Entrevistas

Plantando memórias completamente falsas (Entrevista com Elizabeth F. Loftus – parte 4)

Quais são as principais pesquisas existentes sobre as falsas memórias?

No começo dos anos 90, a América do Norte passou a presenciar um tipo completamente mais extremo de fenômeno de memória. Alguns indivíduos estavam indo para terapia com uma espécie de problema, como depressão ou ansiedade, e saindo com outro problema – “memória” de abuso terrível, perpetrado contra eles por entes queridos, geralmente envolvendo rituais satânicos que incluíam elementos estranhos ou até mesmo impossíveis. Uma mulher recordou ter engravidado de seu pai, embora ela fosse virgem e ele estéril. Centenas de pessoas se viram sendo processadas criminal ou civilmente, com base nestas memórias suspeitas. Centenas de acusadores supostamente tiveram suas memórias retiradas e muitos acabaram processando seus terapeutas por negligência, acusando-os de ter plantado falsas memórias. Acordos financeiros costumavam ser altos para os que tiveram suas memórias alteradas, chegando a 10 milhões de dólares em um único caso.

De onde vieram estas estranhas “memórias”? Procedimentos terapêuticos altamente sugestivos, como imaginação guiada, interpretações dos sonhos, hipnose e exposição à falsas informações se tornaram os suspeitos.

Para explorar como estas técnicas poderiam de fato conduzir à criação de falsas memórias, pesquisadores desenvolveram procedimentos inspirados em algumas das terapias duvidosas. Usando sugestão, meus colegas e eu começamos a reunir crianças que ficaram perdidas em shoppings por muito tempo. A técnica “perdido-no-shopping” (lost-in-the-mall technique) usava informações obtidas dos pais das crianças para que fossem criados cenários que descrevessem alguns eventos verdadeiros e também o falso fato de estar perdido. Os cenários foram então fornecidos aos participantes, como se fossem completamente verdadeiros. Neste trabalho inicial, aproximadamente um quarto dos participantes aceitou as informações e disse ter se perdido na forma sugerida.

Pesquisas posteriores utilizando a mesma técnica mostraram que as pessoas também poderiam aceitar sugestões de que teriam vivenciado eventos ainda mais estranhos e perturbadores. Em um estudo realizado no Estado do Tennessee, cerca de um terço dos participantes foram persuadidos de que, quando crianças, teriam quase se afogado e foram resgatados por salva-vidas. Em outro estudo feito no Canadá, pesquisadores convenceram metade dos participantes que algo tão horrível quanto ser vítima do ataque de um animal teria ocorrido durante suas infâncias (Loftus, 2003).

Sem dúvidas, falar para as pessoas que seus pais são a fonte de informação biográfica é uma forma potente de sugestão. Mas o trabalho posterior mostrou que sugestões sutis também podem levar pessoas a desenvolver falsas crenças e memórias. Uma dessas técnicas, comum em alguns consultórios de psicoterapia, é a imaginação guiada, na qual o terapeuta diz algo como: “você não se lembra de seu abuso, mas você tem todos os sintomas. Por que você não fecha os seus olhões e tenta imaginar quem pode ter feito isto?” A técnica da imaginação guiada persiste, apesar de fortes evidências de que imaginar um evento que não aconteceu (como quebrar uma janela com a mão) podem levar as pessoas a acreditar que realmente aconteceu. Pesquisadores chamam este fenômeno de imaginação inflada.

Quem é suscetível a este tipo de manipulação? Provavelmente, todos somos suscetíveis em algum grau. Mas alguns indivíduos são, de alguma forma, mais suscetíveis que outros – por exemplo, pessoas que apresentam lapsos na memória e atenção e aqueles que formam imagens mentais vívidas. As implicações para as práticas clínicas são óbvias: terapeutas profissionais que utilizam técnicas envolvendo qualquer forma de imaginação precisam melhor avaliar sua capacidade de distorcer memórias.

Uma queixa comum sobre as pesquisas com falsas memórias é que a sugestão deveria reviver uma memória verdadeira e não plantar uma nova. Talvez o indivíduo realmente tenha quebrado uma janela, esqueceu, e o exercício de imaginação o ajudou a reviver isto. Talvez o indivíduo realmente tenha sido atacado por um animal, esqueceu, e uma forte sugestão reviveu esta memória. Para resolver este problema, os pesquisadores procuraram plantar memórias implausíveis ou mesmo impossíveis.

Em uma série de estudos, pessoas foram conduzidas a acreditar que tinham testemunhado uma pessoa sendo possuída por demônios quando criança. Mesmo com alguns sujeitos entrando no experimento acreditando que não seria possível, muitos acabaram, após forte sugestão, com a confiança aumentada de que isso realmente ocorreu com eles antes dos 3 anos de idade. Em outra série de estudos, muitas pessoas foram levadas a acreditar que, quando crianças, teriam conhecido e cumprimentado Pernalonga em uma viagem a um resort da Disney. O evento é impossível, porque Pernalonga é um personagem da Warner Brothers e jamais seria visto em um resort da Disney. No entanto, alguns participantes ainda embelezaram suas “memórias” com um detalhe sensorial, como um abraço, um toque na cauda ou ainda por ter ouvido: “O que que há, Velhinho?”

Os detalhes sensoriais são especialmente importantes para cientistas da memória porque as pessoas geralmente usam detalhes sensoriais para ajudá-las a distinguir entre memórias verdadeiras e aquelas que são produtos da imaginação, sonhos ou outro processo. Quando ouvimos as histórias dos outros, como fazem os terapeutas, policiais, jurados ou amigos, utilizamos os detalhes sensoriais como uma dica de que o que estamos ouvindo se trata de um relato baseado em memórias autênticas. No entanto, estes estudos mostram que falsas memórias podem ser detalhadas. De fato, falsas memórias podem não somente ser detalhadas, como podem ser afirmadas com segurança e expressas com emoção – outras pistas que geralmente nos fazem pensar que os relatos de memória são verdadeiros.

REFERÊNCIAS

Loftus, E. F. (2003). Make-believe memories. American Psychologist, 58, 864–873.

ElizabethLoftus

Tradução de Rodrigo Coutinho Carril, advogado criminalista.

Redação

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