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Prisão preventiva: regra ou exceção?

Prisão preventiva: regra ou exceção?

Nesta semana decidi usar este espaço tão importante que me foi concedido para tecer alguns comentários acerca de uma situação que todos nós, criminalistas, enfrentamos diariamente no exercício de nossa função: a figura da prisão preventiva.

Foi trabalhando em dois casos nos últimos dias que pude, definitivamente, chegar a uma triste conclusão: a liberdade deixou de ser a regra para se tornar exceção.

Inverteu-se o ônus. Agora cabe à defesa provar que a prisão cautelar é desnecessária, quando, em regra, o órgão acusador é que teria a incumbência de demonstrar ao Juízo que – ou o quanto, a liberdade do sujeito seria temerosa ao processo ou à sociedade.

Os pressupostos autorizadores da prisão preventiva tornaram-se argumentos genéricos e cada vez mais abstratos. Nada mais é analisado restringindo-se ao caso concreto. A gravidade do crime se tornou um argumento extremamente robusto nas decisões.

Não mais importa se o Réu é primário, possui ocupação lícita, endereço fixo e não ofereça qualquer risco à instrução do processo, caso venha a ser acusado do cometimento de crime relativamente grave, será, indubitavelmente, segregado.

Em alguns casos, temos decisões que sequer fazem menção às teses apresentadas pela defesa nos pedidos de restituição de liberdade, limitando-se apenas, a fundamentar a prisão na abstrata garantia da ordem pública e na aplicação da lei penal ou, em casos ainda mais graves, em doutrinas genéricas e jurisprudências que nada tem a ver com o caso concreto.

Lembro-me de um caso recente em que impetrei um Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, contra uma decisão que negou o pedido de trabalho externo de uma cliente que estava em prisão domicilia, alegando a necessidade do trabalho para sua subsistência e de sua filha.

A decisão, em caráter liminar, para minha surpresa foi a seguinte:

Não vislumbro ilegalidade na prisão, sendo assim, oficie-se ao Juízo para maiores informações.

Sim, meu pedido sequer foi lido, visto que eu não havia feito pedido de restituição de liberdade, nem mesmo fundamentado pela ilegalidade da prisão, apenas havia requerido a liberação da Paciente para trabalho externo. Mais um clássico caso do “copiar e colar” de decisões judiciais.

Não estou aqui para defender impunidade – longe disso, estamos, no cumprimento de nosso mister, tentando jogar o jogo conforme as regras pré-estabelecidas (CF, CPP e CP). O que acontece é que, cada vez mais, parece-me que elas mudaram sem que tenham sequer nos avisado.

Tornou-se comum presenciarmos casos de prisões preventivas que se alastram por mais de ano e que, após a condenação, o indivíduo é liberado com base no regime menos gravoso que irá cumprir sua pena – sobre o tema, publiquei um artigo neste canal – demonstrando o quanto foi desproporcional e desarrazoada a prisão cautelar.

Todavia, quando a tese da proporcionalidade e razoabilidade da prisão preventiva é apresentada ao magistrado – e quando analisada – é negada com base em pressupostos genéricos ou pior, fundamentando a prisão na manutenção da credibilidade do Poder Judiciário.

Sim, um fundamento que tem aparecido rotineiramente nas últimas decisões judiciais tem sido esse: assegurar o respeito e a preservação da credibilidade das instituições do Estado. Assegurar o respeito e a preservação da credibilidade das instituições do Estado?  De que modo?

Tratando prisão provisória como antecipação de pena. Pasmem-se! Não está aqui se discutindo sobre a efetividade da pena aplicada a determinados crimes. A questão é muito mais simples e lógica: antes da condenação, não há pena, portanto, somente em caráter excepcional haverá prisão.

Da análise de inúmeras decisões denota-se um problema na lei que de certa forma contribui com a situação em comento. No artigo 312 do Código de Processo Penal, o legislador trouxe termos extremamente abertos, o que acaba por propiciar uma grande margem para o poder discricionário do magistrado.

A questão é que o julgador primeiro decide e depois busca um  dispositivos para fundamentar sua decisão, quando deveria ser exatamente o contrário.

Contudo, em que pese as mencionadas brechas da lei, o problema é muito maior. O problema é sistemático. Vivemos em tempos de manifestos contra a “bandidolatria” – termo criado por pessoas que se autodenominam defensores da sociedade para designar profissionais do direito que trabalham na defesa criminal.

Vivemos numa época onde advogados criminais e defensores públicos da área são tratados como defensores da impunidade e parceiros do crime, tempos em que membros do Ministério Público vem buscando condenação a qualquer custo e usando a mídia e as redes sociais – o mercado mais barato de venda de informações, em prol da ideia de que “Desencarceramento mata”, colocando os defensores criminais como antagonistas do bem estar social.

Parece-me que é em razão desse equivocado pensamento e do aumento da criminalidade – o que nada tem a ver com a atuação do Poder Judiciário, onde grande parte dos magistrados – seres humanos que são – vem sendo contaminados e sendo levados a pensar que a sua tarefa é garantir a “não-impunidade” pela via da prisão preventiva e, dessa forma, tentando dar uma robustez e eficácia imediata a um instituto que deveria ser aplicado somente em casos excepcionais.

No dia em que o senso comum perceber que essa postura adotada por grande parte do Poder Judiciário poderá afetar diretamente a sua vida e de seus pares, talvez seja tarde demais.

Estamos traçando um caminho sem volta. As arbitrariedades judiciais vem se tornando cada vez mais presentes no nosso cotidiano, principalmente na esfera penal, onde deveria se primar pelo respeito às garantias.

As garantias não foram criadas para defender bandidos ou inocentes, mas sim para assegurar direitos a todos os cidadãos, independentemente da situação em que se encontram ou de quem sejam – filhos de desembargadores ou do seu Zé, dono do bar da esquina.

As normas foram criadas para serem seguidas por todos, inclusive por magistrados e promotores de justiça – justiça? O que ocorre é que muitas dessas normas não têm sido seguidas e para justificar o seu não cumprimento são trazidas fundamentações no campo da moral e da interpretação pessoal de cada um, ignorando que o Juiz traz consigo o dever de dizer a lei e não aplicá-la conforme a sua própria convicção.

Dito isso, quero ressaltar a importância do advogado militante na área criminal. Cabe a nós unirmos forças contra esse tipo de arbitrariedade. Nosso papel é defender as regras do jogo e somente isso.

Não se quer mais, nem menos. O que se busca, verdadeiramente, é o cumprimento da lei para que assim possamos ter um direito penal íntegro e digno de credibilidade, a qual tem sido defendida por muitos magistrados, mas que vem sendo perdida, dia após dia, com o desrespeito ao nosso ordenamento. Avante!

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