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Presídios

Sobre os últimos acontecimentos dos presídios brasileiros, muito já foi dito, pelos mais entendidos da matéria.

Interpretações, versões, ataques e defesas. Provavelmente um Ministro de Estado “cairá” nos próximos dias por causa disso. E ainda assim, é difícil eu deixar de dizer alguma coisa também, dentro do meu ponto de vista jurídico-político-econômico.

Começo pelo trivial: produção {p}, trabalho {t} e consumo {c}. O giro centrífugo dessa trilogia representa o sistema capitalista. O produtor {p} necessita de mão-de-obra {t} que, assalariada, consome {c}; o consumo {c} suscita maior produção {p} que depende de mais mão-de-obra assalariada (t), que consome {c}… e assim por diante, tendendo ao infinito, porque dessa trilogia depende a satisfação de nossas necessidades, sejam elas provenientes do estômago, ou da fantasia (cf. Marx).

Tal sistema pressupõe uma relação vertical entre patrão e empregado. Patrão é quem, detendo capital, pode empreender; empregado é aquele que, não detendo capital, não consegue empreender (resta-lhe trabalhar).

Aliás, sobre essa relação de dependência, não é à toa que um dos requisitos legais para configuração do vínculo empregatício seja, precisamente, a “subordinação”. Sendo assim, o sistema capitalista engloba capitalistas e trabalhadores numa relação vertical.

É errado dizer que a classe trabalhadora é a classe “excluída” do sistema. Oprimida, sim; excluída, jamais! Pois o sistema necessita da classe trabalhadora – assalariada! – para servir tanto de força de produção quanto como consumidora dos bens e serviços produzidos.

Quem seriam, então, os EXCLUÍDOS desse sistema? Aqueles que literalmente não pertencem a ele; que não são e não podem ser capitalistas nem trabalhadores, ou porque lhes faltam meios de produção (não podem empreender), ou porque lhes falta qualquer capacidade laboral (não podem trabalhar).

Se eles estão “fora do sistema [capitalista]”, a que sistema eles pertencem? Qual o sistema que lhes “resta”? Resposta elementar: o sistema penal. Ora, o Direito Penal (positivo) não deixa de ser um reflexo de toda a caracterização (“sistema”) política e econômica do Estado que o dispõe.

O Direito Penal está, assim, diretamente atrelado ao sistema econômico ao qual pertence (e legitima).

É, então, o sistema capitalista o responsável pela organização de um sistema penal que captura os excluídos (aqueles que não interessam ao sistema capitalista) a fim de proteger a propriedade privada de todos aqueles que pertencem ao sistema capitalista.

Por isso, o próximo passo do sistema penal brasileiro, criado e legitimado pelo sistema capitalista – cuja pauta já havíamos antecipado aqui nesse Canal no texto de 12/10/2015 – tem relação direta com a privatização dos presídios.

Não se trata, como se pode imaginar a partir de toda a midiatização dos últimos acontecimentos, de retirar do Estado impotente ou frágil o poder/dever de cuidar do mecanismo penitenciário, a fim de garantir à iniciativa privada a responsabilidade concessionada para tanto, vez que teria maiores condições e interesses.

A questão é mais ampla e muito mais obscura. Trata-se de acirrar aquela “terceira etapa” do sistema capitalista: o sistema financeiro, o mercado de capitais, razão [única] de ser da privatização dos presídios!

Isso porque, como tenho dito, os presos virariam commodities que giram nas bolsas de valores! Essa é a pauta!

As questões de “poder paralelo”, Ministério da Justiça, Direitos Humanos etc. são absolutamente secundárias frente ao verdadeiro PODER ECONÔMICO de que se está adiante, tendo em vista uma população carcerária de 660.000 presos – com perspectiva de atingir 1.000.000 de presos até 2020, no Brasil.

Cada preso “commoditiezado” valerá 1 saco de soja, e 1 milhão de sacos de soja girando permanentemente na BM&F/Bovespa gera um bom “capital” para os especuladores de plantão.

É por isso que a mídia vai acirrar o debate, os congressistas vão suscitar a questão (atendendo a interesses de seus respectivos financiadores de campanha – os detentores dos meios de produção: os capitalistas), a população “indignada com a onda de criminalidade” vai aplaudir todo e qualquer mecanismo de repressão, a partir da espetacularização (ou “datenização”) do Direito Penal, e vai repetir cada vez mais alto que bandido bom é bandido morto!

E essa aura de caça às bruxas, de esgotamento, de desespero de uma nação existencialmente colapsada, mantém e reforça a mentalidade de execrar a “bandidagem”.

Estatísticas, índices e posts em redes sociais sustentam e propagam todas as teses que caminham na direção de mostrar os “menores” (15 anos, 16 anos…) que cometem crimes os mais bárbaros. É isso a mentalidade.

Estamos todos preparados para aceitar (e até apoiar) a redução da maioridade penal, a privatização dos presídios, o acirramento do controle punitivo, o fortalecimento do Direito Penal.

Com isso, ouso dizer que a estatística apresentada pelos mais especializados índices da matéria quanto à população carcerária de 2020 tende a ser o dobro daquele 1 milhão de presos. No melhor estilo norte-americano.

E essa consequência também é previsível a um olhar lógico-histórico, pois a privatização dos presídios seria a melhor resposta, paradigmática (EUA), de resolver um problema de “poder” [paralelo] que o Estado não tem dado conta.

Mas a fórmula é trivial: primeiro, constrói-se um problema, depois sugere-se uma solução (que, na verdade, já estava pronta). A questão é, mais uma vez, eminentemente econômica.

A privatização dos presídios, assim como (ou somada à) redução da maioridade penal – como eu também já havia dito em 2015 –, prepara, dentre muitas outras coisas, a própria coisificação do homem.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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