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Mais de 50% dos presos em flagrante não completaram o ensino fundamental

Fiz uma pesquisa para a realização da monografia na especialização de Ciências Criminais e algo me chamou bastante a atenção: mais de 50% dos presos em flagrante não completaram o ensino fundamental.

O título é: “O perfil dos presos encaminhados à audiência de custódia na Grande Vitória/ES e a seletividade penal”. Inclusive, o trabalho foi apresentado no I Congresso de Pesquisa em Ciências Criminais, do IBCCRIM, e será publicado em breve pelo Instituto.

Como disse, mais da metade de quem foi preso não completou o ensino fundamental e, do total analisado, mais de 75% sequer concluiu o ensino médio.

Pra ser mais exato, 51% (cinquenta e um por cento) das pessoas analisadas na pesquisa não completaram o ensino fundamental; e 23% (vinte e três por cento) delas não completaram o ensino médio.

Os dados das prisões em São Paulo são ainda mais assustadores. Segundo o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), no seu “MONITORAMENTO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA EM SÃO PAULO” (clique aqui para acessá-lo), 75% (setenta e cinco por cento) dos presos em flagrante estudaram até o ensino fundamental.

Com essas informações é possível depreender que a maior parte das pessoas presas em flagrante e que, consequentemente, respondem a uma ação penal (pois a maioria dos nossos processos penais tem início com uma prisão em flagrante), não possuiu o mínimo estudo.

E, se não estudaram, não tem oportunidade de emprego formal nesse mercado cada vez mais concorrido e exigente.

O interessante é verificar que desde o surgimento da prisão como pena, em substituição às sanções corporais, como ocorreu na Holanda e Inglaterra a partir do final do século XVIII e início do século XIX, não mudou muita coisa.

A prisão, segundo esses modelos holandeses e ingleses, tinha o objetivo principal de ensinar aos trabalhadores “a disciplina capitalista de produção” (BITENCOURT, 2004, p. 3).

Era uma forma de transformar a mão de obra desqualificada para a nova necessidade industrial em trabalhadores aptos ao exercício laboral, adequados ao modelo capitalista de produção.

Nesse sentido,

A Revolução Industrial foi elemento determinante para o aumento da massa carcerária. A radical transformação dos meios de produção provocou um êxodo da população rural para as cidades; o homem do campo abandonava agricultura para buscar emprego nas indústrias, gerando, assim, uma excessiva oferta de mão-de-obra, incapaz de ser absorvida pela industrialização e, via de consequência, um exército de desempregados se fazia aumentar a cada dia na porta das fábricas, daí advindo a marginalização, a miséria, a fome, o desemprego, o crime, a prisão (CORDEIRO, 2006, p. 30).

Assim, a transformação da sanção em pena privativa de liberdade teve cunho meramente econômico, ou seja, o Estado, por meio da prisão, buscou transformar uma pessoa improdutiva, fora dos padrões necessários para o modelo capitalista, em outra apta para subordinar-se aos mandamentos capitalistas.

Desse modo, as pessoas que se encontravam presas não eram necessariamente delinquentes, isto é, a aplicação da prisão não decorria necessariamente da prática de um crime, visto que também se encontravam presos “desempregados, mendigos, enfim, os excluídos da emergente e desenfreada industrialização” (CORDEIRO, 2006, p. 31).

Como não perceber a semelhança? No passado e no presente o grosso da massa prisional é composto por aqueles que não possuem qualificação suficiente para o mercado de trabalho formal.

Todavia, aquele “interesse” em qualificar mão de obra desqualificada não existe mais (se é que existiu).

Se existisse, teríamos na prática meios de, ao menos, fornecer estudo a uma população prisional tão carente desse direito, possibilitando ao egresso uma reinserção à sociedade de forma mais digna e apta para ingressar no mercado de trabalho.

Mas não é isso o que vemos.

Sempre que toco nesse assunto trago o exemplo do presídio da Comarca em que trabalho. Foi construído para pouco mais de 500 vagas (com lotação de mais de 800) e possui apenas 44 vagas de estudo.

Ou seja, a unidade prisional foi construída com a oferta de menos de 10% de vagas de estudo do total de vagas planejadas para o espaço, em um ambiente com grande parte das pessoas que não possuem o mínimo de estudo e, consequentemente, de oportunidade de emprego.

O que podemos esperar dessas pessoas depois que saírem da unidade prisional?

Se não tinham oportunidade de emprego antes de ingressar no sistema, devido a baixa escolaridade e pouca ou nenhuma qualificação, depois que saírem terão ainda menos oportunidades, pois a soma da desqualificação com o histórico penal resulta em uma pessoa totalmente excluída do mercado de trabalho e da possibilidade de se sustentar de forma lícita.

Depreende-se, portanto, que o importante, na realidade, é apenas retirar o infrator da sociedade.

Desse modo, é possível verificar que o Sistema Penal se preocupa sim com a “transformação” do indivíduo preso, mas não para fazer com que um “improdutivo” se torne “produtivo”, e sim para tornar o ser humano em algo ainda pior do que ele já era antes de entrar na prisão.

Um grande abraço e até a próxima semana!


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2004.

CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Privatização do Sistema Prisional Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos Editora S. A., 2006.

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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