Prisão preventiva e a banalização da garantia da ordem pública
O Código de Processo Penal, em seu capítulo III, aborda a prisão preventiva, espécie de medida cautelar mais típica no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como fundamentos específicos para sua decretação os elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal:
a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime ou indício suficiente de autoria.
Na realidade em que vivemos, a maioria das decisões que decretam a medida cautelar preventiva apresentam como fundamentação a garantia a ordem pública, sendo uma expressão extremamente vaga e indeterminada, gerando controvérsias na doutrina e na jurisprudência quanto ao seu real significado (Lima, Renato Brasileiro de, 2018).
Desta forma, cabe salientar que não há um entendimento jurisprudencial concreto sobre o que seja a garantia da ordem pública. Outrossim, é questionável a sua consonância com a Constituição Federal, especialmente quando se refere ao princípio da presunção de inocência.
Por conseguinte, as expressões empregadas para endossar a ordem pública, como o “clamor público”, a existência de um “abalo social” ou a “credibilidade das instituições” (Lopes JR, Aury, 2016) não podem ser considerados razões para determinar uma segregação cautelar, visto que fazem referência a circunstâncias puramente abstratas.
Desse modo, nota-se que, quando há uma prisão com fundamentação na garantia da ordem pública, ou seja, um instituto vago que não possui fundamentação, figura como uma modalidade de cumprimento antecipado de pena (Lima, Renato Brasileiro de, 2018). No caso, viola o princípio da presunção de inocência e o do devido processo legal, pois a prisão preventiva possui caráter provisório e de finalidade processual, mas atualmente dela se utilizam para realizar a execução antecipada da pena, sem que haja uma sentença penal condenatória transitada em julgado.
Outrossim, vale ressaltar que a regra do ordenamento jurídico de forma harmônica com o texto constitucional é a liberdade em virtude do princípio da presunção de inocência, tendo a prisão como uma medida excepcional, devendo ser utilizada unicamente em situações que, de forma fundamentada, não será possível a aplicação de outras medidas cautelares. Lamentavelmente, ao permitir que à fundamentação da prisão preventiva seja por meio do instituto da garantia da ordem pública, assistimos a um retrocesso jurídico, pois na teoria é considerada uma medida de caráter excepcional, embora na prática seja uma medida imediata.
Por fim, diante dessa pandemia, o Conselho Nacional de Justiça determinou, mediante a resolução nº 62, que os magistrados devem analisar os decretos prisionais e conceder a prisão domiciliar nas situações cabíveis. Inúmeros decretos prisionais de caráter preventivo foram convertidos em prisão domiciliar por meio de monitoramento eletrônico. Em muitos deles, as prisões cautelares estavam fundamentadas exclusivamente na garantia da ordem pública.
REFERÊNCIAS
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6. ed. Salvador: Juspodvim, 2018.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo : Saraiva, 2016.
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