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A polícia prende e a justiça solta… Será mesmo?

Todos já ouviram essa frase: a polícia prende e a justiça solta. Mas será que é verdade? Será que realmente as coisas funcionam desse jeito?

O primeiro ponto a ser visto é relacionado às prisões, como são feitas, qual o tipo mais comum, dentre outros.

Assim, basta uma simples análise do nosso sistema penal para perceber que a maioria esmagadora das nossas prisões são as prisões em flagrante.

Se a maior parte das prisões é em flagrante, quem atua é a Polícia Militar, que tem o papel ostensivo, não cabendo a ela a investigação.

Os policiais militares, atuando em uma situação flagrancial, abordam o indivíduo, apreendem os materiais relacionados ao crime, eventualmente conduzem alguma testemunha (o que é muito difícil de acontecer), e todos vão à Delegacia de Polícia realizar o auto de prisão em flagrante delito (APFD).

Nesse ponto, importante dizer que o Delegado pode arbitrar fiança em favor do preso, caso a pena máxima atribuída ao(s) crime(s) não ultrapasse 04 anos (art. 322 CPP), sendo que, caso o preso recolha o valor arbitrado, já sairá em liberdade da delegacia mesmo.

Ademais, segundo a legislação penal, a prisão em flagrante deve ser comunicada a um juiz no prazo de 24h, para que ele analise a legalidade do ato, bem como decida a medida a ser aplicada àquele indivíduo (prisão preventiva, fiança, tornozeleira eletrônica ou outra medida cautelar diversa da privativa de liberdade).

É nesse ponto que a afirmação “a polícia prende e a justiça solta” se enquadra com maior precisão.

Só que não são soltos, como muitos gostam de falar por aí, “estupradores”, “assassinos” e “sequestradores”.

As coisas não são assim.

Pode ser que um caso ou outro, por ilegalidade da prisão ou outro fator excepcional, aconteça da pessoa ser presa acusada de praticar um crime grave e seja solta pouco tempo depois da prisão, mas isso é exceção e, quando acontece, geralmente se dá pelo fato da prisão ser ilegal.

Se você que lê esse texto tem conhecimento da prática penal, deve saber que a tendência é que pessoas reincidentes, que tenha maus antecedentes ou que praticaram crimes graves, caso sejam presas, continuarão presas durante todo o processo.

Então, quem é solto logo depois da prisão? As pessoas presas acusadas de praticar crimes leves, de pequeno potencial ofensivo, geralmente primárias, as quais são as destinatárias das benesses legais.

E mais, temos que lembrar que nem todos os crimes são passíveis de prisão. Não é matemático: praticou conduta considerada criminosa, deve ser preso (ainda bem).

Sem falar que a regra é a liberdade e a prisão a exceção. Portanto, a princípio, todos têm o direito de responder o processo em liberdade e não o contrário, como costuma acontecer aqui por terras brasileiras.

Importante destacar que uma das condições para possibilitar a prisão preventiva de alguém está no artigo 313 do CPP, o qual estabelece que é admitida a prisão preventiva “nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”.

Portanto, se o crime pelo qual a pessoa foi presa em flagrante tem pena máxima igual ou inferior a quatro anos ou não é doloso, impossível a sua prisão preventiva.

Enquadram-se nessa hipótese: furto simples, receptação, porte/posse ilegal de arma de fogo de uso permitido e crimes de trânsito.

Se o crime possibilita o cumprimento da sanção por medidas restritivas de direito ao invés de privativa de liberdade, por qual razão manter a pessoa presa preventivamente?

É claro que também existem casos em que a pessoa é presa por crimes cuja pena máxima é superior a 04 anos e acaba sendo solta, como em algumas situações de roubo e de tráfico de drogas, por exemplo, que são os mais comuns.

No caso do roubo, para a pessoa ser solta, apesar de muito pouco provável, diante da necessidade (boa ou má) de o Judiciário dar uma resposta à sociedade, o crime deve ter sido praticado sem violência efetiva contra a vítima; o preso deve ser primário, jovem, com residência fixa; o bem subtraído deve ser de pequeno valor, dentre outras circunstâncias que fazem com que o magistrado entenda que a ele é cabível outra medida diversa da prisão.

É o típico roubo de celular, cuja abordagem foi rápida, com agentes primários e desarmados.

Com o tráfico é semelhante. A regra das prisões no tráfico de drogas não é de grandes traficantes, presos com quantidades de drogas alarmantes. Pelo contrário, falamos de jovens, primários, com pouca quantidade de drogas ou até mesmo nenhuma droga apreendida, em situações que colocam em dúvida a prisão; a condição de traficante/usuário; bem como levam em conta a pena a ser aplicada em uma eventual condenação e, consequentemente, a sanção a ser aplicada a ele.

Esse é um fator importante para a decisão de conversão da prisão em flagrante em preventiva ou na imposição de medidas cautelares diversas, a possível pena a ser aplicada a essa pessoa no futuro.

São analisadas, no caso do tráfico de drogas, por exemplo, as circunstâncias do crime, a quantidade de drogas apreendidas, a idade do preso, dentre outros fatores e, como numa bola de cristal, busca-se enxergar o futuro e a possível pena a ser aplicada no caso de uma condenação.

Ainda quanto ao tráfico, é necessário ter em mente o instituto do tráfico privilegiado, o qual possibilita, caso seja aplicado, a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).

Caso essa possível e abstrata pena seja inferior a 04 anos, o regime inicial será o aberto, não sendo plausível manter a pessoa presa cautelarmente durante a instrução para soltá-la após a prolação da sentença. Não faz sentido algum.

Já se a possível e abstrata pena for superior a 04 anos, já se sabe que o regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto, o que já possibilita uma possível “justificativa” para se decretar e manter uma prisão preventiva.

Obviamente, tudo é muito subjetivo e depende da cabeça do juiz que profere a decisão.

Mas a regra, se é que podemos falar que existe uma, é: furto simples, receptação, crimes relacionados ao estatuto do desarmamento e crimes de trânsito, quase 100% das vezes corresponderão à soltura quase que imediata do preso.

Tráfico de drogas, se o juiz verificar que em uma eventual condenação a pena a ser aplicada será inferior a 4 anos, principalmente se reconhecido o tráfico privilegiado, provavelmente concederá liberdade ao réu.

Em outros crimes, principalmente aqueles que envolvem violência real para sua consumação, como roubo, estupro e homicídio, a probabilidade de soltura na análise da prisão em flagrante é muito pequena, quase nenhuma. É bem provável que respondam o processo todo presos.

Deve ficar claro que não se trata de soltar “bandido”, mas de colocar em liberdade pessoas acusadas de praticar crimes e que têm o direito de em liberdade responderem às acusações que lhes são feitas.

Temos que lembrar, ainda, que nem todos que cometem crimes devem ser presos, ou melhor nem todos os crimes possibilitam a prisão, ainda mais se levado em consideração fatores pessoais do preso, os quais, ao serem analisados de forma associada, impossibilitam mantê-lo preso. Ainda bem, pois a nossa população carcerária já é a 3ª maior do mundo.

Desse modo, “a polícia prende e a justiça solta” é uma afirmação parcialmente verdadeira, dependendo do ponto de vista que se olhe.

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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