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Prisão em flagrante: quais decisões o juiz pode tomar após a apresentação do preso?

A prisão em flagrante, como já se sabe, é uma medida de natureza administrativa, insuficiente, portanto, para manter alguém preso por tempo indeterminado. Em outros dizeres é uma medida pré-cautelar: é preparatória, e antecede a decretação de uma medida cautelar propriamente dita.

Assim, ocorrendo um flagrante, o indivíduo não poderá ficar preso, única e exclusivamente, em razão do seu estado de flagrância, independentemente do tipo do flagrante, não importando se ele foi capturado em virtude de um flagrante próprio ou impróprio, pois em qualquer das hipóteses o flagrante será insuficiente.

Desse modo, o auto de prisão em flagrante deverá ser submetido ao juiz competente, em tempo hábil, para que ele decida sobre a liberdade do sujeito passivo nos termos do art. 310 do código de processo penal.

Ocorre que com a edição da resolução de n° 213 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que introduziu as audiências de custódia nas comarcas brasileiras, passou a se exigir a apresentação do preso ao juiz, de forma que o simples envio do auto de prisão em flagrante, como ocorria anteriormente, tornou-se insuficiente.

Assim, a resolução do CNJ, ao exigir a presença física do indivíduo preso em flagrante delito – e não mais a simples apresentação do auto de prisão em flagrante –, tornou a decisão judicial mais humana, pois passou a ser fundamentada levando-se em consideração aspectos concretos.

Dessa forma, é correto afirmar que a primeira parte do parágrafo primeiro, do artigo 306, do código de processo penal, encontra-se em desuso, pois, conforme já dito, hodiernamente, exige-se a presença física do acusado nas audiências de custódia (audiência que decidirá sobre a manutenção ou não da prisão), não sendo suficiente, portanto, o mero encaminhamento em até 24 horas do auto de prisão em flagrante ao juiz, como ocorria antigamente, para que o mesmo decida acerca da manutenção ou não da prisão.

Vale ressaltar ainda que o preso deve ser apresentado à autoridade judicial em até 24 horas, o que altera bastante a sistemática anterior, pois, ao se exigir a apresentação física do indivíduo flagranteado, estipulando-se um lapso temporal para isso, faz com que o juiz seja “obrigado” a analisar e decidir o caso de forma mais rápida.

Cenário totalmente oposto do que acontecia antigamente, pois, antes da implementação das audiências de custódia, os juízes recebiam os autos do flagrante e demoravam a decidir acerca da manutenção ou não da prisão.

O prazo de 24 horas que havia era apenas para que os autos fossem encaminhados ao juiz, não havendo, portanto, qualquer menção na lei de prazo para que uma decisão fosse prolatada.

Ademais, o fato dessa decisão ser tomada sem que o juiz tenha tido um contato pessoal e pretérito com o preso tornava a decisão desumana, já que o único contato que o juiz tinha com o “processo” era com os papéis.

Nota-se assim que o juiz, durante a audiência de custódia, deve ter uma postura garantista, devendo analisar as possíveis irregularidades ocorridas antes, durante e após a prisão em flagrante.

Para isso, deve analisar se os direitos fundamentais do preso foram preservados, bem como verificar se o preso foi vítima de tortura ou maus-tratos. Ou seja, o juiz fica incumbido de verificar todos os aspectos do flagrante, tantos os materiais, quanto os formais, sanando, sempre que possível, as irregularidades.

Partindo-se dessa premissa, o artigo 310 do código de processo penal deve ser interpretado da que maneira? Após a apresentação do preso em flagrante o que o juiz pode fazer?!

A resposta é simples: após a apresentação do preso o juiz ou relaxa o flagrante, ou o converte em preventiva, ou então concede a liberdade provisória com ou sem fiança, podendo ainda conceder a liberdade provisória ao acusado que agiu acobertado por uma excludente de ilicitude, desde que condicionada ao comparecimento do acusado a todos os atos processuais.

O relaxamento da prisão em flagrante cabe apenas nos casos em que o flagrante é ilegal, seja material ou formalmente ilegal. A ilegalidade de cunho formal se verifica quando são descumpridas algumas das formalidades previstas, por exemplo, no artigo 306 do código de processo penal. Assim, quando não é entregue a nota de culpa ao preso, ou quando um familiar, ou uma pessoa indicada pelo preso não é comunicada da prisão do mesmo, a ilegalidade formal estará verificada.

A ilegalidade material, por sua vez, pode ser evidenciada, nos casos, por exemplo, de flagrante forjado, preparado e provocado, que são situações nas quais o flagrante é ilícito, invalido, pois possui um vício de índole material. Ainda no que tange a ilegalidade material, ela pode ser verificada também nos casos em que há solução de continuidade na perseguição daquele que está em estado de flagrância.

Em contrapartida, a liberdade provisória será sempre concedida nos casos em que o flagrante for legal, tanto materialmente, quanto formalmente, e não for caso de conversão do flagrante em prisão preventiva.

Em suma, teremos a liberdade provisória sempre que prisão em flagrante foi lícita; legal, e não for caso de prisão preventiva. A  liberdade provisória poderá ser concedida ainda com ou sem fiança.

No que tange a hipótese de concessão de liberdade provisória mediante o comparecimento do acusado a todos os atos do processo, vale ressaltar que não se exige a prova cabal de que o acusado agiu acobertado por uma excludente de ilicitude, basta que haja indícios mínimos.

LOPES JR. (2013) assevera que, no processo penal, ao imputado não se atribui carga probatória alguma, assim não se exige que o acusado prove que agiu acobertado por uma excludente de antijuridicidade, pois basta apenas que haja fumaça de excludente de ilicitude para que a probabilidade de ocorrência do crime reste enfraquecida.

Por fim, temos como última hipótese, a conversão do flagrante em prisão preventiva. Inicialmente cumpre mencionar que a conversão do flagrante em preventiva só é cabível caso estejam presentes os elementos do artigo 312 do código de processo penal, quais sejam, fumus comissi delicti e periculum libertatis.

Nas palavras de LOPES JR. (2013), a conversão da prisão em flagrante em preventiva não se dá de forma automática, bem como não se dá sem fundamentação. Os elementos que autorizam a preventiva devem estar presentes para que se possa fazer essa conversão.

Nota-se que não é uma mera conversão, pois se exige fundamentação, como também a presença dos elementos que autorizam a preventiva. Valendo ressaltar ainda que, em sendo caso de conversão do flagrante em preventiva, o juiz deverá analisar se há a possibilidade de concessão de uma medida cautelar diversa da prisão para aquele, pois, caso não seja, a prisão preventiva será necessária para tutelar o processo.

Ante o exposto, surge o seguinte questionamento: o juiz pode converter o flagrante em preventiva de ofício mesmo sem o requerimento do parquet? A resposta é negativa.

LOPES JR. (2013) diz que essa conversão de ofício pelo juiz é equivalente a decretação da prisão preventiva de ofício. E assim sendo, além de clara violação ao sistema acusatório, que sugere a imparcialidade do órgão julgador, há violação ao artigo 311 do código de processo penal, que autoriza a decretação de ofício da prisão preventiva apenas na fase processual.

No cenário atual, nota-se que, com as audiências de custódia e a atuação garantista do juiz, a conversão de ofício do flagrante em preventiva, sem que tenha havido requerimento do Ministério Público, é algo inconcebível, pois é uma afronta ao sistema acusatório e a imparcialidade do juiz que, por sua vez, deve permanece alheio, atuando de ofício apenas no intuito de fazer valer as garantias constitucionais do acusado.

Por fim, conclui-se que o juiz, ao final da audiência de custódia pode decidir de cinco maneiras distintas. Ele pode:

a) relaxar o flagrante, em caso de ilegalidades, determinando a imediata soltura do imputado;

b) converter o flagrante em preventiva, caso estejam presentes os elementos que autorizam a prisão preventiva, e caso não seja possível a decretação de alguma medida cautelar do artigo 319 do código de processo penal;

c) decretar uma medida cautelar alternativa, de forma isolada ou cumulada, caso estejam presentes os elementos da preventiva, e desde que a restrição seja necessária e adequada, devendo-se sempre ter em mente que quem pode o mais (converter o flagrante em preventiva) pode também o menos (decretar uma medida cautelar alternativa ao invés de converter o flagrante em prisão preventiva);

d) conceder a liberdade provisória com ou sem fiança;

e) conceder a liberdade provisória ao acusado que agiu acobertado por uma excludente de ilicitude, desde que condicionada ao comparecimento do acusado a todos os atos processuais.


REFERÊNCIAS

LOPES JR, Aury. Prisões Cautelares. 4 ed. São Paulo. Saraiva. 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade: de acordo com a Lei 12.403/2011. 3 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2013.

Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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