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Prisão preventiva: “futurologia” do risco de reiteração e a garantia da ordem pública

Prisão preventiva: “futurologia” do risco de reiteração e a garantia da ordem pública

Olá, pessoal. Neste artigo quero discutir sobre o instituto da prisão preventiva notadamente quanto ao uso da “futurologia” do risco de reiteração delitiva e da garantia da ordem pública como fundamento.

Aprendemos que a privação da liberdade é o ultimo recurso a ser utilizado durante a persecução penal, como medida cautelar, diante da maciça estigmatização e segregação que esta corresponde.

Todavia, esta não é a realidade brasileira. Em grande parte dos processos em que atuo, por exemplo, as decisões que impõem a prisão preventiva durante a persecução são frequentes e habituais, comumente justificadas pela garantia da ordem pública e pela presunção de que o acusado irá reiterar condutas criminosas.

Dados divulgados pelo G1 afirmam que os presos provisórios chegam a representar 35,9% da massa carcerária atingindo 252.533 pessoas! Situação insustentável diante da dinâmica do Estado Democrático de Direito que impõe uma única presunção: a de inocência!

No Brasil, a presunção de inocência está expressamente consagrada no artigo 5º da Constituição Federal, sendo o princípio reitor do processo penal. Nas palavras de Aury Lopes Jr (2018),

É um princípio de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos. Essa opção ideológica (pois eleição de valor), tratando-se de prisões cautelares, é da maior relevância, pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente (pois ainda não existe sentença definitiva) é altíssimo, ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro.

Seguindo esta lógica vamos analisar o instituto das prisões cautelares, notadamente a prisão preventiva.

Pois bem, o objetivo dessa medida é garantir o normal desenvolvimento do processo e, consequentemente, a eficaz aplicação do poder-dever de punir do Estado diante de uma conduta antissocial (penal) do acusado.

Para tanto é necessária à existência de “fumus commissi delicti” – prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria – “periculum libertatis” – perigo que decorre do estado de liberdade do acusado – além da extrema necessidade da medida.

Para que possamos afirmar que há uma probabilidade razoável do “fumus commissi delicti” é preciso averiguar se existem sinais externos, com suporte fático real, que assegurem a existência de uma conduta aparentemente típica, ilícita e culpável.

Isso significa dizer que não haverá prisão preventiva sem a prova desses três elementos – por isso a importância do advogado verificar todos os elementos que integram o tipo penal (conduta humana voluntária, dirigida a um fim, presença de dolo ou culpa, resultado, nexo causa e tipicidade) – como, por exemplo, quando é constatada a inexistência do dolo.

Em relação ao “periculum libertatis” a prisão preventiva exige uma situação de perigo ao normal desenvolvimento do processo – representada pela garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal – que justifique a medida cautelar.

A questão é que conceitos como “garantia da ordem pública” são vagos e indeterminados sendo o fundamento preferido para decretação da preventiva.

Ordem pública pode representar “clamor público”, “perturbação da tranquilidade”, “gravidade do delito”, “credibilidade das instituições”, “risco de reiteração de condutas criminosas”, ou seja, impõe a prisão como solução para todos os problemas decorrentes de uma sistema legislativo, judiciário e executivo caótico.

A prisão preventiva se transformou em um instrumento de política criminal, utilizado pelo Estado, exercendo a função de uma espécie de cumprimento antecipado de pena – prevenção geral e especial – o que é incompatível com a sua real função, isto é, servir de instrumento a serviço do processo.

Isso é uma nítida violação dos princípios do devido processo legal e da presunção de inocência em nome de uma inaceitável justiça sumária.

Para Aury Lopes Jr (2018),

é inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar a alarma social, e, por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança, sem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção, nem o Estado, enquanto reserva ética, pode assumir esse papel vingativo.

Ademais, o exercício de vidência por parte dos magistrados – “futurologia” do risco de reiteração criminosa – reforça a cultura jurídica de que as instituições dependem da prisão de pessoas para o seu bom funcionamento. A função de polícia não é objeto do processo penal, e sim, uma obrigação que deve ser exercida por aqueles indicados pela Constituição Federal.

A prisão para garantia da ordem pública pautada no perigo de reiteração reflete um direito penal voltado para condutas futuras, ou seja, punir alguém antecipadamente por aquilo que ainda nem mesmo aconteceu.

É preciso que haja uma desconstrução desse paradigma realçando o caráter excepcional da prisão provisória e a real função das medidas cautelares.

Existem outras medidas restritivas que poderiam ser aplicadas – muito menos onerosas do que a segregação antecipada do acusado – que cumpririam sua função de modo eficaz, como o monitoramento eletrônico ou prisão domiciliar (ver artigo 319 CPP).

E quando e como poderíamos usar a medida cautelar diversa da prisão?

  1. A qualquer tempo quando se fizer necessária à medida de controle;
  2. A qualquer tempo como medida alternativa à prisão preventiva decretada, diante da desproporcionalidade ou desnecessidade da prisão ante a situação fática de perigo;
  3. Juntamente com a liberdade provisória como medida de contracautela;

Concluindo, a prisão preventiva somente deve ser decretada quando, de forma fundamentada, for realmente necessária e proporcional. Isso quer dizer que a prisão cautelar exige a demonstração do “periculum libertatis” + “fumus commissi delicti” e não mera previsão do magistrado de que o acusado vai voltar a cometer novos delitos. Juízes não possuem “bola de cristal” para prever o que irá ou não acontecer, significando que a prisão não pode ser uma medida obrigatória ou automática, como vem ocorrendo rotineiramente.

Esta deve atender sua função principal – assegurar o processo – e se, durante o processo desaparecer completamente o requisito ou seu fundamento, deve o agente ser libertado.

Até a próxima semana!


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Cristina Tontini

Advogada criminalista

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