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Preso e solto, um paradoxo inusitado

Vivemos um paradoxo interessante no(a) processo/execução penal atual: prendemos preventivamente, enquanto o(a) acusado(a) é inocente (art. 5º, LVII da CF), e soltamos depois de condenado(a), em virtude de regime (aberto ou mesmo semiaberto porque não há vaga nas colônias penais).

Início, meio e fim do processo penal implica no (des)necessário tema da prisão.

A prisão preventiva é uma aberração jurídica. Seus requisitos – garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal – falam por si: ninguém sabe o que é ordem pública (confunde-se com segurança ou comoção pública); instrução criminal tem um fim, e a prisão sempre perdura mesmo após finda a instrução; aplicação da lei penal é antecipação de pena. A prisão preventiva é uma aberração jurídica!

Quiséramos ser positivistas, à Ferrajoli, para repetir incansavelmente: – Atenção à lei! Defina-se ordem pública! Segregue-se, no máximo, e com dignidade, somente enquanto a prova estiver sendo produzida!

Mas… não. O positivismo tupiniquim é mero conservadorismo ou populismo à José Luiz Datena, que aplaude o famigerado slogan do “bandido bom”… e prende desmedidamente.

Um dia na prisão. Um ano na prisão. “Preventiva”, de prevenção, prevenir, evitar que algo aconteça. “Algo”: desestabilizar a ordem pública (?), manipular provas (!), furtar-se à aplicação da lei penal (?!).

Porém… que ordem pública? E se as provas são frágeis ou desvirtuadas? Que aplicação de lei penal pode ocorrer antes de uma decisão judicial transitada em julgado? Não há critério normativo capaz de sustentar um discurso segregacionista que prende por um único dia sem o devido processo legal.

No futuro, diante de uma absolvição, ou de uma pena minorada que não comporte cumprimento em regime fechado, qual será a resposta da autoridade para a desnecessária prisão cautelar? Quanto vale um dia desnecessário na prisão? Quanto vale um ano desnecessário na prisão?

Ademais da segregação cautelar, ou seja, do inusitado e inconstitucional instituto da prisão no decorrer da ação penal, a execução penal completa o paradoxo.

Conhecemos a “tabela” do regime de cumprimento de pena. Até 4 anos de condenação, sem reincidência: regime aberto (em casa, com certas condições).

De 4 a 8 anos, sem reincidência: regime semiaberto (em colônia penal ou similar – onde hoje não há vaga, levando o condenado a cumprir pena em regime aberto). Mais de 8 anos: regime fechado (penitenciária).

Entre o aberto e o semiaberto (ou seja, para condenação de até 8 anos) o condenado está “solto” (comparativamente à prisão preventiva).

E no fechado, cumprido em regra 1/6 da pena (exceções para os hediondos e reincidentes – 2/5 e 3/5 da pena, respectivamente), também “sai” (comparativamente à prisão preventiva, que muitas vezes já contou o tempo no “sexto” – 1/6 – de regime fechado).

Em suma, eis o paradoxo: a prisão propriamente dita ocorre preventivamente, cautelarmente (portanto, de modo desenfreado e inconstitucional). E a soltura se dá precisamente quando da condenação.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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