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Prisão preventiva e contemporaneidade dos fatos

Prisão preventiva e contemporaneidade dos fatos

A prisão preventiva, no ordenamento jurídico pátrio, é considerada medida excepcionalíssima, devendo, pois, restringir-se àqueles casos em que estejam suficientes demonstrados os requisitos inerentes às cautelares e para os quais a aplicação de medidas diversas da prisão (art. 319 do CPP), isoladas ou cumulativamente, se mostre inadequada ou insuficiente. Ou seja, a prisão cautelar deverá ser adotada como ultima ratio, priorizando-se a aplicação de medidas cautelares menos gravosas, sempre que possível (BRASILEIRO DE LIMA, 2017, p. 839).

Aqui, quando fazemos menção à existência dos requisitos inerentes às cautelares, nos referimos àqueles previstos nos artigos 313 (requisitos de admissibilidade) e 312 do Código de Processo Penal, estes denominados periculum libertatis (existência de risco concreto para a ordem pública, para a ordem econômica, para a aplicação da lei penal ou para a conveniência da instrução criminal) e fumus comissi delicti (existência de materialidade e indícios suficientes de autoria, bem como a demonstração do risco da permanência em liberdade de tal indivíduo poderá gerar).

Desta forma, a decretação da constrição preventiva se limitaria àqueles casos bastante específicos em que haja prova inequívoca acerca da materialidade do crime e indício suficiente de autoria, bem como em que esteja significativamente demonstrado o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, demandando a aplicação da medida cautelar extrema para o resguardo da ordem pública ou da ordem econômica, pela conveniência da instrução criminal ou para garantir a aplicação da lei penal.

Porém, no dia a dia forense, tornou-se costumeiro que nos deparemos com decisões absolutamente carentes de fundamentação e que não observam os requisitos inerentes às medidas cautelares, baseando-se, inclusive, em fatos longínquos e pretéritos à ordem de prisão, fugindo do caráter emergencial e da função instrumental das cautelares. 

Entretanto, a partir da vigência da Lei nº 13.946/2019, que incluiu o §2º, no artigo 312, e o §1º, no artigo 315, ambos do Código de Processo Penal, ergue-se como condição à decretação da prisão preventiva – ou de medidas cautelares diversas – a contemporaneidade dos fatos imputados, sendo que, muito embora tal limitação já possuísse tímido reconhecimento na jurisprudência dos Tribunais Superiores, sua imprescindibilidade somente foi positivada na legislação processual a partir da entrada em vigor da supramencionada lei, também conhecida por “pacote anticrime”.

Por contemporaneidade dos fatos, podemos considerar a proximidade do lapso decorrido transcorrido entre o delito cometido e a ordem para decretação da prisão preventiva. Ou seja, o curto espaço de tempo transcorrido desde o momento em que o fato criminoso ocorreu e o momento em que o magistrado, por decisão devidamente fundamentada, determinou a expedição do mandado de prisão preventiva em relação ao indivíduo contra quem pesam os indícios de autoria.

Assim, em havendo passado significativo lapso temporal entre o fato imputado e a decretação da prisão preventiva, teremos a ausência de contemporaneidade, incidindo a ordem de constrição cautelar em flagrante ilegalidade, uma vez que o caráter instrumental e de urgência intrínseco às medidas cautelares visa à tutela de situações fáticas atuais ou iminentes, as quais demonstrem os riscos que determinado indivíduo, estando em liberdade, acarretará à efetividade do processo principal.

Afinal, as medidas cautelares têm como finalidade garantir a regular instrução do processo de conhecimento e a efetividade deste, servindo como verdadeiro instrumento a serviço do processo principal (LOPES JR., 2013, p. 108).

 Ou seja, as cautelares têm como característica a instrumentalidade, visto que sua finalidade não está em promover a justiça, pois essa função é exclusiva do processo principal, mas, sim, em assegurar a eficácia do procedimento definitivo.

Desta forma, é possível concluir que a constrição cautelar se volta à resguardar risco atual ou iminente que decorre do estado de liberdade do acusado, dando efetividade ao processo de conhecimento, de maneira que, não havendo fatos novos e que demonstrem efetivamente o perigo inerente à liberdade do acusado, não há se falar em existência do periculum libertatis.

Assim sendo, torna-se descabida a decretação da prisão preventiva, uma vez que a medida se aplicaria como meio de impor o cumprimento antecipado de pena, fugindo do caráter emergencial e da função de instrumentalidade das cautelares, bem como violando frontalmente ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Ou seja, a importância da presença de contemporaneidade nos fatos imputados apresentados na decisão que decreta constrição cautelar está intimamente atrelada à necessária delimitação do periculum libertatis no tempo, haja vista a tutela situacional das medidas cautelares e por este ser fundamento inerente à própria imposição da constrição cautelar.

Neste ponto, impende mencionar que, por conta do princípio da provisionalidade, também natural às medidas cautelares, exige-se o reexame periódico acerca da permanência do suporte fático que ensejou a decretação da constrição cautelar, exatamente por conta do caráter situacional da medida, sendo que se contatado o desaparecimento do fumus comissi delicti e/ou do periculum libertatis, a revogação da prisão preventiva será regra impositiva (LOPES JR., 2016.).

Por fim, importa referir que, conforme se extrai da jurisprudência dos Tribunais Superiores, nem mesmo o nível elevado de gravidade do fato apurado terá o condão de afastar a imprescindibilidade de existência de contemporaneidade entre a data do delito e do decreto prisional, exatamente em razão do caráter emergencial das medidas cautelares, que tutelam, como já mencionado, situações fáticas atuais ou iminentes.

Assim sendo, conclui-se que, a inexistência de contemporaneidade na decisão que decreta a prisão preventiva torna absolutamente descabida e injustificada a aplicação da constrição cautelar, transformando-a, como referido anteriormente, em um meio de aplicação antecipada da pena, o que é absolutamente contrário à jurisprudência e à doutrina hodiernas, conduzindo o decreto prisional à inegável ilegalidade.


REFERÊNCIAS

BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de processo penal: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

LOPES JR., Aury. Prisões cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.


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Andrey Moreira

Advogado Criminalista e Especialista em Direito Penal e Processual Penal

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