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Prisão penal e prisão cautelar: caso José Dirceu

Por Francisco Sannini Neto

A prisão do ex-Ministro, José Dirceu, vem gerando uma certa celeuma no meio jurídico, que, desde então, passou a discutir sobre a legalidade do procedimento,  uma vez que ele já cumpria pena domiciliar pelos crimes verificados na ação penal 470, mais conhecida como o processo do Mensalão.

Primeiramente, é preciso estabelecer uma premissa básica: prisão penal não se confunde com prisão cautelar. A primeira decorre de uma sentença condenatória com trânsito em julgado, sendo que a segunda modalidade é utilizada durante o processo, vale dizer, antes do trânsito em julgado, respeitados os seus fundamentos de validade.

O problema, no caso, é que José Dirceu cumpria sua pena em regime domiciliar, o que, em tese, não impediria a prática de outros crimes. Aliás, é bom que se diga, nem a pena cumprida em regime fechado é capaz de impedir a prática de novos crimes. Ao contrário, é muito comum que ações criminosas sejam comandadas de dentro dos estabelecimentos prisionais através de aparelhos de telefone celular. Isso para não mencionar as infrações penais cometidas no interior das penitenciárias (v.g. um detento mata o outro).

Nesse contexto, não há óbice para a decretação da prisão cautelar de um investigado que já cumpre pena, seja em regime domiciliar ou no sistema carcerário. Para tanto, basta que estejam presentes os fundamentos legais para a adoção desta medida. É justamente nesse ponto que aparece a dificuldade em se justificar a decretação de uma prisão cautelar, uma vez que, se o investigado já está preso, é muito difícil que ele coloque em risco os bens jurídicos previstos no artigo 282, inciso I, do CPP[1], que servem de base para a adoção de qualquer medida dessa natureza[2].

Ocorre que no caso em análise, considerando que o suspeito cumpria pena em regime domiciliar, é facilmente justificável a decretação de sua prisão temporária, com fundamentos próprios, visando, entre outras coisas, assegurar a investigação criminal e evitar a prática de novas infrações, pois, no cárcere, ele certamente encontrará mais dificuldade para agir, seja para destruir provas ou praticar outros ilícitos. Vale esclarecer, outrossim, que também é possível (e muitas vezes recomendável) a decretação de prisões cautelares simultâneas. Por exemplo, se uma pessoa é investigada por um homicídio e tem sua prisão preventiva decretada, nada impede que seja decretada outra prisão cautelar pela prática de um roubo anteriormente ocorrido, haja vista que o suspeito pode, a qualquer momento, ser beneficiado com a liberdade, o que, nesse contexto, coloca em risco a ordem pública e os interesses dessa outra investigação.

No que se refere à pena que era cumprida por Dirceu em decorrência do “Mensalão”, é possível que ocorra o fenômeno da “regressão”, que representa a transferência do condenado para um regime mais severo do que aquele em que se encontra.

A regressão está prevista no artigo 118, da Lei de Execuções Penais, sendo que uma de suas hipóteses legais é, justamente, a prática de novo fato definido como crime doloso (art.118, I). Assim, é preciso saber se o suspeito praticou outro crime ou se os fatos que lhe são imputados foram praticados antes da condenação, o que, aliás, também influenciará na caracterização ou não da reincidência. Nesse ponto, é mister consignar que o dispositivo em análise é criticado por parcela da doutrina, que questiona sua constitucionalidade. Rogério Greco afirma que “deve ser esclarecido que a primeira parte do inc. I do art.118, segundo entendemos, não foi recepcionada pela Constituição Federal. Isso porque o legislador constituinte, de forma expressa, consagrou em nosso Texto Maior o princípio da presunção de inocência, asseverando, em seu art.5°, LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.[3]

Assim, o autor conclui que no caso de fato definido como crime a regressão só poderá ocorrer se houver decisão definitiva a respeito da infração levada a efeito pelo condenado.

Destaque-se, por fim, que a regressão também poderá ocorrer em virtude de nova condenação cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime. Aqui, pouco importa se o crime foi praticado antes ou após a progressão. Superado o limite legal, a regressão se impõe. Tendo em vista que as sentenças da operação “Lava-Jato” estão sendo severas, é muito provável que José Dirceu seja transferido para o regime fechado caso seja condenado.

Em conclusão, deixamos uma reflexão. Sabe-se que a operação “Lava-Jato” vem expondo de maneira mais acentuada as mazelas do PT, partido que governa o país há mais de uma década. Nesse sentido, é natural que a população se divida entre os simpatizantes do partido e seus opositores. Por óbvio, a prisão de um dos “homens fortes” do PT foi muito festejada por alguns, o que fez com que uma doutrina penalista mais garantista se manifestasse contra esse tipo de “comemoração”, sob o argumento de que a prisão de uma pessoa jamais poderia ser comemorada. Com a devida vênia, parece-nos que quando um criminoso é preso, os operadores do Direito e os cidadãos de um modo geral, não comemoram sua prisão, mas a concretização da justiça! Não podemos nos esquecer de que cada medida cautelar deferida durante as investigações passa pelo filtro do Poder Judiciário e as instituições públicas envolvidas merecem o nosso respeito.

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[1]  Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais.

[2] Para um estudo mais profundo sobre o tema, recomendamos: SANNINI NETO, Francisco. Inquérito Policial e Prisões Provisórias. São Paulo: Ideias e Letras, 2014.

[3] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. p. 133.

_Colunistas-FranciscoNeto

Francisco S. Neto

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos. Delegado.

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