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Pornografia de vingança e seus atos correlatos

Pornografia de vingança e seus atos correlatos

A pornografia de vingança, originária do termo em inglês revenge porn, consiste na exposição da intimidade sexual suscitada pelo término de um relacionamento afetivo em que o/a ex-companheiro (a), motivado por vingança, divulga indevidamente material imagético/audiovisual em sites de pornografia, aplicativos de mensagens e redes sociais.

Tanto as fotos quanto os vídeos são obtidos com o consentimento da vítima, “geralmente no contexto de um relacionamento privado ou até mesmo secreto – como gravações disponibilizadas consensualmente a um parceiro que, mais tarde, distribui-as sem o consenso do outro envolvido (BUZZI, 2015, p.30).

As vítimas, em sua grande maioria, são mulheres que compartilharam imagens de cunho íntimo aos seus parceiros sexuais, cuja pretensão nunca foi alcançar qualquer público além do almejado.

Dentro do contexto brasileiro, nos últimos tempos o tema vem ganhando atenção dos legisladores. Ano passado, fora publicada a Lei 13.718/2018 em de 24 de setembro de 2018, que tipificou a divulgação de cenas de estupro e as cenas relativas ao estupro de vulnerável e ainda abarcou os atos de divulgação de cenas de sexo ou pornografia nos casos em que não há o consentimento da vítima:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Os casos de divulgação não consentida motivados por vingança foram estabelecidos como causa de aumento, conforme §1º do artigo 218 – C do Código Penal, variando a exasperação de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços). Além disso, o fato do agente manter relação íntima de afeto também foi contemplada causa de aumento. Esta, incidirá tanto se o agente for companheiro da vítima ou se a divulgação é motivada por vingança, bastando uma dessas hipóteses para configurar o aumento na pena definitiva.

Posteriormente, em 19 de dezembro de 2018, fora publicada a Lei n. 13.772, a fim de abarcar as condutas relativas ao registro, distanciando-se, portanto, dos casos de pornografia de vingança cujo consentimento reside na disponibilização do conteúdo, contemplou o crime de registro não autorizado da intimidade sexual bem como inseriu um novo capítulo ao Código Penal:

Registro não autorizado da intimidade sexual

Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.

Observa-se que a pena do delito é menor do que a do crime de divulgação, demonstrando que os casos de divulgação são mais severos para o legislador do que os de registro, haja vista os riscos de propagação no meio cibernético. Ressalta-se que o artigo 1º da referida  Lei reconheceu “que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com a cena de nudez ou ato sexual libidinoso de caráter íntimo” alterando a redação do II, do caput do artigo 7º da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, cujo dispositivo conceitua a violência psicológica da seguinte maneira:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

A redação anterior do artigo 7º, inciso II, não compreendia o termo “violação de sua intimidade” enquanto violência psicológica. Porém, a redação atual não especifica o que seria esta intimidade, restando uma lacuna interpretativa.

Contudo, como a alteração fora realizada juntamente com a tipificação de registro não autorizado do ato sexual ou libidinoso, a violação da intimidade pode ser compreendida dentro da ótica da intimidade sexual. Mister frisar que somente será crime somente quando os envolvidos não autorizarem o registro, caso contrário, a conduta será atípica, salvo se o conteúdo for divulgado sem a devida anuência.

Com base no apresentado, a pornografia de vingança e a exposição pornográfica não consentida na internet, assim como as condutas correlatas ganharam destaque no ordenamento jurídico brasileiro, por conta da popularização da internet e os conflitos que dali derivam, bem como pelos danos psicológicos que emergem na vida das mulheres e os resultados negativos destes danos: mudar de cidade, demissão, depressão e, nos piores cenários, suicídio.

As leis mencionadas nesse artigo foram criadas no bojo midiático, fomentadas por demandas dos movimentos sociais e do descrédito com o Estado Democrático de Direito que não cumpriu com as promessas que fizera na modernidade: segurança, liberdade e igualdade.

A pornografia de vingança não foi de fato criminalizada e sim tornada em causa de aumento incidindo no cálculo na pena definitiva. Embora não seja um crime autônomo, há incidência do poder punitivo que, além de afugentar qualquer espécie de debate sério para com as desigualdades de gênero, dispensa qualquer incidência de medidas restaurativas para mitigar o conflito criminal

No caso da pornografia de vingança, o cerne da questão reside no controle da sexualidade mulher bem como da autonomia sobre os seus corpos, pois, ao terminarem os seus relacionamentos, as mulheres rescindem o contrato sexual firmado com seus parceiros, contrato este regulado pela subordinação e pelos papeis de gênero binários. A sociedade, por fim, ratifica o contrato sexual, punindo as mulheres, humilhando-as, pelo fato de seu corpo e dos seus anseios não lhe pertencerem.


REFERÊNCIAS

BUZZI, Vitória de Macedo. Pornografia de vingança: contexto histórico-social e abordagem no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.


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