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O dilema da prisão preventiva na Lei Maria da Penha

O dilema da prisão preventiva na Lei Maria da Penha

É sabido que o intento da Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, é o de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, levando-se em consideração o fato de que a violência de gênero, atualmente, é tratada como um problema de saúde pública, em razão de seu crescimento exponencial nos últimos anos. 

Neste contexto, adveio a obrigação do Poder Público, em um conjunto articulado de ações envolvendo a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em desenvolver políticas públicas que visem a garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares, no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

A propósito, violência doméstica, nos termos do art. 5º da supracitada Lei, configura-se como sendo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher, morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e ainda dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou até mesmo em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, ainda que sem coabitação  

Dentre as inúmeras inovações trazidas com o advento da Lei 11.340/2006, as medidas protetivas de urgência, expressamente previstas no artigo 19 do referido diploma legislativo, devem ser entendidas como um dos principais mecanismos, de natureza satisfativo, para garantir a cautelaridade que requer a mulher em dado momento, salvaguardando esta de qualquer submissão à violência física, psicológica, patrimonial, sexual ou moral.  

O magistrado, ao receber o expediente apartado de medidas protetivas de urgência deverá decidir, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas sobre o deferimento ou não das medidas cautelares. O deferimento das medidas de urgência poderá ser realizado liminarmente, sem qualquer oitiva prévia do suposto agressor ou Ministério Público, exatamente para dar assegurar a imediaticidade e finalidade flagrante do procedimento protetivo.  

Nesse contexto, há, inclusive, a possibilidade da decretação da prisão preventiva, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, de ofício, a requerimento do “Parquet” ou mediante representação da autoridade policial, conforme o artigo 20 da Lei 11.340/06.

Ou, ainda, conforme o artigo 313, III do Digesto Processual Penal, admitir-se-á a decretação da prisão preventiva se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Contudo, reside aqui, dentre vários, um dos principais pontos que devem ser analisados com máxima cautela, merecendo uma atenção diferenciada.  

A prisão preventiva possui natureza cautelar, objetiva resguardar a ordem pública, econômica, a conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal, decretada por ordem escrita e fundamentada, desde que presentes os fundamentos do “fumus comissi delictientendido como prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, bem como o “periculum libertatis do agente, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.   

De igual maneira, além dos pressupostos acima elencados, devem ser observadas as condições de admissibilidade previstas no artigo 313 do Código de Processo Penal. Contudo, no que tange à hipótese do art. 313, III, do CPP, interpreta-se o referido dispositivo no sentido de que, ainda que ausentes os requisitos dos incisos I e II, é possível a decretação da prisão cautelar do agressor como forma de garantir a execução das medidas protetivas já existentes.  

Trata-se de previsão providencial para assegurar a execução das medidas cautelares deferidas em favor das vítimas de violência no âmbito doméstico e familiar, razão pela qual a ausência de uma medida mais constritiva, restritiva da liberdade do agressor, poderia conduzir as demais medidas protetivas para o caminho da inocuidade.

Contudo, por tratar-se de medida extrema e excepcional, a prisão preventiva não pode ser experimentada a ponto de violar os princípios da necessidade e razoabilidade.  

A questão crucial é: nem a Lei 11.340/06 ou tampouco o Código de Processo Penal consignam em seus respectivos corpos um limite temporal específico para a manutenção da medida cautelar. Logo, questiona-se: em que momento as medidas protetivas deferidas em favor da(s) vítima (s) estarão efetivamente asseguradas?

Por quanto tempo deverá permanecer segregado o acusado? Seria pelo período enquanto permanecerem motivos para garantir a saúde física, mental, psicológica, social e patrimonial da vítima e/ou até quando cessar a periculosidade da conduta do agressor? Mas quando o magistrado deterá elementos suficientes para realizar essa análise e reavaliar a necessidade da segregação cautelar?  

A ausência de parâmetros para responder aos questionamentos acima formulados acarreta uma inquietude singular, a saber: a prisão cautelar perdurará por tempo superior ao previsto no preceito secundário do tipo penal? Estaríamos falando de uma prisão com caráter de perpetuidade, em clara violação ao preceito constitucional do artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”?  

Consigne-se que é digno de louvor o intento do legislador ao prever a possibilidade de decretação da medida constritiva da liberdade como forma de assegurar a execução das medidas protetivas de urgência, quando as demais cautelares não se fizerem suficiente para o caso concreto.  

Contudo, considerando o volume de processos dessa e de outras naturezas que aportam às Varas Criminais diariamente, bem como a ausência de parâmetros que garantam com segurança elementos para que os magistrados decidam pela necessidade ou não do encarceramento preventivo do suposto agressor, exsurge-se uma intensa e justificada preocupação com os possíveis reflexos que uma prisão por tempo indeterminado poderá acarretar.  

Neste sentido, depreende-se da breve reflexão aqui assinalada, o quão tênue é a linha que separa a decretação da prisão preventiva para assegurar a execução das medidas de urgência e os princípios da necessidade e razoabilidade, certo de que deve ser realizada uma análise meticulosa e casuística, como verdadeira “última ratio 

José Daniel Criscolo Figueiredo

Advogado criminalista (MG)

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