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Princípios constitucionais aplicáveis à investigação criminal defensiva

A investigação criminal está pautada em uma série de princípios constitucionais, que dão à investigação defensiva o aporte a sua prática, devido à falta de legislação específica sobre o tema. Dentre esses princípios estão a isonomia, o contraditório e a ampla defesa.

A igualdade é um conceito variável. A depender de cada Estado ou sociedade seu conceito toma forma diversa. Porém, mesmo diante dessas diferenças, é possível observar no plano teórico duas principais vertentes da igualdade: uma no plano formal e outra no plano material. A perspectiva formal de igualdade deve ser superada, com o objetivo de alcançar a igualdade material, ou real, levando em conta as desigualdades individuais.

Ao pensar no princípio da igualdade processual, este se manifesta em dois sentidos. O primeiro, na exigência do mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica no processo. Já o segundo sentido relaciona-se a paridade de armas no processo para as partes, garantindo o equilíbrio de forças entre elas.

Assim, aos destinatários dos poderes do Estado, é garantido o princípio da igualdade. Porém, no Poder Judiciário tal princípio toma relevância. A isonomia processual garante as partes a paridade de armas, isto é, chances idênticas perante o processo. Destarte, como já apontado, em situações de desiquilíbrio deve ser garantido tratamento diferenciado.

Nas palavras de Luigi FERRAJOLI (2002, p.490), acerca da igualdade entre as partes:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que seu papel contraditor seja admitido em todo o estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.

Outro princípio a ser debatido relacionado à investigação defensiva é o contraditório. Consagrado no art. 5º, LV da Constituição da República. Antonio Scarance FERNANDES (2005, p.61) ensina que o contraditório possuí dois elementos essenciais: a necessidade de informação e a possibilidade de reação.

Tais elementos permitirão um contraditório pleno e efetivo. Pleno, pois deve-se observá-lo durante todo o processo e efetivo, pois não é suficiente só dar a possibilidade de contraditório formal, mas sim proporcionar meios e condições reais de participação no processo. Logo, o contraditório e a paridade de armas são essencialmente ligados, porque só haverá contraditório efetivo se houver igualdade entre as partes.

Na mesma toada Ada Pellegrini GRINOVER leciona sobre a real participação das partes na relação jurídica processual. No plano concreto, o princípio do contraditório é um instrumento para eliminação de desigualdades, revelando sua ligação com o princípio da igualdade.

Sendo assim, nas palavras da autora

A plenitude e a efetividade do contraditório indicam a necessidade de se utilizarem todos os meios necessários para evitar que a disparidade de posições no processo possa incidir sobre seu êxito, condicionando-o a uma distribuição desigual de forças (1990, p. 11).

Para além disso, o contraditório deve ser respeitado em todos os momentos da atividade probatória. Dessa maneira, expõe Aury LOPES JÚNIOR (2018, p.364) os quatro momentos da prova que devem incidir o contraditório: na postulação, admissão, produção e na valoração.

Além de relevante garantia processual, o contraditório constitui um dos elementos essenciais na definição do processo. O processo não mais é uma série de atos concatenados, sob uma perspectiva meramente formal. O processo é um procedimento em contraditório. O contraditório é princípio supremo do processo, pois legitima-o (LOPES JR, 2018, p. 240).

O contraditório é forma de democratização do processo penal, pois deslocando-o como princípio supremo do processo (não mais a jurisdição) a sentença é construída e legitimada por ele.

Outrossim, o princípio da ampla defesa, que possui intima relação com o princípio do contraditório, sendo seu garantidor e também por ele é garantida, previsto constitucionalmente no já citado artigo 5º, inciso LV da Constituição da República.

Destarte, a garantia da ampla defesa deve observar todos os meios e recursos a ela inerentes. O texto constitucional preconiza que durante a persecução penal deve ser garantida a efetivação da ampla defesa, em sua plenitude, ou seja, com participação ativa e contrariedade nos atos procedimentais.

A garantia da ampla defesa requer a observância de três procedimentos, quais são: o direito à informação; a bilateralidade da audiência; e o direito à prova legitimamente obtida ou produzida (TUCCI, 2004, p. 176).

Especificamente sobre o direito à prova legitimamente obtida ou produzida, essa deve ser somada aos conceitos estudados anteriormente (direito à informação, atuação e contraditório), para eficácia da garantia da ampla defesa. O direito à prova expressa a possibilidade de demonstrar no processo elementos de convicção, bem como participar e manifestar-se sobre os atos probatórios.

A ampla defesa divide-se em autodefesa e defesa técnica. A autodefesa é caracterizada pela atuação do sujeito passivo, o acusado, em resistir pessoalmente à pretensão estatal. Essa atuação poderá se dar de forma positiva ou negativa, sendo renunciável.

A autodefesa positiva caracteriza-se pela postura ativa do acusado perante a acusação. Já a autodefesa negativa caracteriza-se pela omissão do acusado na contribuição da resolução da persecução penal, conhecido pela expressão Nemo Tenetur se Detegere, manifestada pelo direito ao silêncio, previsto constitucionalmente.

A defesa técnica, prevista como indisponível e indispensável pela Constituição da República, somente é realizada por profissional habilitado, o advogado. Dessa forma, é uma garantia à paridade de armas, ao exercício do contraditório e da própria imparcialidade do juiz.

Antonio Scarance FERNANDES explica a íntima ligação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ambos são garantias genéricas do processo penal, a defesa e o contraditório são manifestações simultâneas, visto que no processo penal o contraditório deve ser pleno, efetivo, assegurando o equilíbrio de forças entre acusação e defesa (2005, p. 280-281).

Dessa forma, o estudo dos supracitados princípios constitucionais dá o aporte à investigação defensiva. Conclui-se que, independentemente de legislação específica sobre o tema, a investigação criminal defensiva pode (e deve) ser uma prática processual, visto que melhora a qualidade da decisão e reforça o papel da defesa no Processo Penal.


REFERÊNCIAS

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 4ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

_____. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004.


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