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A prescrição virtual e a possibilidade de rejeição tardia da denúncia

Por Kelvin Wallace Castro dos Santos e Alan Kardec Cabral Jr.

A prescrição é a perda do direito de punir do Estado, em razão do não exercício em determinado lapso de tempo, elencado pelo art. 109 do Código Penal, ou seja, em razão do tempo, não há mais interesse estatal na repressão do crime.

Entenda sobre a prescrição virtual

Por seu turno, tem-se por construções doutrinária e jurisprudencial, o instituto da prescrição virtual, também conhecida como prescrição antecipada, em perspectiva ou por prognose, que tem por finalidade a antecipação do reconhecimento da prescrição retroativa (entre o recebimento da denúncia ou da queixa até a publicação da sentença condenatória). É dizer, é a constatação da prescrição, antecipadamente, levando-se em conta a pena a ser virtualmente aplicada ao réu, se porventura condenado.

Em busca de fortalecer a aplicação do instituto em comento, temos que o fundamento eficaz de reconhecimento da prescrição virtual dar-se-á em razão do falecimento do interesse de agir do Estado no prosseguimento da ação penal, cuja sentença, dadas as circunstâncias do crime e condições pessoais do réu, fixará, por certo, a pena em patamares mínimos, ao passo que conduzirá o juízo ou Tribunal em eventual condenação, ao certo reconhecimento da prescrição retroativa. Nesse sentido, antevendo-se a ocorrência de futura prescrição retroativa, sustenta-se ser possível a sua antecipação, declarando-a mesmo antes do final do processo-crime.

Dessa forma, após o oferecimento da denúncia – com a descrição do crime imputado – há possibilidade de se antever a ocorrência dessa causa de extinção da punibilidade (prescrição virtual), nascendo, uma vez a denúncia recebida, um campo fértil para a aplicação da rejeição tardia da denúncia, em razão da inutilidade de apreciação do mérito da causa, nos termos do art. 395, inc. II, do CPP.

É imprescindível, por conseguinte, avaliar-se mesmo que de forma sucinta, o cabimento ou não da rejeição tardia da denúncia, em razão da inutilidade de apreciação sobre o mérito da causa, originado pela falta de interesse de agir (condição para o exercício da ação penal).

Hodiernamente, no sistema processual, nada impede que após recebida a denúncia, com o oferecimento da resposta do acusado, o juízo reconsidere a decisão prolatada e, dessa maneira, impeça o prosseguimento da ação penal, em verdadeira revisão da sua decisão de recebimento da inicial. Nesse ponto, o STJ tem entendimento pacificado sobre a possibilidade de rejeição tardia da denúncia (AgRg no REsp 1.218.030/PR., Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., j. 01.04.2014).

Com o apoio nessa hipótese, vastamente admitida pela jurisprudência, o julgador não deve ficar impedido de aplicar, aos processos em curso, a extinção da punibilidade pela manifesta ausência de condição ao exercício do direito de ação, devido à supressão do interesse de agir, uma vez que não se deve perder tempo e recursos públicos com um processo ocioso e inútil para o fim a que foi proposto.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, fixou entendimento de ser inviável o reconhecimento da prescrição virtual (Plenário, RE 602.527, j. 19.11.2009). No mesmo sentido: STF, ARE 708233 AgR, j. 15.10.2013.

Tribunal superior de justica
Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Para o Superior Tribunal de Justiça, de igual forma, é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética a ser virtualmente aplicada ao réu, independentemente da existência ou sorte do processo penal em andamento (Súmula n. 438). Em sentido semelhante: STJ, RHC 33.795/SP, j. 11.03.2014.

Na mesma linha de intelecção, os Tribunais (Estadual e Federal) não vêm aceitando a aplicação da prescrição virtual, pois “o reconhecimento do instituto da prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade virtual, antecipada ou em perspectiva, tomando como esteio balizamento punitivo hipotético a ser aplicado em caso de eventual e futura condenação, não contempla previsão legal no ordenamento jurídico pátrio”, além de encontro à “intelecção da Súmula 438 do STJ”

Prescrição virtual vem ganhando espaço no sistema judiciário brasileiro

Vale frisar, porém, que de forma esporádica, o instituto da prescrição virtual vem ganhando espaço no sistema judiciário brasileiro, sobretudo no primeiro grau de jurisdição, pois “se a antevisão de que a pena a ser aplicada em concreto, com base nas circunstâncias judiciais expostas nos autos, ensejaria a prescrição efetiva, não se deve perder tempo e recursos com um processo moribundo, ocioso e inútil para o fim a que foi proposto”.

O Juiz de Direito do Estado do Espírito Santo, Dr. Dener Carpaneda, ao aplicar a prescrição virtual, sustenta que o objetivo do legislador ao instituir as condições da ação, não foi efetivamente outro senão o de resguardar a jurisdição contra demandas sem sentido, pois há muitas que se revelam, desde logo, contrárias ao direito. Assim, a ação penal, para que seja admitida, deve estar completa de determinados requisitos, denominados condições da ação, quais sejam: a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse de agir (TJ/ES, AP n. 0001255-51.2015.8.08.0007).

Sob essa designação, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues de Alencar esclarecem que as condições da ação penal são requisitos necessários e condicionantes ao exercício regular do direito de ação, pois, do contrário, podem se traduzir numa aventura desmedida. Certo é que a deflagração da ação implica sérias consequências ao réu, exigindo-se cautela do titular da ação penal na obediência dessas condições para que o pleito jurisdicional possa ser exercido de forma legítima, evitando-se a possibilidade do manejo de ações inviáveis, pois o simples exercício da ação já implica consequências imensuráveis ao réu.

A ação penal, portanto, só merece prosseguimento quando presente o interesse de agir, que é a “relação de utilidade entre a lesão de um direito afirmado e provimento de tutela jurisdicional pleiteada” (Liebman), sendo que o autor só tem interesse na demanda quando esta possa lhe trazer alguma utilidade.

A propósito, essa posição encontra-se amplamente ligada à visão ao mesmo tempo garantista e de efetividade do processo. Ora, o processo penal é sancionatório em si mesmo e isso significa que o simples fato de alguém ser processado já traz para si uma mácula que o acompanhará para o resto da vida.

Qual é o interesse na demanda, então, quando o processo-crime é ocioso e se revela absolutamente infrutífero?

Por essas razões, embora os Tribunais Superiores impeçam a aplicação da prescrição virtual, entendemos ser possível a rejeição tardia da denúncia com base na falta de interesse de agir, motivada pela carência de utilidade sobre o jus puniendi estatal, tornando o processo oneroso em todos os sentidos, além de ser absolutamente inútil tanto a instauração quanto a continuidade da ação penal.

Nesse cenário, é de rigor a provocação da defesa aos processos em curso, pela devida aplicação do instituto defendido, seja pugnando pelo reconhecimento da extinção da punibilidade pela manifesta ausência de condição ao exercício do direito de ação, na forma do artigo 107, inc. IV, c/c artigo 109, todos do Código Penal, ou, com base nesse mesmo raciocínio, postular pela rejeição tardia da denúncia, nos termos do art. 395, inc. II, do CPP.

Caso o juízo não aplique a prescrição virtual, a ação cabível entendemos ser a impetração de habeas corpus, admitido em casos excepcionais (STF, Pleno, Inq 1978, j. 13.09.2006 e TJ/GO HC n. 5415914-93, j. 02.12.2021), para o fim de trancamento da ação penal, ante a patente incidência da prescrição virtual.

Diante de todo o exposto, embora os tribunais brasileiros relutem em aplicar o instituto da prescrição virtual, consideramos ser esse o momento para revisar a jurisprudência dominante, em razão dos princípios da economia processual, da razoabilidade e do favor rei, a deixar de lado, diante de cada caso concreto, os formalismos e a letra fria do enunciado sumular. 

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