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E se todos os presídios brasileiros fossem privatizados?

E se todos os presídios brasileiros fossem privatizados?

A ideia do projeto E SE? é incentivar os leitores do Canal Ciências Criminais a pensar sobre o futuro do sistema criminal brasileiro como um todo e permitir reflexões sobre a forma como estamos o conduzindo. Semanalmente serão formuladas perguntas envolvendo temas polêmicos, com a finalidade de estimular debates e discussões.

Pergunta de hoje

E se todos os presídios brasileiros fossem privatizados?

Respostas


Primeiro, precisamos ter a correta compreensão do que queremos dizer com “privatização” dos presídios. Nos EUA, onde o modelo é adotado, a relação entre empresas e presídios pode se desenvolver de 3 formas distintas: 1) por arrendamento da prisão (mera construção do prédio e arrendamento ao Estado); 2) administração privada ou privatização (construção e administração por entidade privada) e 3) contratação de entidades privadas para alguns serviços (espécie de terceirização, ex: serviços de limpeza, alimentação, etc.). Deve se ter em mente que uma das finalidades da pena no Brasil é a ressocialização do indivíduo, o que, hoje, não é proporcionado pelas instituições carcerárias espalhadas pelo nosso país. Não se garante um mínimo de dignidade exigido na Constituição, na Lei de Execuções Penais e nos compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como atestou o STF na intervenção no sistema prisional há 3 anos e, em contrapartida, exige-se que estes indivíduos saiam ressocializados. Puro contrassenso. Neste cenário, é inegável que a privatização seria uma alternativa para tentar produzir os efeitos esperados. Todavia, a pergunta que se deve fazer é como compatibilizar o binômio interesse econômico X finalidade da pena? Parece ser incompatível tentar alcançar a ressocialização quando um de seus efeitos é a não reincidência e diminuição da criminalidade. Lembrando: este é o objetivo da pena, não a satisfação de interesses econômicos (lembre-se: toda atividade empresarial visa lucro). Fixa-se a ideia de que o aumento da quantidade de presídios é a solução para a diminuição da criminalidade, o que é um equívoco. Além disso, nos países que adotam este modelo, vários dos problemas presentes nos presídios brasileiros são verificados, como maus-tratos, corrupção, entrada de drogas e armas, etc. No que tange a questão econômica, argumento frequentemente utilizado é que a privatização diminui os custos do Estado, todavia, se partirmos da ideia de que esta estrutura fomenta a construção de mais e mais prédios, parece que a eficiência fica comprometida. Ressalta-se que o Brasil já possui experiências de parceria público-privadas na administração de presídios, a exemplo da Bahia, Minas Gerais e Pernambuco. Por fim, a privatização ou a modalidade de arrendamento hoje pode ser uma alternativa ao estado de calamidade que se encontra o sistema penitenciário nacional, por determinado prazo, ao menos para tentar garantir o fim das superlotações e um mínimo de dignidade. Entretanto, pelas razões aqui citadas, compreendo que esta é apenas uma medida paliativa e que não resolve todos os problemas que assolam o sistema prisional, de forma que a execução destas atividades devam continuar nas mãos do Estado, a quem compete garantir a execução penal e o alcance das finalidades da pena.

JOSÉ MUNIZ NETOAdvogado, Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Anhanguera, Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal


É cediço que o sistema penitenciário brasileiro vivencia um caos estrutural e de personalidade. Desta forma, muito se discute as sobre alternativas, dentre elas está a privatização. Todavia, se todos os presídios brasileiros fossem privados, a pena poderia se afastar ainda mais de seu caráter ressocializante e se pautar em aspectos econômicos. Em outras palavras, a privatização pode desestruturar ainda mais a identidade do sistema penitenciário brasileiro, tornando os detentos meios para obtenção de lucro e “prestígio”, e ilidindo o objetivo reeducativo e ressocializante. Portanto, resta a dúvida: será que a privatização do sistema penitenciário brasileiro é a melhor solução ou é apenas mais uma forma para atender interesses escusos?

GABRIEL CARVALHO DOS SANTOS – Acadêmico de Direito, no Centro Universitário Integrado, Pesquisador na seara das Ciências Sociais Aplicadas, com ênfase no Direito Penal


Se o objeto da execução penal determina a efetivação das disposições de sentença ou decisão criminal e, ao mesmo tempo, prima a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, por óbvio, o sistema penitenciário, como um todo, deverá assegurar as garantias mínimas para o devido cumprimento da pena. Assim sendo, quanto ao cerne da questão, privatizar penitenciárias possuem dois vieses: um positivo, levando-se em conta a reestruturação do sistema proporcionando aos sentenciados o efetivo cumprimento dos seus direitos quanto ao imo da dignidade da pessoa humana, a fim de atingir a esperada ressocialização e, outro, negativo, no que diz respeito à incontrolada exploração laboral dos mesmos. Havendo disposições legais que regulamentem essa exploração laboral dos presos, há grande possibilidade de as privatizações serem um imenso passo ao futuro, pois, certamente, a verba que deveria ser revertida pelo Governo ao sistema penitenciário seria aplicado em outras atribuições estatais. E, quanto às empresas privadas que administrariam as penitenciárias, ofertariam cursos profissionalizantes, promovendo, além de qualificação de mão de obra, o escopo principal do cumprimento da pena, qual seja, a ressocialização do apenado, o qual, ao findar sua sentença, poderá ter muito mais chances de trabalho e voltar a conviver na sociedade de forma harmônica e digna.

SIMONE KREMER – Advogada. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal (Unicuritiba). Ex-agente penitenciário (SESP-PR)


Diante de tantas rebeliões no sistema prisional, a população traz para discussão a  “privatização dos presídios”. O tema é complexo e não pode ser tratado à luz da comoção popular. Cada presídio, hoje, é um foco de intranquilidade para a população local, pois as fugas trazem ameaças aos moradores do entorno. Os defensores da iniciativa apresentam como argumento mais forte a redução de custos para o Estado. Num levantamento do Conselho Nacional de Justiça, estima-se que cada preso represente um gasto em torno de R$ 2.400,00 mensais. Este valor varia  de estado para estado e de tipo de estabelecimento prisional. É um cálculo muito frágil.  A população carcerária, no Brasil, é em torno de 603.000, cumprindo diversos regimes de penas, sendo 262.983 em regime fechado. O custo, fazendo os cálculos, é realmente muito alto, mas qual a solução? Em primeiro lugar, deve-se avaliar a confiabilidade do sistema político  brasileiro. Num País onde os políticos não respeitam nem a merenda das crianças, é de desconfiar que uma proposta destas possa servir em primeiro lugar aos interesses dos  gestores e não dos apenados. Mas não se pode apontar o desvio como elemento norteador das ações. Há que se buscar soluções. A proposta de privatização dos presídios brasileiros passa por um ordenamento já estabelecido pela lei 11.079, de 2004, que propõe duas modalidades: a) a patrocinada; b) a de concessão administrativa. Assim, pode-se perceber que o sistema norte-americano  de privatização mais ampla não está em discussão, mas uma forma próxima do modelo francês de privatização de serviços, mantendo com o Estado as ações de execução  penal. O tempo é curto para uma reflexão maior, mas, mesmo assim, é importante definir uma posição de reserva sobre tudo que está sendo proposto. Há muitas medidas  que reduziriam o curso do sistema prisional, bem como restabeleceriam a função educativa da pena. Veja-se: (a) não seria possível reduzir a população carcerária com a aplicação de penas alternativas? (b) com um contingente menor, seria mais fácil aplicar bem as verbas e com isto melhorar, em muito, as condições carcerárias; (c) um acesso mais fácil e seguro à justiça, principalmente para as camadas mais pobres da população, com certeza, reduziria conflitos e crescimento alarmante do número de encarcerados; (d) o Estado, retomando o comando dos presídios, teria condições de exercer a sua função de recuperação do detento. Um sistema carcerário sem controle, como temos, é comandado pelas facções criminosas, trazendo à população todo tipo de violência. Esta não é uma postura definitiva, mas um ponto de partida para uma discussão maior, sem que se imagine situações de leniência e descaso por parte da justiça.

ODIOMBAR RODRIGUES – Doutor em Literatura, Professor universitário aposentado e Acadêmico de Direito


O sistema carcerário brasileiro há décadas enfrenta problemas estruturais, orçamentários, sucateamento e superlotações, demonstrando sua ineficácia em reestruturar o sistema em sua totalidade. A situação da maioria dos presídios brasileiros é preocupante, bem como as condições de saúde, higiene e organização a qual os detentos encontram-se nesses locais. O aumento da população carcerária no Brasil é notável e extremamente delicada, atualmente nos encontramos em terceiro lugar no ranking mundial de pessoas encarceradas, sendo no nosso país aproximadamente 40% dos presos provisórios, ou seja, sem condenação definitiva. No que tange a efetividade das penas e o sistema punitivo, preceitua Zaffaroni: ” achamo-nos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade”’1. Essa questão é observada entre o discurso do ser e dever ser na esfera criminal e na conjuntura do sistema carcerário como um todo. Nesse sentido, é demonstrado a ineficácia das funções ressocializadoras do sistema penal na medida que os indivíduos encarcerados não possuem minimamente seus direitos assegurados como saúde, educação, possibilidade de trabalho, contribuindo para a manutenção de um círculo vicioso da criminalidade sendo isso observado pelo índice de reincidências dos egressos do sistema penal totalizando em média 70%. A privatização de presídios está ocorrendo nos Estados Unidos e aos poucos no Brasil, como exemplo há o Complexo Prisional Privado por meio das parcerias público privadas em Ribeirão das Neves no estado de Minas Gerais. Contudo, há inúmeros questionamentos sobre a privatização em presídios primordialmente sobre a forma de desenvolvimento das atividades laborativas no sistema prisional, observado que o trabalho sem as devidas garantias podem tornar-se fontes de lucros para inúmeras empresas que usufruirão dos serviços com uma contrapartida irrisória e precária a esses indivíduos. Outro ponto fundamental seria a inconstitucionalidade da privatização de presídios com base na constituição federal, tendo em vista que a delegação de atribuições exclusivas do Estado ao particular é vedada com base no artigo 144 no qual aduz que a segurança pública é dever do Estado, bem como o artigo 4º, inciso III da Lei nº 11.079/2004 que regulamenta os contratos de parceria público privada denotando a incompatibilidade da privatização dos presídios brasileiros com a Carta Magna e os princípios nela expostos.

PAULA YURIE ABIKO – Acadêmica de Direito, Colunista do Canal Ciências Criminais e integrante da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais.


A privatização dos presídios brasileiros é um tema debatido constantemente de maneira acalorada. Não raro, com mais emoção do que razão. Uns acreditam que o simples fato de privatizar será suficiente para darmos cabo naquilo que o STF já chamou de “Estado de Coisas Inconstitucional”, quando julgou a ADPF n° 347/DF. Ocorre que o problema não é simples. Todos têm ciência de que a pena tem uma finalidade, adotada no Brasil, a teoria eclética, ou seja, tem por finalidade punir, prevenir e ressocializar, perceptível na parte final do art. 59, CP. Ainda, é do Estado o “jus puniendi”. Cabe ao Estado acusar, aplicar uma pena e executar, evidentemente, devendo ficar longe do sistema inquisitorial. Não é de hoje a força do lobby no Congresso brasileiro (quando não se transforma em corrupção), mas isso não é uma jabuticaba, é fato universal. Assim, basta olharmos para os EUA para percebermos que tem 5% da população mundial, mas 25% da população carcerária, um país em que empresas privadas literalmente ganham com pessoas presas, exercendo, através de lobistas, o endurecimento da lei penal, passando ainda a falsa percepção de segurança, quando na verdade nada mudou para melhor. De tal modo, alguns fazem a pena ter outra finalidade, qual seja, a de lucrar, sobremaneira, com os mais pobres e vulneráveis, chegando ao ponto de reclamar da taxa de ocupação, como se hotel fosse. Surgindo nos anos 80, o número de prisioneiros em prisões privadas disparou 1.600% de 1990 a 2009. Portanto, em conclusão, privatizar não parece o mais sábio, já que inclusive os EUA percebeu o erro na sua política de privatização de presídios, parando no ano de 2016. E se todos os presídios brasileiros fossem privatizados? O Estado de Coisas Inconstitucional seria tão grave quanto! A solução não é por esse caminho, mas por políticas públicas que respeitem os Direitos Humanos.

FILIPE DEMÉTRIO MENEZES – Acadêmico de Direito. Membro da Comissão Especial de Criminologia Crítica e da Comissão Especial de Estudos de Criminal Profiling (Canal Ciências Criminais)


A privatização do sistema prisional brasileiro, longe de resolver qualquer problema estrutural ou de funcionamento das unidades prisionais, revela-se como medida útil ao sistema econômico neoliberal e aos anseios punitivistas, pois se apresenta como mecanismo de lucrar com o aprisionamento de seres humanos, o que resulta em manifesta prática odiosa, e que deve ser combatida pela comunidade acadêmica e operadores do direito. Ademais, salienta-se que o dever  constitucional de punir e reabilitar (para os que acreditam na função ressocializadora da pena) é exclusivo do Estado, e a preocupação da iniciativa privada é o lucro e não o interesse na reabilitação e reinserção social dos presos. Tratam-se, portanto, de interesses diametralmente opostos e inconciliáveis, de modo que adotar a privatização dos presídios brasileiros não nos apresenta como uma medida a ser considerada.

CARLOS BERMUDESAdvogado Criminalista, Especialista em Ciências Criminais (FDV), Professor de Direito Penal e Processo Penal


A privatização dos presídios brasileiros é um tema que levanta muita polêmica para população, por uma suposta ideia de redução de custos para o Estado e diminuição de corrupção. Ora, privatizar é um termo que precisa de muita cautela, não pode-se decidir e analisar superficialmente. Existem estudos que demonstram que nos EUA o processo vingou, mas a ideia foi bem diferente lá; o empresário Thomas Beasley propagou a ideia de privatização dos presídios pautado na falta de vagas que geram muitos abusos contra os presos nas cadeias; isso de fato acontece de uma forma absurda no sistema prisional do Brasil, basta dirigir-se aos citados em uma tentativa de conversar com o cliente, onde só pelo fato da retirada do mesmo da cela em determinados horários, raspam sua cabeça e colocam para dormir na triagem. De fato, é caótico, um abuso contra a dignidade da pessoa humana. Quando se fala de abusos, não temos uma boa margem de comparação diante dos presídios públicos e agentes públicos. Presídio é coisa séria, não temos como tratá-lo com desídia, pois aqueles que ali estão, um dia retornarão ao seio da sociedade. Por outro lado, com a privatização, tem-se a ideia de que desafogará as celas superlotadas que estamos presenciando hoje no sistema prisional; ou seja, a privatização poderá trazer o que é aplicado no sistema dos EUA, celas menores com 2 detentos cada, e não o atual que temos celas com 12 presos. Bom, a privatização precisa de uma análise mais detalhada dos prós e dos contras, capazes de nos permitir uma estudar com mais afinco os benefícios que poderão propor a sociedade em geral, bem como ao próprio preso.

MACKYSUEL MENDES LINS – Advogado, Pós-graduando em Ciências Criminais (PUC/MG), Conselheiro da Associação dos Advogados Criminalistas de Alagoas (ACRIMAL), Membro da Comissão do Advogado Criminalista e de Relações Penitenciárias e da Comissão de Defesa das Prerrogativas da OAB/AL


Tratam-se os presídios de substitutivos das instituições totais, cujo objetivo maior é ocultar as mazelas da sociedade, assim como isolar os inimigos, mascarar nossas falhas e acobertar os problemas com os quais, nós, enquanto sociedade, não conseguimos lidar. Ocultar a miséria, lucrando com isso, nos leva a crer ser uma solução mágica para os entraves sociais e para os supostos gastos exorbitantes que os “ marginais” fazem a sociedade suportar. O que não levamos em consideração, talvez, seja que empresas buscam lucro. E, para lucrar, é necessário cada vez mais demanda, a custo cada mais baixo. Não consigo conciliar a ideia de um instituto ressocializador que consiga conjugar estes instrumentos sob os quais o mercado se pauta. Se todas os presídios brasileiros fossem privatizadas, creio eu que estaríamos todos em constante perigo.

MYRNA ALVES DE BRITTO – Estudante de Direito, Integrante do ICCS, do GPCC (UFRRJ) e da Comissão Especial de Direito e Literatura (Canal Ciências Criminais)


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Redação

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