Por amor, ele matou (parte final)
Por Jean de Menezes Severo
Fala gurizada, tudo certo? Prometo não deixá-los mais sem coluna este mês. Agosto tem sido muito atípico no escritório. Júris, audiências que não terminam, duas turmas para lecionar e acabei me atrapalhando um pouco. Agora, um pouco mais organizado, tenho certeza que não falho mais nenhuma semana escrever para meus amigos leitores É uma grande satisfação. Sou muito grato ao Canal Ciências Criminais que me aproximou de todos vocês. Pois bem, a coluna de hoje finaliza mais um grande júri em que tive a honra de participar, preparados?
Todo júri é difícil, todavia, uns nos marcam mais que os outros, e este júri do meu amigo “O” foi fantástico. Existe uma diferença muito grande quando vamos a plenário defender um réu primário, de bons antecedentes e residência fixa e mais: aquele réu era um homem bom, trabalhador, honesto e não poderia sair daquele júri condenado, mas quem julga são os jurados; eu apenas teria que ir ao meu limite físico e mental porque, talvez assim, eu tivesse alguma chance naquele processo com tão poucas provas favoráveis à defesa.
Resumindo: tínhamos a palavra do réu, consistente no relato de que uma criança (seu filho caçula) havia sido molestada, mas sem um prova material robusta. Meu cliente havia “matado mal”. Ficou de tocaia esperando a vítima e desferiu diversos disparos de arma de fogo na face do de cujus. Antes do júri, tentei argumentar alguma coisa com o promotor que me informou de plano que iria sustentar a acusação de homicídio qualificado. Nos meus cálculos, a pena iria superar os 15 anos; uma sanção muito severa para aquele homem bom que sucumbiu de ódio quando sob do abuso do filho.
O Ministério Público havia arrolado a viúva como testemunha e eu três testemunhas abonatórias. Realmente era um processo de poucas provas, que se decidiria na argumentação de defesa e do Parquet. Confesso que é isso o que me fascina no júri: através da nossa oratória podemos fazer justiça salvar um homem. Certa feita, ouvi dizer que Deus fala através dos grandes oradores e por vezes me pego pensando nisso.
Plenário cheio. Comarca pequena da grande Porto Alegre e eu um “guri de bosta” que recém havia me formado e com uma baita responsabilidade daquelas nas mãos: defender um homem que protegeu a família. A causa era justa, mas complexa. Eu me recordo que ainda não utilizava beca no júri. Tinha um terninho de linho branco surrado que me dava muita sorte e lá estava eu, um rábula diplomado com seu terninho branco pronto para defender um homem, uma família.
Pessoal, quando forem fazer júri, usem a beca, até mesmo porque realizar um plenário de terno de linho branco hoje em dia é crime “hediondo”. Deixando a graça de lado, recordo-me do nervosismo. Eu estava muito tenso; não falava com ninguém. O processo estava absorvido em minha alma, no meu coração, porém, uma surpresa iria ajudar e muito a defesa daquele homem. E a ajuda partiu de onde jamais poderíamos esperar, qual seja: A palavra da esposa da vítima. Se o promotor soubesse o que aquela moça falaria, não a teria arrolado como testemunha acusatória.
Ela foi a primeira testemunha a ser ouvida. Era uma jovem senhora de aparência humilde, judiada pela vida dura, ficou com dois filhos pequenos para criar, fato este que o promotor utilizou e muito no julgamento, contudo, era uma mulher de caráter e de personalidade, principalmente quando perguntada pelo Ministério Público se a vítima já teria abusado de uma criança ou tentado abusar de alguém. A resposta veio através de um choro compulsivo e aquilo despertou uma imensa curiosidade no Conselho de Sentença e eu pensei: aí esta nossa absolvição.
Um copo de água foi servido para aquela senhora que novamente perguntada se seu marido já teria abusado de alguém, respondeu que não sabia, porque o a vítima era um homem bruto, que a agredia constantemente e que sua família não falava mais com ela há anos porque um sobrinho, também criança, havia o acusado de ter-lhe “passado a mão”. Na época, ela defendera o ex-marido, todavia, hoje (no dia do júri), não sabia de mais nada. Rompera com seus pais e irmãos em defesa dele, mas percebia que poderia ter se enganado.
Gente, com um depoimento daqueles, era para o promotor, com o perdão das palavras, “ter enfiado a viola no saco” e ter pedido, de imediato, a absolvição daquele senhor. Mas não, o que se viu foi um promotor vaidoso e arrogante, cujo único objetivo era condenar aquele pobre homem. Tentara de todos os modos desqualificar o acusado, porém, não contava o membro do Ministério Público que eu, apesar de muito jovem, já havia participado de dezenas de júris auxiliando um grande advogado e, quando chegasse minha fala, aquele tribunal iria tremer.
E tremeu.
Não só pelos pulos que eu dava (e olha, sou pesado), mas também porque meu peito explodir se não defendesse aquele homem de bem com toda a força, com toda a energia que aquele processo merecia.
Pedi a absolvição sustentando a tese de inexigibilidade de conduta adversa. Falei do quanto bom pai de família era aquele trabalhador. Falei da dor que tomou conta da sua alma e o “cegou”. Argumentei que aquele homem jamais voltaria a delinquir (como nunca voltou). Argumentei que a própria esposa da vítima em plenário havia informado não saber se o ex-marido era um abusador. Falei que esses criminosos são silenciosos e mortais como cobras e que, certamente, tinham feito e fariam outras vítimas, ficando impunes.
Eu pedi licença ao juiz-presidente da sessão e levei aquele homem, que estava preso, recluso por muito tempo, bem próximo aos jurados e pedi que o absolvessem. “O” era um ser humano como qualquer um de nós, que estava brutalizado pelo cárcere e que pedia apenas uma chance aos seus semelhantes. “O” foi às lagrimas frente àquela situação. Naquele momento, ele era um homem oprimido pelo Estado e que só queria seguir em frente. Implorei aos julgadores que o mandassem para casa cuidar dos filhos e trabalhar.
O promotor não foi à replica o, que impediu a defesa de ir à tréplica. Meu coração parecia que iria sair da boca na sala secreta durante a votação dos quesitos.
Ao final, o Conselho de Sentença absolveu aquele trabalhador.
Recebi muitos elogios, até mesmo do membro do Ministério Público, por aquela defesa. Saí logo do plenário e deixei a família comemorando. Eu sabia que havia sido importante naquela defesa, mas, ao mesmo tempo, sabia que naquele julgamento os méritos não eram meus. Senti que Deus falou por mim durante o julgamento e a obra foi Dele e não deste rábula diplomado!