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Prisões pela ordem pública na modernidade líquida


Por Karla Sampaio


No artigo de hoje procuramos trazer à baila algumas mudanças vivenciadas pela sociedade contemporânea. É bastante óbvia a perda da sua identidade e a constante busca de valores que preencham o vazio mundial quanto a referências basilares de família estruturada, empregos vitalícios e relações duradouras. É a eterna sensação de bolsos vazios, diria Zygmunt Bauman.

De fato, a descrição do cenário sociológico universal (e a sua relação com o turboconsumismo como maneira de saciar as lacunas existenciais) mostra o quanto a sociedade se tornou imediatista, intolerante com a espera e com a negação. Incapaz de aguardar pela satisfação (fugaz) dos desejos, as pessoas se acostumaram ao débito em conta, às relações internéticas e impessoais. Não poderia ser diferente, tais alterações sociológicas trouxeram reflexos ao processo penal, mormente em casos de decretação de prisões preventivas pela ordem pública.

Não é de hoje que se percebe a enorme vagueza do termo “ordem pública”, pois carrega em si uma vastidão de significados, permitindo – nefastamente – decisórios pouco fundamentados e apartados de qualquer comprovação.

A par de estudos estatísticos, muitos são os julgados tratando do clamor público, do descrédito nas instituições públicas, da gravidade do delito ou ainda do perigo de reiteração delitiva: todos são argumentos travestidos de “ordem pública”, em especial porque influenciados pela sociedade modernamente líquida.

Infelizmente, são decisórios que afrontam o estado democrático de direito, a presunção de inocência e o devido processo legal. Corolário lógico é que vai incrementada cada vez mais a intolerância penal.

Grande dificuldade jurídica se verifica hodiernamente ao tentar conciliar a justiça rápida com a exigência da preservação dos direitos fundamentais do cidadão. Engana-se quem imagina a diminuição da criminalidade pelo direito da pressa, pois a justiça rápida nem sempre é justa: a liberdade é verbo sagrado.

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Karla Sampaio

Advogada Criminalista e Bacharel em Administração de Empresas. Especialista em Direito Penal e Direito Penal Empresarial, com atuação no RS e nos Tribunais Superiores, em Brasília.

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