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Prisão preventiva, prisão-pena e antecipação da pena: o caso “Lula”

Prisão preventiva, prisão-pena e antecipação da pena: o caso “Lula”

Na última quarta-feira (04/04), o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do habeas corpus 152.752 PR, pelo qual a defesa do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva buscava a não aplicação da execução provisória da pena.

A referida ação constitucional acabou negada por maioria, pois 6 dos 11 ministros foram contra o deferimento da ordem. Com isso, o precedente da prisão após julgamento em segunda instância firmado com o habeas corpus 126.292 SP pode, a princípio, ser aplicado ao ex-presidente, especialmente por ser o entendimento recorrente (súmula 122) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), que condenou o ex-presidente pelos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No plenário do STF, e entre os estudiosos do Direito, um dos argumentos mais discutidos tem sido se a prisão em segunda instância é prisão provisória, na espécie preventiva, ou prisão-pena.

A prisão preventiva é certamente a espécie de prisão provisória mais debatida e mais utilizada no Brasil, tendo a função de proteger, acautelar o processo enquanto durarem seus fundamentos. A sua incidência torna-se possível da data do fato potencialmente criminoso até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Estatísticas recentes apontam a existência de aproximadamente 40% de presos provisórios no país, o que representa número em torno de 290 mil pessoas.

Trata-se de uma modalidade de medida cautelar pessoal complexa que é acionada com o preenchimento de requisitos de prova da existência do crime, indício suficiente de autoria, e de fundamentos que são a garantia da ordem pública, garantia de ordem econômica, assegurar a aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. A previsão legal desta espécie de prisão processual está no Titulo IX, Capítulo III do Código de Processo Penal.

A prisão-pena, por sua vez, ocorre após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, gerando a prisão definitiva quando não é possível recurso e a decisão se consolida. Encontra-se disciplinada no Título V, Capítulo I do Código Penal Brasileiro e seu cumprimento é regulado pela Lei de Execuções Penais.

Conforme dados recentes, 60% dos presos brasileiros são definitivos, o que representa quantidade de aproximadamente 410 mil pessoas.

O caso do ex-presidente julgado pelo STF não se trata de prisão preventiva e tampouco de prisão-pena, e sim de outra modalidade de aprisionamento que destoa do sistema processual brasileiro: a chamada execução antecipada da pena criada, em sua mais recente versão, com o precitado habeas corpus 126.292, julgado em 2016.

Dá-se a execução antecipada da pena após condenação em segundo grau de jurisdição (julgamento em Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal). Este formato de encarceramento não é preventivo posto que não protege qualquer situação processual. Não é também espécie de prisão-pena já que não depende de trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Acerca desta modalidade de prisão “nova”, deve-se reconhecer sua falta de previsão legal, posto que não há um substrato normativo que a discipline. Igualmente, não há princípios próprios, como o da excepcionalidade das prisões processuais. Naturalmente, constata-se essa situação por ser uma criação jurisprudencial (e não legislativa) recente.  Mesmo em se admitindo que correta em tese essa antecipação de pena, não poderia prosperar por ser lex gravior posterior.

Há, aqui, na verdade, aberrante criação pretoriana em detrimento dos textos constitucional e legal, com transgressão da legalidade penal (art.5º, XXXIX, CF; art. 1º, CP).

A origem do instituto tem um precedente anterior (HC 126.292, STF, julgado em 2016) e outro atual (o caso do ex-presidente com HC 152.752, STF).

No entanto, o problema central visto em 2016 não se modificou em 2018, pois, apesar de dotada de conteúdo claro, a presunção de inocência foi ponderada com princípios e reavaliada sem proximidade com seu texto e sua tradição, mas sim com base em ordenamentos distinto (no caso, EUA), praticado em sistema judicial e realidade social bastante diferentes.

Argumentou-se no julgamento em diversas linhas problemáticas, v.g., redefinição do significado de trânsito em julgado, mescla dos princípios da não-culpabilidade, da imputação subjetiva e da presunção de inocência, entre outras.  

Uma das fulcrais reflexões externada pelos Ministros era de que o instituto da prisão após julgamento em segunda instância tem uso exagerado, como regra para todos os casos. Nota-se um uso prático com semelhança à antiga e já abolida (1967) prisão obrigatória que constava da redação original do CPP.

Essa utilização deve-se justamente à falta de regramento para o instituto criado pela via tecnicamente equivocada e que é utilizado, na prática, sem fundamentação alguma em indubitável contrariedade ao inciso LXI, do art. 5ª da Constituição Federal.

Para além de tais questões, a prisão após julgamento em segunda instância que atinge o ex-presidente deve ser reavaliada no julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44 pelo próprio Supremo Tribunal Federal já que a Ministra Rosa Weber, na oportunidade, irá votar contrariamente a novidade.

Logo, é possível concluir que a segurança jurídica não é preservada no contexto atual. Tanto mais porque – diferente do que se dá com os cidadãos em geral – ao ter detectado as hipóteses de prisão preventiva quando prolatada a sentença condenatória em primeiro, o magistrado deveria ter aplicado tal medida. Em especial, revendo-se o conceito de ordem pública que, sem dúvida, merece uma nova roupagem no Estado Constitucional.

Concluí-se que a execução provisória da pena claramente imprescinde de reavaliação, em real sintonia com a ordem democrática em vigor no país.


Sobre os recentes desdobramentos do caso Lula, leia também AQUI.

Foto: Agência Brasil

Luiz Regis Prado

Pós-doutor em Direito Penal. Doutor e Mestre em Direito. Professor.

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