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Princípio da consunção e tráfico de drogas

Princípio da consunção e tráfico de drogas

Olá amigos, espero que estejam bem.

Esta semana resolvi tratar sobre um tema curioso: é possível reconhecer a consunção entre os crimes previstos no artigo 33 e 34 da Lei de Drogas?

Inicialmente, imperioso conceituar o principio da consunção. Nas palavras de Fernando Capez,

é o princípio segundo o qual um fato mais amplo e mais grave consome, isto é, absorve, outros fatos menos amplos e graves, que funcionam como fase normal de preparação ou execução ou como mero exaurimento.

O princípio da consunção, em relação aos crimes de posse e guarda de maquinário e de estocagem de matéria-prima destinados à manufatura de substâncias entorpecentes pode ser aplicado, uma vez que ditas condutas constituem meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de delito de alcance mais amplo, no caso, a fabricação de entorpecente (STF, HC 100.946/GO).

A intenção do legislador seria punir, por exemplo, o agente que constrói um laboratório para refino de cocaína, independentemente da sua efetiva produção, ainda que a posse das máquinas e dos objetos em questão não seja, isoladamente, considerada ilícita ou sancionar aquele que mantém em depósito matéria-prima destinada ao refino ou à produção de drogas, mesmo que a estocagem dessa, por sua natureza, não constitua, per se, crime (a exemplo da solução de baterias, produto licito e revendido com fim específico de regeneração de cargas elétricas em baterias)

Para avançarmos sobre o ponto principal deste texto, necessário transcrever os crimes previstos no artigo 33 e 34 da Lei de Drogas.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.


Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.


Tratam-se de tipos mistos alternativos, pois descrevem crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, sendo consideradas várias formas de realização da figura típica.

No nosso entendimento, há nítida correlação entre os tipos penais descritos nos arts. 33 e 34 da Lei 11.343/2006, o que se revela crível sobretudo na prática dos verbos “produzir, fabricar, ter em depósito, guardar”, entre outros. O tráfico de maquinário visa proteger a saúde pública, ameaçada com a possibilidade da efetiva produção da droga, ou seja, tipifica-se conduta que pode ser considerada como mero ato preparatório.

Portanto, a prática do art. 33, caput, da Lei de Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta, vez que o artigo 34 trata sobre a fabricação de instrumentos capazes de preparar, transformar ou fabrica drogas (ilícitas).

Esse é o entendimento do STJ, quando analisado, por exemplo, no REsp n. 1.196.334/PR de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Entretanto, quando o contexto fático não evidencia relação de dependência entre as condutas (como por exemplo nos casos de apreensão de objetos em localizações distintas), o Superior Tribunal de justiça orienta-se pela não aplicação do principio da consunção, determinando a condenação do agente pelos dois crimes, em concurso material.

O entendimento esposado na edição 126 das jurisprudências em teses, conclui o seguinte:

É possível a aplicação do princípio da consunção entre os crimes previstos no § 1º do art. 33 e/ou no art. 34 pelo tipificado no caput do art. 33 da Lei 11. 343/2006, desde que não caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta.

Desse modo a aplicação do princípio da consunção, para o STJ dependerá sempre da análise do caso concreto, devendo ser comprovado pela defesa a inexistência de contextos autônomos, levando-se em consideração, ainda, as circunstâncias da apreensão e a natureza e quantidade de insumos e objetos.  A prática de mais de uma conduta no mesmo contexto não configura concurso de crimes, por se cuidar de ato preparatório ou sequencial do dolo principal do agente.

Para melhor análise, sugerimos a leitura dos seguintes acórdãos: AgInt no AREsp 1237014 / SP, HC 393597 / SP e AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.237.014 – SP).


FONTES AUXILIARES

ANDRADE, Júlio. Princípio da consunção. Disponível aqui. Acesso em 08.06.2019.


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Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

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