ArtigosDireito Constitucional

A prisão (ainda) é um mal necessário

A prisão (ainda) é um mal necessário

Sem dúvidas, a prisão (ainda) é necessária em nossa sociedade, um mal inevitável na nossa atual evolução social e por isso temos que rever a forma como a utilizamos.

E mais, você deve concordar comigo quando digo que “prisão” é um tema que nunca sai de moda (isso, é claro, depois que passamos a utilizar esse modelo como forma de punir criminalmente uma pessoa que infringiu normas penais).

Provavelmente, antes da prisão assumir o papel principal no cumprimento de pena, discutiríamos sobre queimar pessoas vivas em praças públicas, esquartejar ”inimigos” e espalhar os membros por aí, além de outras formas desumanas de punir indivíduos.

Mas ainda bem que superamos essa fase e, assim, “já” podemos falar sobre a prisão.

É claro, evoluiremos e, assim, chegará o dia em que superaremos esse modelo, que já se mostra ineficiente para o fim proposto, e, enfim, não precisaremos mais dessa forma tão primitiva de “aprendizado”.

Digo “aprendizado”, pois supõe-se que a prisão visa no fim das contas ensinar valores ao indivíduo que desvia sua conduta dos limites preestabelecidos pelo Estado.

Imaginar que o único ou mais importante objetivo da prisão é punir aquele que pratica uma conduta tipificada como criminosa é, na minha visão, retirar dela qualquer possibilidade de intervir diretamente no problema, de buscar uma melhora dos fatores que influenciaram o indivíduo a delinquir.

Acredito, como disse antes, que chegará o momento em que superaremos esse modelo e adotaremos algo mais humano e menos animal (se já não é possível manter nem mesmo um animal doméstico acorrentado durante todo o dia, o que se dirá de um ser humano?).

Todavia, esse é um passo que ainda é difícil de ser dado na nossa atual condição evolutiva, apesar de ser algo que deve ser trabalhado desde já, só que como forma de preparação para a chegada dessa hora.

Portanto, se ainda necessitamos desse modelo, precisamos fazer dele uma forma de aprendizado. A experiência da prisão deve possibilitar ao indivíduo que está preso uma evolução, mesmo que para isso uma das consequências seja a restrição da sua liberdade.

Veja que não falo sobre ser função da prisão evoluir o indivíduo, pois não cabe ao sistema essa tarefa, mas ele deve ofertar condições que possibilitem essa evolução, evolução essa que depende, é claro, da vontade daquele que é submetido a prisão.

Entretanto, como tentar uma evolução se “Ratos, baratas e doenças como sarna, HIV, tuberculose e sífilis são comuns em presídios brasileiros”?

Quer ver um exemplo claro de como não queremos usar não usamos a prisão como forma de educação? O presídio da cidade em que trabalho, uma unidade de detenção provisória, foi construído para uma capacidade total de aproximadamente 500 internos (e conta com cerca de 800), só que desde o projeto (que não faz muito tempo) foi estabelecido que só seriam ofertadas 44 vagas de ensino.

Pera lá, tem alguma coisa muito errada nisso.

Como que, em uma realidade onde:

- grande parte daqueles que se encontram presos estão lá em decorrência de prisão provisória (Relatório do CNJ aponta que, a cada três presos no país, um é provisório), chegando a ficar 03 anos ou mais nessa condição (depende, dentre outros fatores, do crime que é acusado de praticar), a grande parte fica cerca de 10 meses, 01 ano;

- um em cada três indivíduos presos provisoriamente não é condenado a pena de prisão (1 em cada 3 presos não é condenado à cadeia ao fim do processo, diz estudo), logo, permanecem presos provisoriamente durante longo período e ao final, ou são absolvidos ou condenados a uma pena que não possibilita a prisão;

- a maioria não concluiu sequer o ensino fundamental (Levantamento mostra escolaridade dos presidiários no País), havendo, portanto, nítida, carência;

- a maior parte é tecnicamente primária (Um em cada quatro condenados reincide no crime, aponta pesquisa);

- …

- …

O presídio é construído com o total de vagas de estudo que representam menos de 10% da capacidade projetada para o local? E que, se levarmos em consideração a quantidade atual de pessoas, em torno de 800, as vagas de estudo representam cerca de 5%?

Por mais que se trate de um presídio de detenção provisória e que, em tese, a pessoa ficaria presa por um tempo menor (pois ou recebe alvará de soltura ou é transferido para uma unidade de cumprimento definitivo de pena), a realidade, como dito, é de presos que ficam anos presos provisoriamente e que não têm a oportunidade de, por exemplo, usar daquela experiência para completar seus estudos e voltar com mais chances para a rua.

Imagina a cena, a pessoa fica presa provisoriamente por 01 ano e 06 meses e, no final do processo, é absolvida (quem atua na área sabe que isso não é raridade).

Todo o tempo de prisão serviu pra quê? Quais as mudanças (evoluções) que ela carregará consigo após essa experiência?

Provavelmente, não tinha bases sólidas aqui fora antes de ser preso, foi retirado desse ambiente com a prisão, inserido em um outro modelo (o sistema prisional), sob a rígida custódia do Estado e, ao final, é posto em liberdade e recolocado naquela situação fragilizada do inicio, em condições ainda piores, sem ter dado a ele nenhuma possibilidade, se não por meio exclusivo da punição, de retornar com mais chance.

Será que ter dado a ele durante o período que ficou preso provisoriamente 22h de cela por dia é utilizar esse modelo de forma que se torne uma aprendizagem? É desestimular de alguma forma no agente que infringiu a “vontade” de delinquir novamente?

Repito, por mais que ainda sejamos primitivos o suficiente para necessitar da prisão, temos que, no mínimo, fazer dela uma experiência que traga melhoras para a sociedade, intervindo no indivíduo, dando a ele condições de “voltar pra rua” em melhores condições àquelas anteriores à prisão.

E é claro, precisamos mais do que prisão, necessitamos de políticas públicas variadas e efetivas que transformem a sociedade, trazendo aos integrantes desse grupo social a certeza de que não há necessidade de delinquir, agindo, assim, antes da prática delitiva e não depois, como forma de remediar o problema. Não seria melhor atuar para que não se chegue ao problema?

Mas isso, infelizmente, é coisa a longo prazo e até lá ainda prenderemos muita gente, mas em quais condições? Para quê?

Um grande abraço e até a próxima semana!

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo