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Entenda o que pode acontecer com presos se STF liberar porte de drogas

Os defensores desta medida acreditam que ela poderia reduzir os casos de detenções equivocadas por tráfico de drogas no país

O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a aprovar a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Cinco juízes manifestaram apoio a esta medida, sendo necessária apenas mais uma votação para entrar em vigor. O Tribunal também está avançando no sentido de estabelecer parâmetros claros de quantidade de maconha para distinguir entre usuários e traficantes.

Os defensores desta medida acreditam que ela poderia reduzir os casos de detenções equivocadas por tráfico de drogas no país. Atualmente, são a favor da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal Gilmar Mendes (relator do caso), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e a presidente do Tribunal, Rosa Weber.

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Fonte: Jovem Pan

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Argumentam que o consumo de marijuana é uma questão de liberdade individual e deve ser abordado através de campanhas informativas e de apoio centrado na saúde dos consumidores. O ministro Cristiano Zanin, recém-nomeado para o Tribunal pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, votou contra a descriminalização, provocando indignação entre os usuários progressistas das redes sociais que apoiaram a eleição do presidente.

O julgamento, iniciado em 2015, foi novamente suspenso nesta quinta-feira (24 de agosto) após o ministro André Mendonça solicitar mais tempo para analisar o caso. Além disso, os ministros Nunes Marques, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia ainda não votaram.

Este caso não diz respeito à venda de drogas, que permanecerá ilegal independentemente do resultado. O crime de posse de drogas para consumo pessoal não é punível com pena de prisão no país desde 2006, com a promulgação da atual Lei de Drogas. Se a descriminalização for aprovada pelo STF, os indivíduos encontrados em posse de substâncias controladas para uso pessoal não enfrentarão mais outras penalidades existentes, como serviço comunitário ou participação em programas educacionais.

Além disso, esses indivíduos não teriam antecedentes criminais relacionados a esse crime. Especialistas da área sugerem que este julgamento poderá levar à redução do número de encarcerados no país, caso a decisão do STF resulte na libertação de indivíduos que foram presos injustamente por tráfico de drogas.

Para que isso ocorra, argumentam que o Tribunal precisaria estabelecer parâmetros objetivos para diferenciar entre quantidades destinadas ao uso pessoal e aquelas consideradas tráfico. Os defensores da medida, incluindo a associação que representa peritos da Polícia Federal (APCF) e membros do Ministério Público, argumentam que a falta de diretrizes claras para policiais, promotores e juízes diferenciarem entre posse para uso pessoal e tráfico muitas vezes resulta em indivíduos com pequenas quantidades de drogas, como maconha ou cocaína, sendo presos por tráfico de drogas. Contudo, algumas organizações que participam no processo duvidam deste efeito, pois discordam da avaliação de que indivíduos estão presos injustamente por tráfico.

Por enquanto, cinco ministros manifestaram apoio à adoção desses parâmetros: Barroso, Moraes, Weber, Mendes e Zanin. A quantidade específica, porém, só será definida ao final do julgamento, caso haja maioria favorável à medida. Os juízes Barroso e Weber, por exemplo, propuseram um limite de 100 gramas de maconha para distinguir entre usuário e traficante. Esta quantidade segue parâmetros utilizados em outros países como Espanha e Holanda. Enquanto isso, os ministros Moraes e Mendes sugeriram 60 gramas, enquanto Zanin defendeu apenas 25 gramas. Os ministros também discutem estabelecer uma quantidade máxima de plantas de maconha que um usuário pode cultivar.

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Fonte: Terra

Os ministros enfatizam, porém, que quaisquer parâmetros estabelecidos serviriam como diretrizes básicas. Um juiz ainda pode considerar um indivíduo usuário mesmo que possua uma quantidade maior, ou rotulá-lo de traficante mesmo que tenha uma quantidade menor, desde que outros elementos corroborem o crime de tráfico, como a apreensão de armas ou balanças utilizadas para pesar drogas. O ministro Fachin, ao votar em 2015, foi contra a definição desses critérios pelo STF, pois acreditava que deveria ser papel do Congresso determinar essas quantidades. No entanto, ele ainda poderia rever seu voto, como fez Mendes, que inicialmente também foi contra a fixação de parâmetros no início do julgamento.

Atualmente, mais de 180 mil pessoas estão presas no país por crimes de tráfico de drogas. O número de presos que poderiam potencialmente se beneficiar de uma decisão neste julgamento depende da concordância da maioria do STF em estabelecer parâmetros que distinguem entre uso pessoal e tráfico e dos parâmetros específicos adotados. No entanto, nenhuma decisão do STF levaria automaticamente à libertação dos presos, conforme explicou a vice-procuradora-geral da República, Luiza Frischeisen, à BBC News Brasil. Cada indivíduo detido por tráfico de drogas e potencialmente afetado pelo julgamento precisaria entrar com um recurso legal solicitando uma revisão de sua sentença.

O estabelecimento dos parâmetros propostos por Barroso também conta com o apoio da Associação dos Peritos da Polícia Federal (APCF). Embora a instituição não se posicione a favor ou contra a descriminalização da posse para uso pessoal, defende que independentemente da decisão sobre esta matéria, o Supremo Tribunal deve estabelecer parâmetros para diferenciar entre utilizadores e traficantes. Segundo Davi Ory, advogado que representa a associação, a APCF acredita que “o principal fator que contribuiu para o aumento do encarceramento foi a adoção de critérios subjetivos excessivamente amplos, transferindo o ônus de definir quem é usuário e traficante para a estrutura do Judiciário, com base sobre ‘circunstâncias sociais e pessoais’, bem como ‘o local e as condições em que a ação ocorreu.'”

Isto, sublinham eles, levou a detenções injustificadas, principalmente de indivíduos negros e pobres. Por outro lado, o advogado Cid Vieira, que representa a organização “Federação Amor Exigente” no julgamento do STF, questiona o impacto do julgamento na redução de presos. Esta organização presta apoio e orientação às famílias dos toxicodependentes e foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal como amicus curiae (colaborador do caso com interesse social mas não diretamente envolvido no desfecho).

“Não tenho conhecimento de nenhum dependente de drogas preso. O artigo 28 da atual legislação sobre drogas não prevê a prisão de quem for pego em posse de drogas para uso pessoal. será determinado por esse aspecto”, afirmou Vieira, que conversou com a BBC News Brasil em maio.

Estudos recentes indicam, no entanto, que a atual Lei sobre Drogas, promulgada em 2006 por Lula, contribuiu para o aumento do número de pessoas presas por crimes relacionados com drogas. Esta lei eliminou as penas de prisão para os usuários e aumentou a punição para os traficantes. A expectativa era que isso reduzisse o número de prisões, mas ocorreu o efeito contrário, afirma o procurador Pierpaolo Bottini, que na época era secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

“A impressão era que isso levaria ao desencarceramento, porque os presos por uso de drogas seriam libertados. Mas acabou aumentando o encarceramento porque as autoridades policiais começaram a atribuir tudo ao tráfico, então o efeito foi completamente oposto”, explicou em entrevista à BBC News Brasil, em maio.

Segundo dados do Departamento Nacional de Política Penal, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, quase 28% da população carcerária do país está presa por infrações previstas na Lei de Drogas. Nas prisões estaduais, por exemplo, onde havia um total de 659.351 indivíduos sob custódia ou condenados no primeiro semestre de 2022 (dados mais recentes disponíveis), 182.958 foram detidos por delitos de drogas, representando 27,75% do total.

Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou uma amostra de processos julgados em primeira instância judicial em todo o país no primeiro semestre de 2019, estimou que 58,7% dos réus acusados ​​de tráfico de maconha possuíam até 150 gramas. Apenas 11,1% foram encontrados com mais de dois quilos da droga.

Uma análise semelhante de casos envolvendo tráfico de cocaína revelou que 62,3% dos casos envolviam 100 gramas ou menos, enquanto 6,8% diziam respeito a apreensões superiores a um quilograma. Este mesmo estudo estimou quantas pessoas condenadas por tráfico de maconha ou cocaína poderiam ter suas sentenças revistas se fossem estabelecidas quantidades máximas para uso pessoal. O estudo examinou casos de 5.121 indivíduos acusados ​​de tráfico de drogas que foram julgados em primeira instância judicial no primeiro semestre de 2019, fornecendo uma amostra representativa dos presos por esse crime no país.

O Ipea analisou pesquisas sobre uso de drogas no Brasil e experiências internacionais para distinguir entre tráfico e uso pessoal

O estudo do Ipea concluiu que se o parâmetro proposto por Barroso (25 gramas de maconha) fosse adotado, 27% dos condenados por tráfico de maconha poderiam ter suas penas revistas. Com limite de quantidade de 40 gramas para uso pessoal, 33% dos condenados poderão ser impactados.

Por outro lado, se o parâmetro fosse fixado em 100 gramas, quase metade (48% dos condenados) poderia ter as suas sentenças revistas. Os cenários testados pelo Ipea consideraram três opções de parâmetros propostos em nota técnica do Instituto Igarapé de 2015. Este instituto analisou pesquisas sobre uso de drogas no Brasil e experiências internacionais no estabelecimento de quantidades para distinguir entre tráfico e uso pessoal.

Em relação à cocaína, 31% dos condenados por tráfico poderiam ter suas penas revistas se o STF estabelecesse o parâmetro de 10 gramas para uso pessoal. Se o limite fosse fixado em 15 gramas, o percentual subiria para 37%. Contudo, as conclusões deste estudo não permitem calcular o número potencial de presos que poderiam ser libertados caso o STF adotasse parâmetros para diferenciar entre tráfico e uso pessoal. Nem todos os indivíduos processados ​​por tráfico de drogas são condenados a prisões fechadas ou semiabertas, explicou Milena Karla Soares, coordenadora da pesquisa, à BBC News Brasil.

“Estamos realizando um novo estudo para analisar especificamente o impacto no sistema prisional”, afirmou.

Soares enfatizou que a falta de padronização no registro das quantidades apreendidas em processos criminais dificulta essas análises. Para identificar as quantidades apreendidas com cada réu, a equipe do Ipea pesquisou diversos documentos processuais, como laudos periciais, denúncias do Ministério Público e sentenças de juízes. A melhor informação disponível destes vários documentos foi então selecionada para cada caso para conduzir o estudo. Assim, uma das recomendações da pesquisa é “o estabelecimento de um protocolo nacional para padronização de informações relacionadas à natureza e quantidade de drogas em processos criminais”.

O STF analisa Recurso Extraordinário de repercussão geral (cuja decisão valerá para todos os casos similares) que questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Este artigo define como crime a aquisição, posse, transporte e cultivo de drogas para uso pessoal. Não há previsão de prisão para esse crime. As penas estipuladas neste caso são “advertência sobre os efeitos das drogas”, “serviço comunitário” e/ou “medida educativa de participação em programa ou curso educativo”. O recurso foi interposto pela Defensoria Pública de São Paulo em nome de um réu flagrado com 3 gramas de maconha. Por posse da droga, ele foi condenado a serviços comunitários.

A Defensoria Pública argumenta que a lei viola o direito à liberdade, à privacidade e à automutilação (direito do indivíduo de praticar ações que apenas prejudiquem a si mesmo), garantido na Constituição Federal.

“Sendo praticamente inerente à natureza humana, não nos parece sensato buscar a solução ou gestão dos danos causados ​​pelo consumo de drogas através do direito penal, através da proibição e da repressão. Trágicas experiências proibitivas ocorreram no passado, como o caso do americano A Lei Seca, e mesmo a atual política de guerra às drogas, que criou mais males e desigualdades do que efetivamente protegeu o mundo das substâncias narcóticas”, argumentou o defensor Rafael Muneratt no início do julgamento.

O então chefe do Ministério Público de São Paulo, procurador-geral Márcio Fernando Elias Rosa, manifestou oposição à descriminalização.

“O tráfico de drogas no Brasil está aumentando. O Estado tem se mostrado incapaz de controlar efetivamente até mesmo a circulação das chamadas drogas lícitas. Não existe uma rede estruturada de assistência à saúde ou um programa de reintegração eficaz”, argumentou.

Fonte: BBC News

Daniele Kopp

Daniele Kopp é formada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade. Seu interesse e gosto pelo Direito Criminal vem desde o ingresso no curso de Direito. Por essa razão se especializou na área, através da Pós-Graduação e pesquisas na área das condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Sistema Carcerário Brasileiro, frente aos Direitos Humanos dos condenados. Atua como servidora na Defensoria Pública do RS.

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