A polícia pode visualizar conversas do WhatsApp em celular apreendido?
A polícia pode visualizar conversas do WhatsApp em celular apreendido?
Há quem defenda a possibilidade de a polícia, diante de uma prisão em flagrante, apreender o telefone celular do então suspeito e, consequentemente, visualizar todo o conteúdo do aplicativo WhatsApp com o fim de investigação, sem a devida autorização judicial.
Porém, esta corrente olvida-se, por inteiro, de garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas a qualquer indivíduo, quais sejam o direito à intimidade, à privacidade, à vida íntima, ao sigilo.
É evidente o transpasse destes direitos quando o celular apreendido na prisão em flagrante é devassado pela polícia sem qualquer autorização judicial, como uma busca de provas para a elucidação de crimes e de sua autoria. Isto principalmente quando envolve as conversas encontradas em aplicativos, como o WhatsApp.
Deve-se, pois, levar em consideração que a aplicação do Direito deve estar sempre de acordo com a atualidade da sociedade, ou melhor, como sustenta a teoria tridimensional de Miguel Reale, o fato valorado dá origem à norma bem como ao seu sentido de interpretação e aplicação. Logo, a evolução tecnológica dos smartphones é marcante para uma imprescindível mudança de discernimento tanto da legislação quanto da jurisprudência, visto que há poucos anos o celular não continha aplicativos de comunicações senão a mera opção de ligação. Vejamos.
A Lei n. 9.296 regulamenta o tratamento das comunicações telefônicas de qualquer natureza bem como sua interceptação, deixando explícita em seu artigo 1º, caput, a imprescindibilidade de autorização do órgão jurisdicional para tanto. Alguns, todavia, entendem que sua aplicação é restrita aos casos de ligações (conversações por voz à longa distância), não se aplicando aos meros “dados” de comunicações, entendendo ser o caso do WhatsApp, prescindindo este, portanto, de qualquer ordem do juiz.
No entanto, este pensamento está ultrapassado, tendo em vista que as mensagens instantâneas do referido aplicativo devem sim ser consideradas como uma comunicação telefônica – via internet – e, portanto, inseridas no resguardo da Lei n. 9.296, legislação esta de 1996, a qual deve ser interpretada de acordo com os avanços tecnológicos desde então. Logo, a referida legislação, segundo sua essência, deve proteger igualmente as comunicações telefônicas (diversas das ligações) que abrangem a intimidade e a privacidade das pessoas.
Da mesma forma, alguns tentam sustentar que o acesso aos dados contidos no WhatsApp não detém o mesmo impedimento da interceptação telefônica da Lei 9.296/96, porque não gozam da mesma proteção constitucional que dispõe o inciso XII do artigo 5º: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Todavia, tal entendimento não há qualquer coerência, visto que os dados trocados entre os emissores e receptores da mensagem são ínsitos à intimidade e vida privada dos mesmos, cuja inviolabilidade é também assegurada constitucionalmente no artigo 5º, X.
Além do mais, tomar como base o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 91.867/PA – em que se assentou a legalidade de análise de registros telefônicos de celulares apreendidos em prisão em flagrante sem autorização judicial – não há mais sentido, visto que se trata de decisão ocorrida em 2004, época em que os celulares não continham nem mesmo acesso à internet, muito menos aplicativos com a possibilidade de outros tipos de comunicação, como o é a troca de mensagens instantâneas via internet (exemplo do WhatsApp).
A Lei n. 9.472/97, por sua vez, dispõe a respeito da organização dos serviços de comunicações, assegurando, em seu artigo 3º, V, a inviolabilidade e o segredo da comunicação. E, por fim, a Lei n. 12.965/14, que trata do uso da internet, assegura também a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas armazenadas, excetuando-se apenas em caso de ordem judicial.
Importante destacar ainda que existe um conflito de normas constitucionais, quais sejam o direito à intimidade e vida privada do artigo 5º, X, e o direito à segurança pública do artigo 144 – este, no sentido de o Estado dever assegurar meios eficientes de investigação.
Neste diapasão, é sabido que inexiste direito ou garantia absoluta, motivo pelo qual deve-se optar pela atenuação de um sobre o outro, aplicando-se a ponderação frente ao caso concreto, obedecendo sempre à proporcionalidade e razoabilidade.
Logo, exceto quando a demora de uma autorização judicial possa acarretar prejuízos concretos à investigação ou à própria vida da vítima – por exemplo, diante de uma extorsão mediante sequestro –, é imprescindível a devida autorização por parte do órgão jurisdicional.
Afinal, o Judiciário é órgão imparcial e, portanto, o mais adequado para decidir a respeito da ponderação mais adequada ao caso concreto, entre o dever do sigilo – decorrente do direito à intimidade e privacidade e assegurado por todas as leis supracitadas – e o dever do Estado em realizar uma investigação eficaz.
Deve-se perceber, portanto, que, ao ter o celular apreendido em prisão em flagrante, o indivíduo não pode ter sua privacidade absolutamente escancarada com o acesso irrestrito da polícia nos dados do WhatsApp do referido smartphone, sem uma válida ponderação e autorização judicial.