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Tese defensiva: princípio da homogeneidade e prisão cautelar

Tese defensiva: princípio da homogeneidade e prisão cautelar

Não raro nos deparamos com casos em que o cidadão passa todo o processo preso cautelarmente e, ao final, recebe uma sentença condenatória em regime inicial semiaberto ou aberto ou até mesmo tem a pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direito, resultado que desde o início do processo era perfeitamente previsível.

Nesse casos, é evidente que a segregação cautelar se afigurou mais grave do que a própria pena aplicada ao final do processo e, justamente para se evitar que isso aconteça é inexorável que voltemos os olhos para a aplicação do princípio da homogeneidade (ou proporcionalidade), o qual, basicamente, aduz que a medida cautelar é eivada de ilegalidade quando for mais grave do que eventual pena aplicada ao final do processo.

Muitos tribunais do país rechaçam a aplicação do mencionado princípio aduzindo que não se pode fazer digressões sobre pena a ser aplicada futuramente, uma vez que a instrução pode revelar “maior gravidade da conduta”, todavia, há casos em que, com um mínimo de experiência na área criminal, se saberá que a pena no máximo chegará a tal patamar, mesmo forçando-se muito.

Por exemplo: um cidadão, primário, com bons antecedentes, é preso preventivamente pela prática do crime de estelionato consumado, cuja pena mínima é de 1(um) ano e a máxima é de 5 (cinco) anos, não desbordando da normalidade nenhuma circunstância no cometimento do crime.  Sabemos, pela prática, que um cidadão desse, mesmo se condenado, tecnicamente, terá contra si uma pena privativa de liberdade em regime inicial aberto ou, se forçar alguma circunstância do artigo 59 do CP, no regime inicial semiaberto. Pergunta-se: qual seria o sentido, nesse caso, vislumbrando esse cenário final, de impor uma prisão preventiva? À obviedade nenhum.

Sobre o tema, com muita propriedade leciona Thiago MINAGÉ (2015, p. 74-75):

Ocorre que, se determinada pessoa, responde a uma investigação ou mesmo processo criminal, e ao ser submetida a alguma prisão cautelar, não pode, em hipótese alguma, este ato gravoso, ser de gravidade igual ou maior que a própria pena prevista de forma hipotética. Isto porque, antes de uma sentença penal condenatória transitar em julgado, a forma de tratamento a ser dispensada ao sujeito é a presunção de inocência, logo, como impor algo ao presumidamente inocente, que seja igual ou mesmo ultrapasse os malefícios da condenação ao final, momento este que, deixa de existir uma presunção de inocência e passa a tratar a pessoa como condenada, culpada. (Os destaques não constam da redação original).

Em termos práticos também são as lições do Professor e Ministro do Egrégio Superior Tribunal de Justiça Rogério Schietti CRUZ (2018, p. 131):

Com efeito, aparenta irrazoável suprimir a liberdade de alguém a título de prisão-cautela, se essa pessoa, ao cabo do processo, não será efetivamente encarcerada a título de prisão-pena.

Princípio da homogeneidade

Nesse sentido, vale a leitura do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça no HC 299775 / SP, que teve como relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO SIMPLES. PRISÃO PREVENTIVA. REFERÊNCIAS GENÉRICAS. PRIMARIEDADE. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. CRIME SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. PRISÃO. PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA 1. A prisão provisória é medida odiosa, reservada para os casos de absoluta imprescindibilidade, demonstrados os pressupostos e requisitos de cautelaridade, respeitada a homogeneidade, proporcionalidade e adequação. 2. A simples menção genérica aos termos do art. 312 do Código de Processo Penal não autoriza a providência extrema. 3. Tratando-se de crime de receptação simples, cuja pena privativa de liberdade máxima não é superior a quatro anos, e inexistindo condenação anterior, descumprimento de medidas protetivas ou dúvida sobre sua identidade, mostram-se ausentes os requisitos que autorizam a custódia cautelar, nos termos do art. 313 do Código de Processo Penal. 4. Nesse contexto, revela-se como excessiva a prisão provisória, tendo em conta o caráter instrumental das cautelares penais e o princípio da proporcionalidade. 5. Habeas corpus concedido a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.

Desse modo, diante da proporcionalidade, cujo fim precípuo é delinear um critério de interpretação voltado para a efetiva proteção de direitos fundamentais, tem-se que a prisão preventiva decretada em desfavor cidadão que ao final do processo se vislumbra um regime diverso do fechado ou aplicação de pena alternativa, é deveras desproporcional, de modo que, inexorável é a sua revogação, sob pena de estar-se desvirtuando a principiologia da própria prisão cautelar.

Necessário, pois, que os advogados criminalistas reverberem a tese aqui destrinchada, com o fito de incuti-la nas mentes dos julgadores, afastando uma jurisprudência defensiva que se formou ao redor do tema e, por consequência, tornando o sistema penal menos cruel.


REFERÊNCIAS

MINAGÉ, Thiago M. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2015.

CRUZ, Schietti Cruz. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. 4. ed. Salvador: Juspodivum, 2018.


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Carlos Augusto Ribeiro

Advogado criminalista

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