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O princípio bagatelar nos crimes ambientais

O princípio bagatelar nos crimes ambientais

O princípio da bagatela ou da insignificância decorre de uma criação pretoriana, haja vista que não se encontra expresso no ordenamento pátrio, mas é observado de modo implícito na seara do Direito Penal.

O postulado foi cunhado, em 1964, pelo ilustre Claus Roxin. O jurista tinha por intento adotar o princípio da insignificância para atuar como auxílio na interpretação da norma e excluir a pena para as condutas de menor potencial ofensivo, dado o entendimento que nem toda e qualquer conduta lesiva era o suficiente para configurar um injusto típico e necessário para uma reprimenda penal.

Depreende-se, desse modo, que se pode afastar liminarmente a tipicidade penal quando as condutas perpetradas se amoldam a um determinado tipo penal sob a ótica formal, contudo, sem haver alguma relevância sob o ponto de vista material, visto que não houve em verdade uma lesão ao bem jurídico tutelado.

Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, para que incida o princípio bagatelar a um determinado fato, é necessário a presença de certos requisitos objetivos atinentes à infração praticada, sendo, portanto: a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e, por fim, a inexpressividade da lesão jurídica causada.

Dado o exposto, cabe doravante apresentar uma breve análise da vertente ambiental, posto que há uma celeuma quando se trata da aplicação do princípio bagatelar nos crimes ambientais que ameaçam ou lesam minimamente os seus bens juridicamente tutelados.

Pois bem, o meio ambiente é tutelado por normas infraconstitucionais, a exemplo da Lei nº. 9.605/1998, que segundo disposto por Fiorillo (p. 113, 2017):

fez-se com que a tutela do meio ambiente fosse implementada através da forma mais severa de nosso ordenamento: pela tutela penal. Além disso, a mesma Lei n. 9.605/98 inovou consideravelmente o ordenamento jurídico penal, pois, em conformidade com o art. 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988, trouxe a possibilidade da penalização da pessoa jurídica.

Ademais, existem disposições constitucionais que visam a proteção do meio ambiente, conforme acostado ao art. 225, caput, da Constituição Federal, ao aduzir que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Nesses termos, observa-se que a natureza jurídica do bem ambiental é constitucionalmente estruturada a partir da soma de dois aspectos, quais sejam: o bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Desse modo, todos os recursos naturais configuram-se bens difusos, pertencentes a cada indivíduo e a todos, simultaneamente, transcendendo ao Poder Público e ao particular de modo estrito.

Nesse diapasão, a defesa do meio ambiente tem por escopo o equilíbrio e a harmonização do crescimento econômico, equidade social e preservação ambiental, de modo a atender e garantir condições de qualidade de vida para as gerações presentes, sem comprometer, no entanto, as gerações futuras, conforme reza o princípio da solidariedade intergeracional.

À vista disso, cumpre mencionar duas correntes que se divergem entre os tribunais pátrios acerca da aplicação do princípio da insignificância em crimes ambientais.

A primeira corrente, defendida mormente pelos Tribunais Regionais Federais do país, rechaçam a aplicação do princípio bagatelar, conforme reiteradas decisões proferidas, dado o entendimento que toda lesão causada em face do meio ambiente, por menor que seja, contribui de modo significativo, a comprometer o equilíbrio ambiental ou até mesmo a desencadear uma série de outros danos ambientais.

A título de exemplo, cumpre citar o caso em que a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu por inaplicável o princípio bagatelar ao fato em que um indivíduo, pescador amador, foi flagrado utilizando uma rede de metragem além do permitido e uma quantia aproximada de 02 (dois) quilos de peixes de diversas espécies.

Segundo descrito na decisão (TRF 3ª Região. RSE 2004.61.24.001778-5/SP, Rel. Des. Federal Cotrim Guimarães, DJU 02.05.2008), os fatos em análise constituem dano ambiental relevante, tendo em vista o bem jurídico tutelado e, por essa razão, ensejando em tipicidade penal.

Lado outro, a segunda corrente adotada com maior frequência pelos Tribunais Superiores pátrios justifica que a lei ambiental não deve ser adotada com o intento de punir ações que não possuem um potencial ofensivo ao meio ambiente.

Ademais, pautam-se na vertente de que o Direito Penal, a ultima ratio, deve ser aplicado apenas quando escasso outros meios de solução, tais como as vias civil ou administrativa, e que a tutela penal ambiental deve se ater apenas em face de condutas significativamente relevantes e lesivas ao bem jurídico tutelado.

Segue como exemplo, o julgado do Superior Tribunal de Justiça brasileiro que entendeu por necessária a aplicação do princípio da insignificância, conforme apresentado nos seguintes termos:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. USO DE APETRECHO DE PESCA PROIBIDO. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA 1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de uso de apetrecho de pesca proibido se resta evidente a completa ausência de ofensividade, ao menos em tese, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a fauna aquática. 2. Ordem concedida para trancar a ação penal por falta de justa causa. (STJ – HC: 93859 SP 2007/0259548-5, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 13/08/2009, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 31/08/2009).

Comunga deste mesmo posicionamento o Supremo Tribunal Federal, conforme já manifestado:

CRIME – INSIGNIFICÂNCIA – MEIO AMBIENTE. Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se absolvição do acusado” (STF, AP 439/SP, Rel. Min. Marco Aurélio). 

Ora, resta-nos evidente que a tutela sobre o bem jurídico relativo ao meio ambiente é de suma relevância, e a discussão em pauta é deveras importante. Por essa razão, é imperioso que haja uma análise cautelosa e coesa dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade diante da aplicação dos instrumentos do Direito Penal.

Salienta-se, neste contexto, a inteligência de Bitencourt (p. 61, 2014), ao aduzir que:

Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida.

Nesse toar, é rechaçada a ideia de que com a aplicação do princípio bagatelar nos crimes ambientais daria ensejo a um sentimento de anomia social em razão da elevada importância do bem jurídico ambiental.

Por derradeiro, infere-se que, ao analisar as circunstâncias do caso concreto e verificar a presença dos requisitos dispostos pelo Pretório Excelso, além do grau da extensão do risco e intensidade do dano, cabe por entender pela possível aplicação do princípio da insignificância sob a órbita do Direito Penal Ambiental.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

Carolina Fernanda Marques Diamantino

Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Santo Agostinho

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