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Precisamos conversar sobre a duração razoável da prisão preventiva


Por Magnum Roberto Cardoso


O nosso Código de Processo Penal não fez previsão de um prazo máximo de duração para a prisão preventiva, o que tem sido ao longo de anos motivo de intensas críticas levantadas pela doutrina.

É inconteste que como medida cautelar prisional sem determinação temporal a prisão provisória ganha contornos de verdadeira antecipação de cumprimento de pena eventualmente a ser imposta, e por isso, deve ter suas balizas definidas para melhor assegurar o respeito a liberdade do investigado/acusado ou condenado sem trânsito em julgado.

A ausência de parâmetros temporais para definir o excesso (ou não) da prisão preventiva prejudica (e muito) a finalidade precípua de contenção do poder punitivo que se dedica o Processo Penal. Além do mais, a inexistência de um prazo máximo da prisão preventiva vai de encontro a própria característica de toda e qualquer medida cautelar, qual seja, a provisoriedade.

A incoerência axiológica entre a provisoriedade e a ausência de prazo previsto em lei para a duração da prisão preventiva passou a demandar dos operadores uma tentativa de se construir um prazo para acabar com a indeterminação temporal da referida medida.

Na tentativa (infrutífera, diga-se de passagem) de suprir essa lacuna, grande parte da doutrina chegou ao número de 81 dias, somando os prazos para todos os atos que compõem o antigo procedimento comum ordinário, divergindo apenas na forma dessa contagem, se global ou isolada.

Atualmente, também utilizando o procedimento comum ordinário com as alterações produzidas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08, chegamos ao prazo mínimo de 95 dias, porém a depender das peculiaridades do caso concreto, esse prazo pode chegar a 190 dias (Lima, 2015, p. 959).

Mesmo assim, excessos continuaram a ser praticados pelo nosso sistema criminal, não são raros os casos em que os magistrados mantém pessoas presas preventivamente muito além de 190 dias.

O argumento para amparar uma custódia cautelar para além desse prazo construído pela doutrina na maioria das vezes é cercado de ilações baseados em meras conjecturas, desprovido de qualquer fundamentação concreta e amparado numa cultura punitivista que acredita que o cárcere é a solução mágica para todos os problemas da criminalidade.

Além disso, nota-se uma verdadeira adesão ao Direito Penal do autor, quando não rara as vezes, o magistrado se vale mais das condições existenciais do indivíduo do que de fatos ligados a suposta conduta praticada.

Assim, percebendo o quão frequente vem se tornando notícias a respeito de pessoas que ficaram presas mais de 10 meses, 1 ano ou até mesmo quase 11 anos (veja aqui), cada vez mais se torna necessário discutirmos sobre a urgência da fixação de um prazo máximo de duração da prisão preventiva.

É bem verdade que já houve em nossa história tentativas por parte do legislador de se fixar um prazo máximo de duração da prisão preventiva em 180 dias, porém, a disposição foi vetada no PL 4208/2001, quando da edição da lei 12.403/11.

Nota-se assim que não há previsão expressa da duração máxima da prisão preventiva, e pior, não há nenhuma previsão de reexame das condições fáticas que ensejaram a segregação cautelar, como ocorre em Portugal (onde a cada 3 meses o juiz tem obrigação de decidir a respeito da manutenção da custódia cautelar) e na Alemanha (onde a prisão preventiva, além de ter duração máxima de 6 meses, possui o reexame obrigatório de 3 em 3 meses caso haja necessidade de se prolongar a custódia cautelar para além dos 6 meses).

De acordo com Andrey Borges de Mendonça, citando o Informe nº 86/09:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos desenvolveu interessante raciocínio em relação ao prazo da prisão. Conforme visto, na linha da não equivalência entre a prisão preventiva e a pena final aplicada, no informe Peirano Basso, a Comissão asseverou que, nos países em que não há prazo fixado em lei, um critério guia para determinar o prazo razoável quando não fixado legalmente deve ser 2/3 do mínimo da pena correspondente ao delito imputado. Segundo o referido informe, trata-se de um critério reitor, indiciário.” (Mendonça, 2016)

Não nos parece adequado o critério utilizado pela CIDH. A uma, porque amplia (e muito) a duração de uma medida concebida para ser provisória. A duas, porque caso o indivíduo permaneça privado de sua liberdade pelo período de 2/3 da pena mínima, caso seja condenado a pena mínima, essa fração de 2/3 da pena em muito suplantará a fração de 1/6 exigido para a progressão de regime, violando completamente a homogeneidade das medidas cautelares.

Em virtude disso, acreditamos que esse prazo indicado pela CIDH não se amolda a realidade brasileira.

Há também um critério bastante interessante proposto por André Nicolitt, onde o referido autor recorrendo a uma interpretação sistemática, propõe que como o art. 22 da Lei 12850/13 fez expressa previsão de aplicação das regras do procedimento comum ordinário do CPP, e seu parágrafo único, previu um prazo máximo de duração da instrução em 120 dias, prorrogáveis por igual período por decisão fundamentada na complexidade ou em fato procrastinatório tributável ao réu, teríamos assim um prazo máximo de duração da prisão preventiva.

Para o referido autor:

“este prazo máximo deve ser o referencial a ser seguido em todos os processos, sejam eles relacionados ou não à organização criminosa. Isto porque este prazo foi fixado levando-se em conta o procedimento ordinário em causas complexas, como as decorrentes de organização criminosa.  (Nicolitt, 2014, p. 125)

Assim, conclui o mestre que

“Diante deste novo quadro, podemos sustentar que doravante o ordenamento jurídico possui um marco legal máximo de duração da prisão cautelar no primeiro grau em processo de conhecimento, seja ele ordinário, seja sumário ou seja especial, nenhuma prisão poderá ultrapassar os 120 dias, ou 240 dias, em casos excepcionalmente fundamentados nos termos do parágrafo único do art. 22 da Lei 12.850/2013.” (Nicolitt, 2014, p. 125)

Concordamos, em parte, com o autor, mas sugerimos apenas, e cientes de que aqui estamos inovando no tema, que essa análise deva ser conjugada com a pena mínima prevista abstratamente ao delito. Caso os 240 dias previsto como prazo máximo seja superior ao 1/6 necessário para a progressão de regime com base na pena mínima, devemos aplicar o quantum referente a fração de 1/6 sob pena de subverter a coerência do sistema, já que se esse quantum fosse deliberadamente ignorado teríamos casos de pessoas que ficariam presas além do tempo necessário, caso fossem condenados a pena mínima.

No caso de presos provisórios em relação a crimes hediondos, seja reincidente ou primário, o prazo a ser aplicado para duração deverá ser o de 240 dias. A uma, porque esse prazo é menor do que a fração necessária para a progressão. A duas, porque toda prisão após esse prazo perde seu caráter cautelar assumindo caráter de execução antecipada de pena, o que é vedado.

Concluímos assim que diante da necessidade da fixação de um prazo máximo de duração da prisão preventiva e fazendo uma interpretação sistemática é possível sustentarmos um novo marco temporal definidor da duração máxima de toda e qualquer prisão provisória.


REFERÊNCIAS

Lima, R. B. (2015). Manual de Processo Penal (3ª ed.). Salvador: Juspodivm.

Mendonça, A. B. (2016). Prisão Preventiva na lei 12.403/2011 – Análise de acordo com os modelos estrangeiros e com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm.

Nicolitt, A. (2014). A Duração Razoável do Processo (2ª ed.). São Paulo: Revista dos Tribunais.


Magnum Roberto Cardoso Advogado criminalista. Aprovado no cadastro de reserva para o concurso de Delegado de Polícia Civil do Estado do Ceará.

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