Precisamos falar sobre a execução penal
Precisamos falar sobre a execução penal
Todo início de relação importa em uma apresentação, com alguma formalidade, mesmo que a relação futura seja marcada pela total informalidade, postura mais adequada ao convívio com amigos e colaboradores.
Pois bem, me tornei policial civil no estado do RS no longínquo ano de 1994. Durante minha carreira que se encerrou com a aposentadoria em outubro de 2018, exerci minhas funções em delegacias distritais e em delegacias especializadas, sempre nas equipes de investigações. Durante este tempo fui um dos “colaboradores” para transformar nosso sistema executório penal no caos atual, ou, como preferem os ministros do Supremo Tribunal Federal: em um “Estado de Coisas Inconstitucional”.
Em decorrência do exercício da profissão “enfrentei”, com admiração e extremo respeito, grandes advogados, que mesmo antagonizando as pretensões punitivas do aparato estatal (o qual eu representava como agente policial) tinham a preocupação de interagir com cordialidade e grande sabedoria.
Destes cito expoentes como: Lia Pires, Mathias Nagelstein, Bráulio Marques, Jader Marques (que também me defendeu em certa oportunidade) entre tantos outros. Ainda em função das consequências do exercício profissional, mantenho estreito relacionamento com um grande mestre e inspirador, amigo e defensor, Werley Rodrigues Alves Filho.
Quando as circunstâncias me levaram a estudar me deparei com queridos mestres que se tornaram amigos e inspiradores: Leandro Ayres França (também parceiro de empreitadas, indignações e divagações), Marçal Carvalho, Clara Masiero e Rodrigo Mariano da Rocha. O anseio por conhecimento e por poder entender e ajudar de alguma forma me levou ao Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas – GECC.
O envolvimento com a execução penal
Meu envolvimento com os estudos de execução penal começou quando fui convidado a participar de um projeto de atendimento às pessoas privadas de liberdade recolhidas à Penitenciária Estadual do Jacuí – PEJ. Justamente a execução penal que é esquecida pelos cursos de direito, quase como um primo pobre e distante do Direito Penal, a quem poucos prestam atenção e dedicam esforços.
Participando do projeto e estudando a fundo as vicissitudes da execução penal, me aproximei de uma realidade muito dura que atinge aos que a sociedade trata e rotula como “os indesejáveis”. Uma horda de marginalizados pela estrutura social corrompida e corruptora. Uma população de esquecidos que soma aos que estão privados de sua liberdade os seus familiares que também cumprem a pena, o que contraria ditame constitucional que reproduz convenções internacionais:
Art. 5º, inciso XLV da CRFB/88: nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparação do dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Art. 5, item 3 da CADH: A pena não pode passar da pessoa do delinquente.
Em nosso sistema falido, em que o Estado não consegue (o que é de conhecimento público) manter o controle das casas prisionais e nem prover adequadamente a subsistência dos recolhidos, cabe às famílias sustentar seus filhos que se encontram presos. E quando não tem condições de prover este sustento? O que fazer?
Neste momento o sistema se retroalimenta forçando pessoas a praticarem delitos como forma de pagamento do acolhimento dado aos seus familiares presos, pelas facções que dominam as cadeias. Sim, eu sei isso não é nenhuma novidade, mas sempre é bom relembrarmos esta ignóbil verdade. Lançar luzes sobre a realidade de um sistema persecutório penal completamente falido e obsoleto.
A intenção é trazer novidades sobre o assunto, discutir temas relevantes e observar atentamente a movimentação legislativa nesta nova legislatura que se inicia e que promete recrudescer (ainda de forma equivocada, ultrapassada e ineficaz) o combate ao crime e a aplicação de penas (que pretendem transformar em verdadeiros martírios) de acordo com as primeiras notícias que estão sendo veiculadas.
Não há mais como a sociedade, a comunidade jurídica, os governantes, os legisladores não se preocuparem com a situação em que se encontram cerca de 603.000 pessoas segundo dados apurados pelo Banco Nacional de Monitoramento de Prisões – BNMP 2.0 do Conselho Nacional de Justiça CNJ. Estes números já não condizem com a realidade, pois refletem levantamento feito até o mês de agosto de 2018 e os dados fornecidos estão incompletos.
Há estados que recém haviam terminado seus levantamentos e não houve tempo hábil de inserção dos dados no sistema (caso de SP) ou até mesmo estados em que o Tribunal de Justiça ainda não havia implantado o sistema (caso do RS). Sem contarmos o número de familiares envolvidos pela situação e de profissionais responsáveis pela custódia destas pessoas e que sofrem reflexos tão brutais quanto os custodiados. Falo tranquilamente de uma cifra que se aproxima tranquilamente dos 10.000.000 de brasileiros.
Pretendo, humildemente, estimular a discussão sobre execução penal. Incentivar a que trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses sejam escritos sobre este tão importante e tão pouco debatido tema. Entendo que este é um momento em que as academias, os círculos de debate de criminologia, de direito penal, de processo penal abram espaço para um debate competente e articulado sobre o que fazer após uma sentença penal condenatória. É até aí que vai o ensino de Processo Penal nas universidades.
É sobre isso que falarei e que falaremos. Este será nosso local de fala. Local de fala de uma massa de esquecidos. Local de defesa dos direitos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei de Execução Penal e nas demais leis penais extravagantes.
Assim me apresento e me coloco à disposição.
Disposição para trabalhar, estudar, discutir, lutar, gritar.
Assim me apresento e peço a colaboração de vocês para juntos trabalharmos, estudarmos, discutirmos, lutarmos e nos fazer ouvir.