos teriam a tendência a basear o trabalho, antes de tudo, em sua própria experiência de investigação.

No terceiro capítulo, Ebisike leva a discussão para o plano da legalidade da aceitação pelos tribunais dos testemunhos dos especialistas, apontando conflitos entre as leis americanas de admissibilidade de provas e a natureza das evidências produzidas pelo Offender Profiling. Essa discussão levanta uma série de questões sobre o método: ele pode ser admitido como prova? Quem é qualificado para testemunhar como especialista nessa área? As provas produzidas possuem respaldo científico? Tratam-se de simples opiniões ou são suficientemente confiáveis?

Antes da conclusão, um quinto capítulo traça uma perspectiva comparada entre a elaboração de perfis criminais nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Canadá. Ebisike nos informa que o método também já faz parte das técnicas de investigação utilizadas na Austrália, Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Rússia e África do Sul, embora seus resultados não sejam admitidos como provas nos tribunais daqueles países. Tendo em vista a relativamente recente chegada do Criminal Profiling ao Brasil, a obra do doutor Ebisike pode constituir uma excelente advertência prévia ao excesso de confiança no método, fornecendo elementos que permitem uma reflexão crítica em contraponto à propaganda dos cursos que divulgam essas técnicas e seus similares.

Talvez o grande mérito da obra de Ebisike seja exatamente lançar dúvidas e tentar desmistificar um universo que na ficção pode gerar enredos emocionantes, mas que transposto para o mundo real tem o risco de causar mais danos do que benefícios. É exatamente essa a sua conclusão. Após analisar uma longa série de casos (ao todo são citados 46 ao longo do livro) e entrevistar especialistas, Ebisike conclui que o Offender Profiling não é (ainda) suficientemente confiável. Sua pesquisa também sustenta a alegação de que a falta de troca de informações entre os diferentes segmentos envolvidos com a técnica tem como resultado a limitação do seu potencial, gerando dúvidas em relação à sua confiabilidade. Sua sugestão é que as provas obtidas por esse método não deveriam ser admitidas nos tribunais até que sua validade seja propriamente estabelecida, uma vez que no estado atual ainda constitui um “jogo de adivinhações” baseado em probabilidades, que não pode ser jogado nos tribunais: afinal, ninguém pode ser acusado ou condenado com base em probabilidades.

O interesse de Ebisike por essas e outras controvérsias na área da criminologia já o levaram a escrever outras três obras sobre o tema: An Appraisal of Forensic Science Evidence in Criminal Proceedings (2001); The Use of Offender Profiling Evidence in Criminal Cases (2007) e Controversies in Criminology and Criminal Justice (2014). Todo seu trabalho é ainda inédito no Brasil.


Uma resenha de Norbert Ebisike. Offender Profiling in the courtroom: the use and abuse of expert testimony. Connecticut: Praeger, 2008, 192 p. (US$55,00, pela Amazon).

_Colunistas-claudius

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