ArtigosTribunal do Júri

O primeiro júri a gente não esquece!

Inverno de 2008, mês de julho. Fazia frio em Porto Alegre e no Foro Regional do Sarandi.

Após aproximadamente um ano e meio de estudo, defesa e muita preparação, eu, jovem advogado, formado há pouco mais de dois anos, enfrentava meu primeiro plenário, meu primeiro Júri. Sozinho.

O caso em si não era de uma grande complexidade, muito pelo contrário, o acusado estava sendo processado por homicídio simples. Quando do fato, estava trabalhando como segurança de um clube (“Clube Comercial” localizado no bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre).

Após o término da festa, o acusado, de apelido “Maquila”, foi separar uma briga generalizada entre duas “gangues” rivais na época. A vítima estava empunhando um estilete, e foi em direção ao denunciado para golpeá-lo.

Nesse exato instante, “Maquila”, por ser de maior estatura e mais forte que a vitima, em um ato de instinto de auto-defesa, sacou seu “canivete” e veio a acertar na região próxima ao coração da vitima, vindo esta a falecer a caminho do hospital. Denúncia: Homicídio Simples. Tese de Defesa: Legitima Defesa própria.

O primeiro Júri é muito complicado. O júri nos expõe muito. O promotor era experiente na comarca e conhecia os jurados. Do outro lado, eu, advogado apenas com pouca experiência em processos criminais sem atuação no plenário do Júri. Chega o dia do Plenário e essa expectativa e nervosismo aumenta.

Confesso que assisti na época inúmeros filmes sobre Júri, treinei na sala de casa, fiz mil e uma anotações. A tese de legitima defesa estava muito bem elaborada.

Mas quando, após a oitiva de testemunhas (que não ajudaram em nada no desenrolar dos fatos), o interrogatório do réu e a fala do promotor, o Juiz disse “A Defesa tem a palavra”, parecia que eu estava pesando mais de cem quilos quando levantei da cadeira.

As pernas tremiam, o suador já tomava conta, mas era chegada a hora de eu enfrentar meus medos, minhas angustias e ate as falhas que tive.

Apesar de ser meu primeiro Júri, eu tinha noção de que era preciso deixar a emoção do caso fluir. Era notório que o acusado foi efetivamente para se defender de uma agressão atual e injusta.

O interessante desse caso, é que “Maquila” sempre portava um canivete – de abrir e fechar – que apenas usava para cortar a laranja – sua sobremesa após as refeições.

Por outro lado, o promotor durante sua fala, foi muito incisivo com os jurados mostrando que um jovem havia sido retirado do seio familiar e da sociedade de maneira brutal e cruel e que a pena dele deveria ser a maior possível no caso. Promotor muito bem preparado, extremamente técnico, com uma oratória invejável.

No auge da minha empolgação, após a saudação entrei de cara na tese defensiva, sem analisar muito a prova, o fato em si, muito menos explicar e dizer aos jurados que o acusado era um simples segurança de um clube e estava trabalhando no momento do fato delituoso.

Como marinheiro de primeira viagem, não usei o tempo todo que dispunha para defesa, acelerei demais o que havia preparado para falar.

É muito diferente postular para um juiz de direito. Não se busca a verdade no Tribunal do Júri com o Código Penal em uma mão e o Código de Processo Penal na outra. São instrumentos desprezáveis no Tribunal do Júri. O jurado vai julgar conforme sua consciência e os ditames da justiça e não conforme a lei e a jurisprudência.

Não houve réplica. E, após o conselho de sentença estar adepto a votar, veio a decisão final: absolvição por 5 x 2. Sinceramente, eu não acreditava que iria absolver o acusado, embora tenha me empenhado ao máximo e de alguma forma consegui mostrar para a sociedade que todo caso é importante e que a legitima defesa – auto defesa – com os meios necessários e com moderação são importantes e merecem todo empenho do advogado.

A imagem que jamais vai sair da minha cabeça, é ver o cliente aos prantos me abraçando e dizendo:

“Muito obrigado Doutor, muito obrigado, não sei o que te falar… nem como retribuir tudo o que tu fez hoje”.

Apesar de tudo e inclusive de ter coragem de enfrentar o primeiro Júri sozinho, foi muito gratificante. Por isso eu digo, o primeiro júri a gente não esquece, ainda mais com uma absolvição.


Leia também: O primeiro júri de um jovem advogado (AQUI)

Marcelo Von Saltiel

Advogado. Especialista em Ciências Criminais. Especialista em Direitos Humanos.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo