ArtigosDireito Constitucional

Pode o magistrado intimar o réu a fornecer a senha de celular apreendido?

Pode o magistrado intimar o réu a fornecer a senha de celular apreendido?

Por Felipe Geitens e Tamara Silva

O princípio que veda a produção de prova contra si mesmo não está expressamente previsto na Constituição Federal, mas interpreta-se que ele decorra do art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Entretanto, de forma mais clara prevê o Pacto São José da Costa Rica no art. 8º, 2, g o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. 

Dessa forma, tal direito consiste na prerrogativa do investigado ou acusado a negar-se a produzir provas contra si mesmo, e a não ter a negativa interpretada contra si. Ressalta-se que a carga probatória em face da conduta imputada é do Estado, prevalecendo a esfera da liberdade do sujeito, desobrigado a cooperar com a apuração criminal (ROSA, 2017. p. 438).

Uma situação que retrata muito bem a violação a tal direito é quando o magistrado determina a intimação do réu para que forneça a senha do celular para que consiga realizar a perícia.

A própria atuação, de ofício, do magistrado já viola o a estrutura acusatória e já renderia boas discussões, mas focaremos na determinação de produção de prova pelo acusado.  Para ilustrar o Magistrado Marcelo Pons Meirelles da 2º Vara da Comarca da Capital/SC determinou:

fornecer a senha de celular 01

Ora, não se pode obrigar o réu a fornecer a senha do aparelho, isso porque ele não pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, de forma que seria inconcebível obrigar a pessoa (ANTUNES, 2016. p. 204) que está sendo acusada ajudar na produção da prova acusatória.

A persecução penal encontra limites nos direitos fundamentais conferidos a cada cidadão e o direito à não autoincriminação está entre eles. O processo penal não pode ser visto como um instrumento a serviço do poder punitivo e sim deve ser visto como limitador de poder e garantidor dos direitos do indivíduo (LOPES JR,  2018. p. 32).

O problema que a mentalidade inquisitória leva, em geral, a utilização da regra: “quem não deve não teme”, com isso acrescido da ilusória busca pela verdade real suprime-se tal garantia em favor do réu (ROSA, 2017. p. 438.), o que faz com que práticas como a realizada por esse magistrado se tornem a regra e não a exceção. 

Apesar dessa infeliz realidade, não deve desanimar os que lutam pela aplicabilidade dos direitos fundamentais, ao contrário disso, deve-se incitar ainda mais o combate pela efetivação das normas constitucionais. O momento não é de aceitação, mas de luta (MARMELSTEIN,  2016). 

Sem coragem para fazer valer as “regras do jogo”, não há estado democrático de direito (CASARA, 2018).


REFERÊNCIAS

ANTUNES, Leonardo Leal Peret. (Re)pensando a busca e apreensão no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. 

CASARA, Rubens. Estado pós-democrático. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

LOPES JR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2018.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo, Atlas, 2016.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia de processo penal conforme a teoria dos jogos. 4. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo