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Por que é proibida a importação de veículo usado?


Por Thathyana Weinfurter Assad


Para iniciar a coluna de hoje, em que abordo o tema da restrição existente, em nosso país, de importar veículo usado (salvo algumas exceções), é necessário frisar que, quando se trata das normativas voltadas às operações de comércio exterior, há que se diferenciar duas espécies de “veículos”. Existe o veículo no sentido de mercadoria importada ou exportada, e o veículo no sentido de instrumento de transporte.

O assunto aqui tratado refere-se ao veículo enquanto mercadoria, e não ao veículo transportador de mercadorias. Feita tal distinção, perguntemos: como é normatizada, no Brasil, a importação de veículo usado?

A Portaria nº 8, de 13 de maio de 1991, emitida pelo antigo DECEX – Departamento do Comércio Exterior –, dispõe que somente será permitida a importação de veículo novo. De regra, portanto, é vedada a importação de veículos usados. Existem algumas exceções à regra (é permitida, por exemplo, a importação de veículos antigos, com mais de trinta anos de fabricação, para fins culturais e de coleção, nos termos do artigo 25, alínea “h”, da Portaria nº 235, de 07 de dezembro de 2006, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).

Importante registrar que, quando o DECEX elaborou a Portaria nº 8/1991, era referido Departamento integrante do Ministério da Fazenda. Atualmente, a nomenclatura DECEX refere-se ao Departamento de Operações de Comércio Exterior, integrante da SECEX – Secretaria do Comércio Exterior, que figura na estrutura do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O organograma é importante, considerando a competência constitucional estabelecida ao Ministério da Fazenda, conforme veremos.

A Portaria nº 8/1991, no que concerne à proibição ora examinada, foi discutida no âmbito do Poder Judiciário, sob o argumento de que feriria o princípio da isonomia em relação aos veículos novos. Ao julgar o tema, o Supremo Tribunal Federal, no bojo do Recurso Extraordinário nº 203954-3/Ceará, elaborou a ementa a seguir:

IMPORTAÇAO DE AUTOMOVEIS USADOS. PROIBIÇAO DITADA PELA PORTARIA Nº 08, DE 13.05.91 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. ALEGADA AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, EM PRETENSO PREJUIZO DAS PESSOAS DE MENOR CAPACIDADE ECONÔMICA. ENTENDIMENTO INACEITAVEL, PORQUE NÃO DEMONSTRADO QUE A ABERTURA DO COMERCIO DE IMPORTAÇAO AOS AUTOMOVEIS TENHA O FITO DE PROPICIAR O ACESSO DA POPULAÇAO, COMO UM TODO, AO PRODUTO DE ORIGEM ESTRANGEIRA, ÚNICA HIPÓTESE EM QUE A VEDAÇAO DA IMPORTAÇAO AOS AUTOMOVEIS USADOS PODERIA SOAR COMO DISCRIMINATORIA, NÃO FOSSE CERTO QUE, AINDA ASSIM, CONSIDERAVEL PARCELA DOS INDIVIDUOS CONTINUARIA SEM ACESSO AOS REFERIDOS BENS. DISCRIMINAÇAO QUE, AO REVES, GUARDA PERFEITA CORRELAÇAO LOGICA COM A DISPARIDADE DE TRATAMENTO JURÍDICO ESTABELECIDA PELA NORMA IMPUGNADA, A QUAL, ADEMAIS, SE REVELA CONSENTANEA COM OS INTERESSES FAZENDARIOS NACIONAIS QUE O ART. 237 DA CF TEVE EM MIRA PROTEGER, AO INVESTIR AS AUTORIDADES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA NO PODER DE FISCALIZAR E CONTROLAR O COMERCIO EXTERIOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(RE 203954, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/1996, DJ 07-02-1997 PP-01365 EMENT VOL-01856-11 PP-02250)

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, a partir de tal julgado, que o Ministério da Fazenda tem competência atribuída pelo artigo 237, da Constituição da República de 1988, para elaborar Portaria que restringe a importação de veículos usados. Isso porque tal dispositivo constitucional preconiza que “A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que o Departamento elaborou a normativa por medida de política econômica. Interessante salientar que nota emitida pelo Departamento, à época, foi transcrita no voto acima mencionado, a partir da qual é possível fazer a análise crítica (positiva ou negativa) acerca dos motivos da proibição da importação de veículos usados. Vejamos trechos das motivações constantes da nota expedida pelo DECEX, transcritas no voto, para que seja possível compreender as razões da restrição ora abordada:

“a) a diferenciação de valores do bem usado existente no mercado mundial – o veículo usado, no mercado internacional sofre uma forte depreciação, face às constantes inovações tecnológicas, refletindo de forma significativa no preço do produto. O mesmo ocorre no mercado nacional, onde se observa que a simples condição de ser de origem estrangeira atribui ao veículo uma presunção de qualidade, valorizando de tal forma irreal o bem, ensejando assim o enriquecimento sem causa do importador com a sua revenda, às custas das nossas divisas;

b) a ausência de tradição na importação de veículos usados gera carência de parâmetros para determinação de preços correntes no mercado estrangeiro, o que exige tempo para adaptação da indústria nacional à competição externa, sob pena de sucateamento do parque fabril brasileiro;

c) o exame de preços no comércio exterior tem por finalidade resguardar os interesses nacionais, visando a evitar o subfaturamento ou superfaturamento, doloso ou não, que enseja lesão ao fisco na importação, com a discriminação de preços abaixo dos realmente praticados e o prejuízo cambial, tanto na exportação – com a venda de produtos brasileiros a preços vis como na importação com a remessa de divisas superiores ao preço dos bens. O escopo deste exame, portanto, não é o de criar qualquer entrave ou embaraço ao importador: ao contrário, restringe-se a salvaguarda do País das perdas internacionais que poderiam advir da não observância de tais controles. A inexistência ou a impossibilidade de se determinar parâmetros para o exame de preços nas importações da espécie, com certeza prejudicará o trabalho de prevenção contra a evasão de divisas que vem realizando o atual governo;

d) a liberação de importação poderá constituir-se em perigoso precedente a uma enxurrada de novos pedidos (…). Distorções como estas refletir-se-ão no mercado interno do País que, possivelmente, ficará repleto de bens de consumo usados, de todas as espécies, (…) como consequência, as empresas brasileiras pertencentes a variados segmentos, terão de enfrentar uma concorrência para a qual a maioria delas não se encontra preparada, em função dos baixos preços que os bens de consumo usados alcançam em países mais desenvolvidos. (…)”

O Ministério da Fazenda, ao elaborar tal Portaria, portanto, na visão do Supremo Tribunal Federal, apenas estaria levando em consideração os efeitos negativos para a economia nacional, exercendo, pois, o poder de polícia estabelecido no artigo 237, da Constituição da República de 1988.

Assim, a partir da análise das razões da existência de normativa que restringe a importação de veículo usado, colocamos as seguintes questões, a título provocativo, a serem debatidas em colunas posteriores: o que é veículo usado? Se, por exemplo, importa-se um veículo com poucos quilômetros rodados, em decorrência de idas e vindas de concessionárias, estaria fora ou dentro do conceito de “novo”? Ainda, qual a penalidade para quem importa veículo usado? A esfera administrativa é adequada e suficiente ou o direito penal deve ser chamado a atuar? Por fim, caso o direito penal aduaneiro seja aplicável, qual o delito eventualmente praticado por aquele que importa veículo usado?

Cenas dos próximos capítulos.

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Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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