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O problema de prender antes de acabar o processo

O problema de prender antes de acabar o processo

Na coluna de hoje não há como falar de outro assunto que não o da celeuma envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, na data de ontem (05/04/2018), teve a prisão decretada pelo magistrado de primeiro grau, com a ressalva de que o recolhimento pode se dar voluntariamente até o final da tarde do dia de hoje.

O cenário jurídico e político brasileiro fervem e caminham para lugares nunca imaginados na história desse país. Sem adentrar no mérito do caso, pretendo falar um pouco sobre o direito à liberdade e a possibilidade de cumprimento antecipado da pena.

A liberdade é um direito fundamental consagrado na Constituição da República de 1988, que em seu art. 5º, inciso LIV, dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O texto constitucional também assegura no inciso LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

De modo que, via de regra, um indivíduo somente poderá ser preso após o devido processo legal e, quando ao final do processo criminal, ele for considerado culpado e não haja mais possibilidade de recurso.  

Por óbvio que há exceções. É o caso das prisões provisórias. Todavia, chama-se a atenção para o fato de que, justamente por se tratar de uma medida excepcional, as prisões provisórias/cautelares devem ser decretadas somente quando necessário.

Com o advento da Lei 12.403, o regramento das prisões provisórias sofreu drásticas alterações. Um dos pontos mais importantes é o tratamento destinado às medidas cautelares alternativas da prisão. O magistrado, quando da decretação da prisão preventiva, deverá justificar que alguma das medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 310, II, parte final do Código Penal, mostraria-se insuficiente.

Em suma, considerando que a regra geral é que um indivíduo responda um processo criminal em liberdade, assim em consonância com os princípios do devido processo legal e da presunção de inocência, a segregação é claramente uma exceção. Mais do que isso, deve ser usada como última medida pelo Estado. Daí a importância das medidas cautelares.

Ocorre que a leitura constitucional do processo penal não é adotada por boa parte dos operadores do Direito, sobretudo os que atuam no âmbito penal, pois insistem na segregação como sendo a regra.

Felizmente, o ordenamento jurídico dispõe de instrumentos jurídicos capazes de reparar esses erros. É o caso do habeas corpusA previsão do habeas corpus consta, inicialmente, no art. 5º, inciso LXVIII da Constituição da República de 1988. In verbis:

LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

O procedimento relativo ao habeas corpus consta no art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal. Referido artigo dispõe que:

Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Por fim, o art. 648 elenca as hipóteses em que a coação será considerada ilegal.

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I - quando não houver justa causa; 
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; 
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; 
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; 
VI - quando o processo for manifestamente nulo; 
VII - quando extinta a punibilidade.

É fato que o Supremo Tribunal Federal recentemente passou a entender que é constitucional a execução provisória da pena. Isso mesmo, o próprio “guardião” da constituição contraria o texto constitucional. Contudo, passado algum tempo, os próprios Ministros que foram adeptos do novo entendimento hoje retomaram a posição de salvaguardar a constituição, qual seja, o de que a execução provisória da pena fere o princípio constitucional da presunção de inocência.

É o caso do Ministro Gilmar Mendes, que ao analisar liminarmente o Habeas Corpus nº 146.818, entendeu não mais ser possível a execução antecipada da pena. Estávamos virando a página da história e deixando para o passado o famigerado entendimento de que é possível prender mesmo com o processo em andamento.

O problema é que a jurisprudência é um mar de incertezas em meio a uma tempestade, que muda conforme os ventos dos interesses obscuros.

Na minha singela opinião, o problema de se autorizar o cumprimento de uma pena antes de o processo chegar ao fim, é que o réu pode ser inocente de todas as acusações e somente comprovar isso em última instância. Posso indicar aqui uma dezena de casos assim.

No caso do Lula, e com base no recente entendimento empregado pelo Supremo, que ignora por completo o direito constitucional da presunção de inocência, podemos dizer que não há problemas em um inocente ficar preso injustamente. Tudo isso para um bem maior que é o combate à corrupção.

Pensando naqueles réus que se utilizam de instrumentos jurídicos para postergar e até evitar uma pena, a lógica do cumprimento antecipado da pena até parece uma ideia boa. Mas se pensarmos ao menos em um caso de uma condenação injusta em segundo grau, que representará a prisão do réu, o cumprimento antecipado da pena se mostrará um golpe de morte no que a Constituição define como um dos mais importantes direitos: A LIBERDADE.

Pedro Wellington da Silva

Pós-graduando em Ciências Penais. Advogado.

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