Processo penal sob a perspectiva da vítima
Processo penal sob a perspectiva da vítima
De acordo com a classificação predominante na Criminologia, pode-se dizer que a vítima teve três momentos distintos a depender do contexto histórico. São eles: protagonismo, neutralização e redescobrimento.
Na fase do protagonismo, como se pode intuir pelo próprio termo, a vítima possuía papel principal no fenômeno criminal. É a fase na qual eram permitidas vinganças privadas, sejam individuais ou em grupo. Em decorrência de tal primazia, esse momento histórico é chamado de “fase de ouro” da vítima.
No entanto, a partir do momento no qual é previsto o monopólio estatal do exercício da força, a vítima perde o protagonismo. Em resumo, a vítima é usurpada do “poder” de realizar vinganças privadas, sendo, portanto, o estado o único legitimado a aplicar sanções penais. Dessa forma, dizia-se que a vítima fora “neutralizada” e, por isso, esse contexto é chamado de fase de neutralização da vítima.
Com o passar dos anos, tendo como marco primordial o fim da 2ª Grande Guerra, a sociedade em geral e estudiosos das Ciências Criminais notaram a importância de possibilitar a vítima maior participação nos processos e procedimentos criminais. Portanto, nos ordenamentos jurídicos de diversos países foram surgindo tais institutos participativos. Assim sendo, este período é intitulado de Redescobrimento da Vítima. Ademais, no tópico seguinte, aduziremos sobre alguns desses institutos vigentes no Brasil.
Medidas procedimentos de interesse da vítima
- Ação Civil Ex Delicto
Um dos efeitos de qualquer condenação criminal é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (Art. 91, I, do Código Penal).
Destarte, o condenado por crime tem a obrigação de indenizar a vítima. Contudo, na praxe forense, nota-se que ainda é pequeno o número de vítimas que conhecem sua faculdade de ser indenizada na seara cível.
Em consequência do efeito da condenação de tornar certa a obrigação de reparar o dano causado, a sentença criminal condenatória transitada em julgado é título executivo judicial (Art. 515, VI, CPC), podendo, dessa forma, ser executada no juízo cível pelo próprio ofendido, seu representante legal ou herdeiros, nos termos do art. 63 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. (BRASIL, 1941, s/p).
No tocante ao valor devido à vítima, a execução poderá ser efetuada pelo quantum definido pelo próprio juiz criminal na sentença condenatória, sem prejuízo da liquidação para a apuração do prejuízo efetivamente sofrido (Art. 63 § único, CPP).
Além disso, considerando o art. 64 do CPP e jurisprudência pacificada, a critério da vítima, a ação civil para ressarcimento do dano, seja material, moral, estético ou lucro cessante, poderá ser proposta diretamente no juízo cível em face do autor do crime ou, se for o caso, do responsável civil deste.
Desse modo, para fins terminológicos, a ação de execução no juízo cível após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (Art. 63 CPP), bem como a ação civil comum de ressarcimento do dano (Art. 64 CPP), recebe o nome de Ação Civil Ex Delicto.
- Medidas assecuratórias
No escopo de garantir futura indenização ou reparação à vítima de crime, o legislador, sabiamente, nos artigos 125 a 144 do CPP instituiu o Sequestro, Hipoteca Legal e Arresto. Os aludidos institutos possuem requisitos próprios e, em suma, são utilizados ainda no trâmite da ação penal a fim de tornar indisponíveis ao suposto autor do crime seus bens obtidos licitamente e/ou proveitos obtidos diretamente à pratica criminosa.
Dessas três medidas assecuratórias, a mais comumente utilizada pela vítima é o Arresto, o qual visa tornar indisponível bem que fora adquirido pelo acusado de forma lítica. Por exemplo, a vítima, mediante seu Advogado, pode ajuizar procedimento autônomo na seara cível ou solicitar ao próprio juízo criminal o bloqueio de quantia financeira nas contas bancárias do suposto autor do crime no propósito de garantir que este não dilapide ou oculte seu patrimônio na intenção de se escusar de indenizá-la após futura condenação criminal.
O arresto é salutar e recomendável em vários casos concretos. Afinal, de nada adiantará executar os bens do eventual condenado por crime se, durante o curso da ação penal, ele se deles desfez ou os ocultou.
Conclusão
É importante salientar que este breve artigo não esgotou todas as medidas que a vítima pode adotar em sede de investigação policial, no curso da ação penal ou após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Temáticas relevantes, tais como o acompanhamento de investigações policiais e pedido de eventuais diligências à Autoridade Policial, contratação de patrono para atuar como Assistente do Ministério Público em sede de ação penal em curso, propositura de ações penais privadas e temas extremamente recentes, tais como o Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB, o qual regulamenta diligências investigatórias que podem ser utilizadas em prol de interesses da vítima serão pormenorizados em futuro artigo próprio.
Conclui-se que, atualmente, a vítima possui voz e vez no processo penal. É dever de todo advogado, bem como dos órgãos estatais, garantir a fruição de todos os direitos das vítimas de crimes, além de zelar para que jamais retrocedamos ao período criminológico no qual a vítima fora esquecida e neutralizada.
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