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Por amor, ele matou: uma história para o dia dos pais


Por Jean de Menezes Severo


Fala moçada! Escrevo neste exato momento da distante cidade de Cerro Largo, no estado do Rio Grande do Sul. Ela fica a cerca de 500 km da capital Porto Alegre. Desde já peço desculpas aos amigos leitores pelo fato de ter passado em branco na semana passada, pois eu tinha dois júris difíceis marcados por estes dias (terça e quinta-feira), fora as aulas e demais compromissos profissionais por todo lado. Isso tudo deixou este vivente em maus lençóis. Pois bem.

Na semana do advogado e do dia dos pais, gostaria de homenagear ambos, mandando, antes de tudo, um grande abraço e um beijo ao meu pai, o sr. Rubem de Almeida Severo. Só tenho a agradecer meu bom e querido velho por tudo. Coluna no ar!

Conheci “O” no Presídio Central atendendo a um pedido de um colega que atuava apenas na área cível. Ele me pediu que fizesse o júri daquele senhor de meia idade que se encontrava preso há mais de um ano. Crime: ter matado com cinco tiros no rosto o abusador de seu filho que contava com dez anos na época dos fatos. Gosto de contar este caso em sala de aula, pois ainda me emociona muito. Meus alunos são testemunhas oculares do que estou dizendo.

“O” é natural do Paraná. Pedreiro de mão cheia que, ainda jovem, veio residir no Rio Grande do Sul. Aqui se casou com uma gaúcha e constituiu família. Por ser um homem muito honesto e trabalhador, não lhe faltavam clientes. Sua vida estava indo muito bem, até acontecer aquele terrível fato que mudou tudo, transformando o bom homem em mais um cliente do Presídio Central de Porto Alegre.

“O“ chegou do trabalho tarde da noite, como fazia todos os dias. Contudo, aquele dia foi diferente. Voltou para casa e encontrou os três filhos e a esposa chorando. Logo perguntou o que havia acontecido à esposa e ela lhe respondeu aos prantos:

O fulano do andar de cima mexeu com o nosso pequeno!

“O” escutou tudo calado, sem derramar uma lágrima ou esboçar qualquer reação. Consolou os filhos, a esposa e disse que tomaria uma providência. Saiu cedo de casa sem falar com ninguém e, por volta do meio-dia, já havia retornado ao lar, calado e com um olhar de colocar medo em qualquer um.

Por volta das duas da tarde, sumiu. Já era de madrugada e todos estavam preocupados quando, por volta de três da manhã, cinco disparos de arma de fogo acordaram todos os moradores do condomínio onde ele morava. Sua esposa teve um mal pressentimento e relatou de forma imediata ao filho mais velho:

Teu pai matou aquele estuprador!

Dito e feito. “O” havia disparado cinco tiros, todos no rosto do vizinho abusador. Ficara de tocaia por quase dez horas, apenas aguardando a chegada daquele sujeito que havia molestado seu filho mais novo.

“O” entregou-se à polícia no mesmo instante e foi preso em flagrante delito por homicídio duplamente qualificado e poderia ser condenado a uma pena de doze a trinta anos. “O” matou “mal”, um júri aguardava-lhe e eu iria fazer sua defesa junto ao tribunal popular.

Para variar, eu assumi o caso na fase de plenário. Pela primeira vez na vida, fui ao encontro do promotor logo antes do júri para lhe contar em detalhes do acontecido. Ele me disse que pediria a condenação, inclusive com as qualificadoras, eis que esta “história” da violência sexual não estava bem contada. Inclusive, sequer ocorrência policial existia nos autos. Tudo era verdade. “O” não quis esperar pela justiça oficial do Estado e decidiu sozinho fazer a sua com as próprias mãos.

“O” confidenciou-me que faria tudo novamente, do mesmo modo ou até pior, já que que havia ficado sabendo que esses processos de violência sexual demoravam por demais da conta. Além disso, não existiam sinais da violência contra o menino. O abuso não consistiu em ato diverso à conjunção, mas sim outras nojeiras praticadas por um marginal contra uma pobre criança.

O júri foi realizado em uma cidade da grande Porto Alegre. Não havia testemunhas presenciais, filmagens ou qualquer outro tipo de prova; apenas o laudo cadavérico apontando os cinco disparos no rosto daquele pederasta que, por sinal, ficou com a face completamente desfigurada.

Na próxima coluna, conto o final desta história, explicando o que aconteceu no plenário do júri: as teses defensivas invocadas, os relatos das testemunhas, especialmente a de acusação, que acabou por ajudar e muito a defesa de “O’ naquele plenário.

Não adianta. Deus não dorme e o tribunal popular é a casa da justiça.

Até semana que vem.

JeanSevero

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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