A prisão domiciliar humanitária em razão de doença grave
A prisão domiciliar humanitária em razão de doença grave
O conceito de prisão domiciliar no ordenamento jurídico brasileiro está previsto no artigo 317 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
Na doutrina, encontramos o posicionamento de Renato Marcão acerca do conceito de prisão domiciliar:
A prisão-albergue domiciliar é a modalidade de prisão aberta na letra lei. Trata-se de um regime em residência particular, conforme dispõe o art. 117 da Lei de Execução Penal.
Assim, de acordo com a norma insculpida nos artigos 317 do CPP e 117 da LEP, bem como pelo conceito doutrinário trazido, a prisão domiciliar nada mais é do que o cumprimento da pena imposta na sentença penal condenatória a ser executada na residência particular do apenado ou preso provisório, ou na moradia privada em que este residir, sendo necessário para a concessão desse benefício o preenchimento dos requisitos legais exigidos pela legislação pertinente.
Tema ainda controverso e parcamente debatido pela doutrina nacional, e quase que ignorado pela legislação, trata-se da prisão domiciliar humanitária em razão de doença grave sofrida pelo apenado. Em contrapartida, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem, recentemente, debatendo o tema com maior profundidade.
Existe previsão legal sobre a possibilidade de o preso provisório acometido de doença grave e em razão dela extremamente debilitado ter a concessão de ficar recolhido em residência particular, conforme artigo 318, inciso II, do Código de Processo Penal.
Entretanto, tal previsão versa apenas sobre a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, silenciando sobre o indivíduo submetido ao cumprimento de pena restritiva de liberdade em iguais condições de saúde.
Dessa forma, imprescindível que tal benesse também seja possibilitada ao preso condenado, por analogia in bonam partem, bem como em respeito ao princípio constitucional da isonomia, insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição da República.
Nesse sentir, o Supremo Tribunal Federal, em caso paradigmático, concedeu o benefício ao Deputado Federal (PP/SP) Paulo Maluf, durante o julgamento do HC 152.707, de relatoria do Min. Dias Toffoli, onde o relator, ao decidir sobre a liminar da ação, argumentou ser compatível com o ordenamento jurídico pátrio a prisão domiciliar a preso em execução de pena, ainda que tal hipótese não esteja abrangida pelo art. 318 do codex processual penal.
Assim, segundo a Corte, é aplicável a prisão domiciliar quando demonstrada a condição precária de saúde do apenado e a sua incompatibilidade com a vida no cárcere. Fundamentou, ainda, novamente por analogia in bonam partem, no artigo 117 da Lei de Execução Penal que prevê as hipóteses de cumprimento de pena em prisão domiciliar, muito embora apenas aos apenas submetidos ao regime aberto.
Soma-se a isso o fato de a Suprema Corte ter reconhecido, quando do julgamento da ADPF 347, o sistema carcerário brasileiro como Estado de Coisas Inconstitucional, em razão da sistêmica violação aos direitos fundamentais de presos provisórios e condenados em todo o território nacional.
Se tais violações aos direitos humanos, consagrados pela Constituição da República, foram reconhecidas pela Corte, como intoleráveis, tal violência estatal evidencia-se, portanto, revestida de (ainda) maior gravidade em se tratando de indivíduos encarcerados e acometidos de patologias graves, com acompanhamento médico-hospitalar precário ou inexistente.
Conforme se extrai do artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição da República, é dever do Poder Público assegurar a integridade física das pessoas sujeitas à custódia do Estado: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
Entretanto, apesar do taxativo mandamento constitucional acima mencionado, o que se visualiza na prática é um mundo totalmente diferente daquele pretendido pelo constituinte.
Em estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, Paula Bajer Fernandes Martins da Costa alerta para o cenário caótico vivenciado pelo sistema carcerário brasileiro, relembrando que foi necessário que a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitisse medidas obrigando o Brasil a assumir providências a fim de assegurar a integridade física das pessoas sujeitas à custódia estatal em diversos presídios e penitenciárias brasileiros.
Rememora, ainda, a autora, os episódios ocorridos no ano de 2017 em diversos presídios da região Norte do país, onde a barbárie, ocasionada principalmente pela superlotação dos estabelecimentos prisionais, chegou ao limite, eclodindo em diversas rebeliões e execuções no interior do cárcere.
Assim, em sendo o Poder Público totalmente ineficiente na manutenção da integridade física e moral dos presos, conforme estipula a Constituição da República, outra alternativa não há ao Poder Judiciário senão reconhecer tal situação, o que já ocorreu por meio da ADPF 347, e atuar energeticamente como protetor dos direitos fundamentais e efetivar tais direitos, levando-se em conta sua missão constitucional de protetor do indivíduo frente ao poder punitivo estatal.
Diante de todo o exposto, conclui-se que, em face do caos carcerário atualmente enfrentado em todo o território nacional, medidas desencarceradoras como a cumprimento de pena em prisão domiciliar são essenciais para a manutenção de um respeito mínimo aos direitos fundamentais das pessoas submetidas à tutela do Estado.
Outrossim, tal medida, conforme restou demonstrado, não é possibilitada a todo e qualquer caso, devendo o apenado ou preso provisório preencher requisitos mínimos para a concessão da benesse, os quais, porém, devem ser sopesados pelo Poder Judiciário sempre em benefício ao indivíduo, conferindo maior valor a liberdade individual do que ao poder punitivo estatal, aplicando-se, portanto, interpretações extensivas aos requisitos subjetivos da concessão da prisão domiciliar.
REFERÊNCIAS
COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da. O sistema carcerário brasileiro entre 1992 e 2017. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 25, n. 298, p. 12-13., set. 2017. Disponível aqui. Acesso em: 16 mai. 2018.
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 186.