‘O jurado absolve o acusado?’: o problema do quesito genérico
‘O jurado absolve o acusado?’: o problema do quesito genérico
Uma questão interessante no plenário do júri ocorre quando a defesa técnica alega, como única tese defensiva, a negativa de autoria, e mesmo após o reconhecimento da materialidade e autoria, os jurados respondem positivamente o quesito “o jurado absolve o acusado?”.
Com efeito, se a negativa de autoria era a única tese da defesa, após os jurados reconhecerem a autoria delitiva respondendo o quesito genérico “o jurado absolve o acusado?”, não haverá qualquer outra tese excludente de ilicitude ou culpabilidade. O júri estará nulo.
Essa assertiva resta evidenciada pela contradição, pois em seu interrogatório e nos debates através dos seus advogados, a Defesa suscitou como matéria de defesa EXCLUSIVAMENTE A NEGATIVA DE AUTORIA.
Com efeito, o art. 482, parágrafo único, do CPP, limita o poder do Juiz-presidente ao formular os quesitos defensivos ao interrogatório e à alegação dos advogados. Não podem os jurados julgarem pedidos não formulados pelas partes, sob pena da existência de julgamento extra petita, com clara inobservância do princípio da adstringência da sentença.
Entendimento diverso ao aqui preconizado levaria a nulidades em processos nos quais o réu foi reconhecido como autor de um crime de homicídio e, ainda assim, foi absolvido, mesmo que a Defesa não tenha arguido qualquer causa justificante ou exculpante. Nesse mesmo diapasão, alguns julgados pátrios, in litteris:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO E ABSOLVIÇÃO DA TENTATIVA DE HOMICÍDIO. RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO IDÔNEO QUE SEJA COMPATÍVEL COM A VERSÃO ACOLHIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DO VEREDICTO POPULAR. INOCORRÊNCIA. QUESITO GENÉRICO DA ABSOLVIÇÃO (ART. 483, III, CPP). NÃO OBRIGATÓRIO. TESES DEFENSIVAS REBATIDAS PELOS DOIS PRIMEIROS QUESITOS. DESNECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DO TERCEIRO. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA PARIDADE DE ARMAS. NECESSIDADE DE NOVO JULGAMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. O tribunal ad quem ao cassar a decisão dos jurados, submetendo o réu a novo julgamento, não viola a garantia constitucional da soberania dos veredictos, prevista no art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, CF/88, quando a versão optada pelo Conselho de Sentença não é verossímil por não se apoiar em nenhuma prova idônea colhida nos autos. 2. No presente caso, a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, pois o veredicto atentou contra as evidências dos autos, revelando-se incoerente e arbitrário, sem nenhum respaldo no conjunto probatório, merecendo reforma o decisum atacado, nos termos do §3º, do art. 593, do CPP. 3. Somente se faz necessária a formulação do quesito genérico da absolvição (art. 483, III, do CPP) caso existam teses defensivas que não estejam ligadas à materialidade, autoria ou participação e desclassificação (objeto de quesitos próprios). 4. A decisão do juiz presidente do tribunal do júri que determina a quesitação genérica da absolvição, quando não existe outra tese defensiva suscitada, é nula, por violação ao disposto nos arts. 482, parágrafo único, 490, parágrafo único, 495, inc, XIV, e 593, III, d, todos do CPP, negando vigência a estes dispositivos legais, bem como aos princípios constitucionais da paridade de armas e do contraditório. 5. Recurso provido, para anular a decisão do Conselho de Sentença, a fim de que os apelados sejam submetidos a novo julgamento pelo tribunal do júri de castelo/ES. (TJES; ACr 13070002798; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça; Julg. 20/01/2010; DJES 12/02/2010; Pág. 272) – grifo nosso.
Como consequência, os jurados caíram em contradição em suas respostas, nulificando o julgamento na esteira do art. 564, parágrafo único, do CPP (“Ocorrerá ainda a nulidade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas”).
Em caso idêntico, o STJ negou Habeas Corpus contra decisão do TJ/RJ que anulou julgamento realizado pelo Conselho de Sentença pela absolvição do acusado, embora tenha reconhecido autoria e materialidade delitiva, inexistindo outra tese defensiva diversa da negativa de autoria.
Nesse ponto, o Superior Tribunal de Justiça considerou evidente a contradição nas respostas dadas aos quesitos e manteve a anulação procedida pelo TJ/RJ, a saber.
HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO POR HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2o., II E VI DO CPB). ABSOLVIÇÃO PELO CONSELHO DE SENTENÇA. REFORMA DA DECISÃO PELO TRIBUNAL A QUO, COM A DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO. PRECLUSÃO DA PRETENSÃO DEDUZIDA PELO PARQUET ESTADUAL. MATÉRIA NÃO APRECIADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONTRADIÇÃO NAS RESPOSTAS DOS QUESITOS FORMULADOS. RECONHECIMENTO DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA, HAVENDO, CONTUDO, A ABSOLVIÇÃO DO PACIENTE, SENDO QUE A NEGATIVA DE AUTORIA FOI A ÚNICA TESE FORMULADA PELA DEFESA. ART. 490 DO CPP. NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO MAGISTRADO, TODAVIA NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. O tema relativo à preclusão da matéria deduzida pelo Parquet Estadual em sede de apelação – contradição entre quesitos, com a nulidade do julgamento – não foi submetido à apreciação do Tribunal a quo, consubstanciando sua análise, nesta Corte Superior, inadmissível supressão de instância. 2. Submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, restou o paciente absolvido, nada obstante o Conselho de Sentença ter reconhecido que as lesões descritas no laudo foram a causa da morte e ter o paciente agido de forma livre e consciente, com vontade de matar, quando desferiu os golpes com instrumento contundente (faca) contra a vítima. 3. In casu, a única tese defensiva foi a de negativa da autoria, conforme consignado na ata de julgamento. Assim sendo, conforme registrou o aresto combatido, a resposta positiva ao quesito relativo à absolvição do réu surge contraditória com o reconhecimento da autoria. 4. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 5. Ordem denegada. (HC 158.933/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 16/11/2010).
Para evitar a nulidade ora apresentada, o advogado criminal deverá sustentar teses subsidiarias e alternativas (como, por exemplo, a clemência), e exigir que seja consignada na ata da sessão de julgamento, em homenagem ao princípio da plenitude de defesa, evitando, assim, qualquer nulidade e manutenção do veredicto absolutório.