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Preparação do cliente para o interrogatório: entrevista com André Coura

Preparação do cliente para o interrogatório: entrevista com André Coura

Em mais uma entrevista do Canal Ciências Criminais, recebemos hoje o advogado e professor André Coura. Na entrevista, André fala a respeito de sua participação no LOCUS, o curso de preparação permanente para a Advocacia Criminal promovido pelo Canal Ciências Criminais e pelo International Center for Criminal Studies (ICCS). O tema? A preparação do cliente para o interrogatório.

1. André, os leitores do Canal Ciências Criminais recorrentemente solicitam artigos com dicas para preparar o cliente para o interrogatório. Em sua participação no curso LOCUS, você forneceu recomendações sobre este importante ato. Em sua opinião, qual são os maiores desafios que o advogado enfrenta durante o interrogatório do cliente?

O interrogatório do acusado é ato de extrema importância no desenrolar da estratégia defensiva, a começar pela definição sobre a pertinência ou não que se exerça a garantia constitucional do silêncio.

Muitos advogados subestimam a importância de bem estruturar estrategicamente o interrogatório do cliente, deixando de atentar-se para questões como a criação de um roteiro de perguntas, a explicação pormenorizada do ato ao cliente e, especialmente, a prévia preparação do cliente para o enfrentamento desta oportunidade processual.

É fundamental que o acusado esteja emocionalmente preparado para o ambiente do processo penal e, especialmente, para o seu interrogatório. Este momento é de grande sensibilidade e tensão, em que qualquer erro na comunicação das informações pelo interrogando pode colocar em risco a estratégia defensiva construída pelo advogado.

O cliente se comunica não apenas pela fala durante o seu interrogatório, mas também, como é próprio da comunicação humana, através da sua linguagem corporal, da expressão facial, da apresentação estética… Todos estes detalhes compõem o discurso (explícito e implícito) apresentado pelo acusado durante o ato processual.

Assim, o maior desafio do advogado durante o interrogatório do cliente é, muitas vezes, o próprio cliente. Por isso é imprescindível que o profissional tenha o cuidado de entrevistar-se previamente com acusado, orientá-lo sobre os aspectos processuais pertinentes e, sobretudo, prepara-lo emocionalmente para a ocasião

2. Em sua visão, como deve ser feita a preparação do cliente para o interrogatório?

O advogado deve entrevistar-se com o seu cliente previamente, pelo menos em duas oportunidades. Em um primeiro momento, é necessário auxiliar o cliente a compreender a dimensão da importância da sua participação no ato processual; como se desenvolverá o ato; quais as personagens participarão e qual a sequência esperada de realização dos atos. É importante que o cliente saiba exatamente o que acontecerá nesta oportunidade.

Além dos aspectos técnicos, é importante que o advogado tenha sensibilidade para compreender a dimensão que o caso penal imprime na vida do cliente, trabalhando para atenuar os impactos emocionais causados por este contexto e, assim, maximizar os níveis de assertividade e inteligência emocional do cliente durante o ato.

Muito interessante é a estratégia de simular com o cliente, previamente, o ato de interrogatório, antecipando os possíveis pontos de fragilidade e trabalhando-os junto ao cliente, de modo a minimizar as possibilidades de situações desconfortáveis, constrangedoras ou mesmo que coloquem em risco a estratégia técnica defensiva.

Nesta oportunidade, o advogado deve fazer uma leitura tanto do discurso oral (as informações prestadas, propriamente ditas) quanto do discurso comportamental do cliente, corrigindo eventuais vícios de postura (linguagem corporal) e exasperações no comportamento (irritação, sarcasmo, etc.), o que pode causar efeitos indesejáveis na impressão formada pelo julgador (ainda que inconscientemente).

3. É importante atentar para a roupa que o cliente usará no dia do interrogatório?

Sem dúvida! Não sendo o caso de interrogatório de cliente conduzido diretamente de unidades prisionais para a audiência, quando, costumeiramente, estará trajando o uniforme do respectivo Sistema Prisional, é muito importante que o advogado recomende ao seu cliente a escolha de uma apresentação visual que milite em favor da estratégia defensiva.

Aqui, não apenas a vestimenta do cliente, mas também adereços e cuidados pessoais (barba, cabelos, maquiagem, tatuagens à mostra, etc.) participam da composição de uma imagem que será comunicada a todos os demais participantes do ato processual, que, por sua vez e, na condição de pessoas, formam pré-julgamentos (conscientes ou inconscientes) decorrentes do que apreendem pelos sentidos.

Há um dito popular segundo o qual “a primeira impressão é a que fica”. Pode até não ser de todo verdadeira a afirmação, mas não há dúvidas que uma primeira impressão estrategicamente conduzida pode influenciar no modo como o julgador apreende o caso penal ou, quando nada, deixar de causar uma impressão que sobrecarregue ainda mais o estereótipo negativo já construído sobre a figura do acusado.

Na dúvida, vale apostar na discrição e no comedimento. Roupas mais sóbrias e cores mais frias podem melhor ambientar o cliente naquele contexto que, por natureza, nada tem de alegre, descontraído e colorido.

Adereços muito espalhafatosos ou muito caros podem transmitir uma ideia de soberba, e talvez seja melhor evitá-los.

Tatuagens, embora sejam elementos personalíssimos da identidade do sujeito, podem ainda invocar um estereótipo negativo. Talvez seja melhor que estejam encobertas, se possível.

Por mais que possamos não concordar, a verdade é que estereótipos existem e operam significativa força no inconsciente das pessoas, para o bem ou para o mal. Então, porque não evita-los?

4. Que outros fatores importantes devem ser considerados pelo advogado durante a preparação do cliente?

É fundamental que o advogado esteja atento para uma correta leitura do equilíbrio emocional do cliente e quais os riscos este estado psíquico pode implicar à estratégia defensiva.

Para além disso, é sempre bom orientar o cliente em relação à sua postura na resposta às perguntas formuladas, para que transmita confiabilidade e segurança no seu discurso.

Casos há em que o cliente, convicto de que a “sua verdade” será suficiente a lançar luz sobre a resolução da questão, acaba se delongando nas respostas e contextualizações. Esta “síndrome do contador de histórias” pode ser bastante arriscada para a estratégia defensiva. É imprescindível que o advogado identifique esta questão com antecedência e trabalhe para mitigar os seus efeitos, através de uma sólida preparação do cliente.

Salvo se estrategicamente justificadas, manifestações de ordem política, religiosa e de profissão de fé devem ser evitadas durante o ato. Para além de, em regra, não contribuírem com a estratégia de defesa, incorre-se no risco de criar um desconforto desnecessário em relação a outros credos e convicções, inclusive as do juiz.

5. Quais recomendações você poderia dar aos jovens advogados que em breve terão de se deparar com o interrogatório do cliente?

Antes de tudo: converse com o cliente!

Não apenas uma conversa direta e objetiva sobre os fatos ou sobre a imputação. Em ambientes de tensão as pessoas podem omitir informações relevantes (ainda que inconscientemente). E este é o pior pesadelo do advogado durante o interrogatório: tomar conhecimento sobre um fato relevante durante o ato, e foi omitido pelo cliente.

É importante travar uma conversa em um ambiente de empatia e confiança, em que o cliente possa efetivamente se abrir com o advogado.

Por isso e, no “bom sentido”, nunca confie no cliente!

Quero com isso dizer que é dever do advogado sempre contextualizar e avaliar criticamente as informações que recebe do seu cliente, e como elas se inserem na narrativa do caso penal.

Por fim, esteja sempre atento! Afinal, invocando novamente a sabedoria popular: “o diabo mora nos detalhes”.


Quer saber mais sobre a preparação do cliente para o interrogatório?

Acesse LOCUS, o curso permanente de preparação para a Advocacia Criminal, e assista a uma série de vídeos sobre preparação do cliente para o interrogatório, com o advogado e professor André Coura.

Para acessar o conteúdo agora mesmo, clique na imagem a seguir:

andre locus

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