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A essencialidade da pesquisa para o Direito Penal e Processual Penal

A essencialidade da pesquisa para o Direito Penal e Processual Penal

Ao passo em que nos deparamos com um direito penal com características inquisitoriais ainda fortes no país, bem como as constantes alterações no cenário político e jurídico brasileiro, vê-se que as pesquisas sobre diversas temáticas do direito penal, processual penal e da criminologia merecem uma atenção e valorização especial, focada na preservação de direitos e garantias fundamentais.

A pesquisa é capaz de reduzir impactos dessas permanências inquisitivas e das novas (velhas) mudanças no país – que por muitas vezes afetam substancialmente a sociedade – e também fomentar a crítica e o debate em diversas questões não analisadas ou ignoradas pelo legislativo, judiciário ou por agentes políticos como um todo.

Preliminarmente, merece destacar a origem do processo penal brasileiro, o qual fora inspirado densamente no processo penal italiano originado em um regime fascista o que, portanto, faz ser detentor de firmes traços inquisitoriais, caracterizados pela agressividade, redução de princípios e garantias, bem como a ocultação de ilegalidades praticadas na instrução pré e pós processual.

Os reflexos da origem processual ainda se mostram presentes e, através de uma breve análise do nosso contexto jurídico e político atual, verifica-se a existência de uma forte tendência em enrijecer os traços inquisitoriais presentes no direito e processo penal, através de um conservadorismo presente e com a tendência de expansão com a atual política e sociedade.

Não é forçoso reparar ocorrências nos tribunais que se assemelham ao processo penal inquisitório, tais como a união entre acusação e julgamento em uma entidade só. Como exemplo, o caso de instauração de inquérito realizada de ofício pelo Ministro Dias Toffoli no mês de março, visando à investigação de supostas fake news lançadas.

Sob outro aspecto, tornaram-se frequentes notícias quanto ao corte e redução de bolsas, entidades de pesquisa no Brasil e redução ao custeio com educação em seu todo, todos somados a desvalorização de professores e das instituições de ensino públicas.

Duvidosas tais atitudes, posto que algumas pesquisas de cunho sociológico e criminológico que possuem viés empírico foram produzidas e inclusive são capazes de trazer, dentre outros, indicativos concretos quanto o associativo entre a valorização da educação e pesquisa e resultado consubstanciado na redução da violência.

Muito embora existam questionamentos quanto aos motivos norteadores dos cortes cada vez mais agressivos na educação em seu todo, não merece tolha, neste artigo, a descrição detalhada e meramente estatística sobre cortes de pesquisa e educação, associação com índices maléficos quanto à falta da pesquisa. Pretende-se alavancar a necessidade do fomento à pesquisa e elaboração de artigos científicos sobre diversas temáticas, como as presentes na seara criminal, cerne do artigo em questão.

Para tanto, breves reflexões sobre a importância da pesquisa serão trazidas, bem como as alternativas quanto às melhorias e prevenções que podem ser definidas com a existência da pesquisa e debates sobre esta.

O primeiro motivo de reflexão, portanto, se amolda na cada vez mais próxima “americanização do direito penal”. Principalmente após o início da operação lava-jato, constantes foram as idéias em torno da busca por instrumentos capazes de reduzir os crimes de powerful em seu todo, o que resultou no início de temas nesse sentido, tais como: delação premiada, programas de leniência, programas de compliance, programas de conformidade (àqueles ligados estritamente ao decreto e a lei anticorrupção), além das teorias da cegueira deliberada, da tinta diluída, do nexo causal atenuado, entre outras.

Perceba que as temáticas supracitadas são interessantes e, por muitas vezes, ideais para as necessidades postas. Contudo, foram projetadas para modelos jurídico-normativos específicos e destoantes da realidade e origem brasileira. Eis o ponto que mostra a necessária atenção e cuidado quanto a  aplicação destas no cenário brasileiro.

Contextualizando a problemática, o direito penal americano é de origem diversa do direito penal brasileiro e, com isso, todo seu plexo basilar possui traços e estruturas diversas.

A título de exemplo, nos Estados Unidos uma das classificações primordiais é estruturada pelos conceitos de mens rea e actus reus, os quais possibilitam a aplicação da teoria da cegueira deliberada em uma consonância com a base americana. Em sentido contrário, a aplicação da teoria no Brasil não possui um “encaixe” adequado, tendo em vista que a divisão de dolo e culpa pode ensejar condenações por delitos com características da culpa, mas com a força de como se dolosas fossem (LUCCHESI, 2018).

Nessa ótica, merece citar que uma das problemáticas existentes, carecendo de pesquisas nesse sentido, consiste nas agressões aos princípios basilares e na gravidade das consequências trazidas pela aplicação da teoria, tais como penas maiores e desproporcionais ao delito praticado ou até mesmo na aplicação de sanções para delitos que, se reconhecidos como culposos, sequer poderia haver aplicação de pena.

Passando por uma breve análise da delação premiada, é um instituto aplicado desde o século 18 e utilizado em grande escala nos Estados Unidos, tendo em vista sua amplitude, celeridade e aplicabilidade face aos tipos delituosos norte-americanos. Já a versão brasileira, após sucessivas discussões, tornou-se restrita e ligada aos crimes organizados e, diante desse cenário fechado, as discussões circundam, dentre outras problemáticas, na subjetividade da decisão de escolha entre uma delação dentre outras, por exemplo.

Sob a linha da americanização, vastos são os exemplos de problemáticas que merecem pesquisa e discussão. Tendo em vista a tendência de busca e utilização de teorias e institutos internacionais, acumulada com o movimento (apressado) de implementação de mecanismos anticorrupção, podem acarretar em legislações e em construções jurisprudenciais equivocadas, dando azo a agressões e erros no campo penal brasileiro.

Outra perspectiva carente de incentivo à pesquisa consubstancia-se nas agressões cada vez mais ignoradas aos princípios e garantias fundamentais do direito penal. Neste aspecto, tal discussão não possui como base qualquer perspectiva de cunho político, pois a defesa aos princípios e direitos basilares não são parte de um lado ou de outro, mas sim de uma característica que deve ser presente e cada vez mais reforçada em um ambiente democrático, o qual o Brasil declara amplamente por meio da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, as problemáticas se inserem, principalmente, em ambientes cujas decisões são tomadas através de questões político-ideológicas. Não é forçoso observar as opiniões políticas e populares acerca dos direitos humanos, há uma alimentação desatenciosa e rasa que dá a entender que a existência destes direitos é relacionada ao aumento e impunidade da criminalidade de rua no país, o que gera um aumento dos traços inquisitoriais.

Graves são estas opiniões e decisões tomadas por base das visões punitivistas, posto que elas somente afetam classes específicas, frágeis e tidas como maioria no país, como se percebe através da falência do sistema penitenciário brasileiro.

Ao todo, muito embora os breves questionamentos trazidos, possíveis se tornam as conclusões pela essencialidade, necessidade e escassez da pesquisa no país, mesmo diante da carência de informações empíricas nesse sentido. O objetivo do artigo subsume-se à alimentação crítica da realidade brasileira, bem como na visualização de prejuízos provenientes e nos problemas que tendem a ocorrer nos cenários citados no decorrer do texto.

Concluindo, não se faz críticas específicas a um governo ou outro, bem como inexistente qualquer cunho político-ideológico. Apenas pretende-se mostrar e aguçar a análise de alguns problemas brasileiros, questionar ocorrências e incentivar a valorização e produção de artigos, pesquisas empíricas e discussões pelas instituições de educação.

Por fim, tendo em vista o cerne do artigo somado aos cortes de verbas para educação, questiona-se: quanto o Brasil perderá com a fragilização da educação e pesquisa? Como haverá desenvolvimento sem alimentar inovações, preservar direitos, melhorar condições essenciais e estimular  o crescimento da população carente?


REFERÊNCIAS

LUCCHESI, Guilherme. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil. 1.ed. São Paulo: Marcial Pons, 2018.


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Suzana Rososki de Oliveira

Advogada criminalista

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