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Por que a guerra às drogas é um fracasso?

Por que a guerra às drogas é um fracasso?

Quando nos debruçamos sobre a política nacional de drogas, especialmente sobre os resultados práticos dela no dia a dia de nossas cidades, é cada vez mais recorrente chegarmos à conclusão de que são necessários ajustes e correções no seu rumo. Criticar a forma com a qual lidamos no Brasil – e no mundo, em geral – com a questão das substâncias ilícitas virou lugar comum. Mas, afinal, por que a “guerra às drogas” é um fracasso?

Um bom ponto de partida é analisar o seu viés mercadológico. Em mais de 100 anos de proibição, não se conseguiu acabar ou sequer diminuir a oferta de drogas ilícitas. O exército patrulha as fronteiras, a Polícia Federal patrulha os portos e aeroportos, a Polícia Rodoviária patrulha as estradas, a Polícia Militar patrulha as cidades e a droga continua chegando no consumidor final exatamente da mesma forma e em quantidades cada vez maiores a cada ano que passa. 

Por mais que se observe, através da mídia, apreensões sendo realizadas aqui e acolá, esse combate visivelmente consiste em “enxugar gelo”, desperdiçando nossos valiosos (e parcos) recursos que poderiam estar sendo empregados com maior inteligência e eficiência.

Além disso, a proibição não conseguiu, tampouco, acabar com a demanda por drogas. Ainda que se busque, com acerto, prevenir e educar a população para evitar o contato e especialmente o abuso desses entorpecentes, a sociedade continua querendo fazer uso deles. A antropologia nos ensina que o consumo de substâncias que alterem nossa percepção normal da realidade é um costume datado de milênios de anos atrás. Sendo assim, se configura impossível erradicar definitivamente o uso de entorpecentes. Portanto, no que tange à questão mercadológica, a guerra às drogas é um fracasso retumbante. 

Além disso, é um fracasso porque ela, através da criação do mercado negro de drogas (consequência direta da proibição), torna-se um negócio extremamente atrativo que tem a capacidade de desviar, cooptar e corromper indivíduos, na sua grande maioria jovens de condição social inferior, que deixam de seguir um caminho de vida dentro da lei devido à oportunidade de lucro fácil. 

É uma política desastrosa, também, pois traz a violência e a criminalidade para o entorno dessas atividades, em razão delas estarem na ilegalidade e terem de lidar com o combate das agências repressoras (exército, polícia, guarda municipal etc). Por que não vemos indivíduos fortemente armados com fuzis defendendo a entrada da sede da AMBEV, maior produtora de bebida alcoólica do país? Ou da Souza Cruz, maior produtora nacional de cigarros? Porque são drogas que possuem sua produção, comércio e consumo legalizados. 

E quem paga essa conta gerada pela repressão violenta ao tráfico que não possui resultado positivo algum? Todos nós, a sociedade inteira, através dos altos impostos pagos que são empregados nesse combate armado sem resultado prático, pagos por cidadãos que, na maioria das vezes, não são usuários de nenhuma dessas drogas e que, por essa lógica surreal, pagam tributos para serem protegidos dos efeitos nefastos de uma proibição – e não da droga em si – que foi o próprio Estado quem criou.

Contudo, apesar de todos os argumentos supramencionados, ainda não tocamos no ponto mais nevrálgico resultante da guerra às drogas: o encarceramento em massa.

Possuímos a terceira maior população carcerária do planeta, ultrapassando os 700 mil detentos. Aproximadamente 25% desse contingente está enclausurado devido a delitos relacionados à drogas. Considerando que o porte de entorpecentes para consumo pessoal não mais resulta em pena privativa de liberdade (há mais de uma década), será que temos um número tão avassalador de traficantes no país? Evidentemente que não. 

A resposta para essa pergunta está no fato de que prendemos e condenamos uma quantidade absurda de meros usuários, detidos com pequenas quantidades de droga, que são dia após dia “confundidos” com traficantes pelo sistema penal.

Uma vez dentro do presídio, esses indivíduos, na sua imensa maioria primários e de nenhuma ou baixíssima periculosidade, entram em contato com detentos presos por crimes de gravidade muito maior, passando rapidamente a integrar facções criminosas às quais vão ficar vinculados quando forem soltos (na maioria das vezes, passar a integrar uma dessas organizações é condição de sobrevivência dentro do cárcere), levando-os a cometer delitos de potencial lesivo muito maior, perpetuando, assim, o círculo vicioso da violência.

Em suma, o atual sistema carcerário brasileiro é uma “máquina de moer gente”, especialista em transformar pessoas em indivíduos muito piores, e a atual guerra às drogas é o maior fornecedor de matéria-prima para essa engrenagem. Essa remessa diária tem que acabar.

Portanto, sob todos os ângulos possíveis de análise, o atual modelo de combate às drogas fracassou. Temos alternativas? Certamente sim. Existem outros modelos sendo aplicados mundo afora, como nos Estados Unidos, Uruguai, Portugal, Espanha, entre tantos outros, cada um com suas especificidades. Não existe “receita de bolo” para resolver o problema, até porque é ingênuo achar que ele pode ser solucionado e o consumo de drogas ter um fim. O que podemos e devemos buscar é uma modelo adequado às características do nosso país e da nossa realidade social, que possa mitigar os efeitos negativos que o abuso de entorpecentes nos traz.


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