Procuração para levantamento de alvarás
Não são apenas os advogados criminalistas que sofrem com dificuldades no cotidiano profissional que podem ser traduzidos como violações de prerrogativas. Atos que muitas vezes ignoram a justeza que rege à atuação de advogados e advogadas acabam atingindo a todos os profissionais de igual forma.
Situação que eventualmente gera embaraços na prática profissional são as formalidades exigidas no instrumento de procuração para além daquelas necessárias e devidas.
Diz-se, por exemplo, de critérios estabelecidos por portarias que dificultam a atuação profissional, determinando especificidades no mandato que são requeridas tão somente naquela situação em específico.
Os problemas nesse aspecto são os mais variados. Cada secretaria, cada vara, cada juizado, acaba muitas vezes tendo os seus próprios procedimentos regrados através de portarias ou “ordens internas” (!).
O profissional acaba tendo de conhecer um tipo de legislação informal para que consiga atuar sem enfrentar tantas dificuldades. Dentre essas, o levantamento de alvarás figura dentre os procedimentos que mais geram entraves, cujos efeitos são sofridos por civilistas, administrativistas, tributaristas, trabalhistas e inclusive por nós criminalistas.
Vejamos. Conforme estipula o artigo 5º da Lei n.º 8.906/94, “o advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato” (grifei). Assim, mediante a procuração que constitui o advogado como representante de seu cliente, poderá o profissional exercer o mandato de acordo com a finalidade a que se destina.
Os aspectos atinentes à procuração estão estabelecidos no Código de Processo Civil. Em seu artigo 105, o CPC prevê as questões que necessitam constar em cláusula específica na procuração, dentre essas, a de receber valores.
Assim, caso conste na procuração menção específica de que o advogado foi outorgado também para receber valores, poderá proceder a retirada do documento e realizar o levantamento de alvará de crédito.
As demais formalidades necessárias para a procuração também estão presentes no artigo 105 do CPC. Assim, atendidas tais formalidades, desnecessário seria a preocupação do profissional com outras que não previstas.
O problema, como já mencionado, é que algumas secretarias impõem condições próprias para que se entenda uma procuração como sendo válida. Assinatura do outorgante com “firma reconhecida”, por exemplo, é uma exigência que confronta o que prevê o artigo 105 do CPC.
Há casos também de exigência de procuração “atualizada” para que seja possível o levantamento de valores por profissionais da advocacia.
Tal exigência viola o próprio exercício profissional, pois é através do mandato que o advogado atua, ou seja, limitando a atuação do advogado através de exigências indevidas, o que muitas vezes acaba por impedir a própria advocacia, tem-se um caso de violação à prerrogativa mencionada no inciso I do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94.
A procuração não se esvai com o tempo. O Código de Ética e Disciplina da OAB é bastante claro quando prevê as hipóteses de cessação do mandato: concluída a causa (artigo 10), arquivado o processo (artigo 10), renúncia (artigo 13), revogação (artigo 14) e permanência da confiança recíproca entre o outorgante e o profissional no interesse da causa (artigo 16).
O Código Civil também elenca situações em que o mandato cessa, aplicáveis às procurações aqui tratadas, dentre elas estando o caso de morte ou interdição de qualquer das partes (artigo 682, inciso II).
Assim, numa situação em que um advogado receba procuração de seu cliente com cláusula específica que conste o recebimento de valores, independentemente do tempo que leve o trâmite da demanda, quando do recebimento de valores, poderá esse profissional fazer o levantamento do crédito destinado a si ou ao seu constituinte.
Aquela mesma procuração estará plenamente válida, sem existir qualquer necessidade de “atualização” do instrumento do mandato.
Numa situação em que assim ocorria no Paraná, a Câmara de Direitos e Prerrogativas da OAB solicitou à Corregedoria-Geral da Justiça para que fossem adotadas providências quanto à exigência de procurações atualizadas para que o levantamento de alvarás fosse realizado pelos advogados.
O pedido foi atendido e a portaria que exigia tal requisito acabou por ser revogada. Coube, portanto, à advocacia pleitear pelo respeito às suas prerrogativas para que a formalidade desnecessária fosse superada.
No entanto, sabe-se que muitas situações desse tipo continuam ocorrendo em vários fóruns de todo o país. As justificativas costumam ser de ordem pragmática e até se amparam em boas intenções, porém, não são suficientes para dar ensejo à violação de uma prerrogativa profissional.
Atendidas às formalidades exigidas por lei, não há que prevalecer requisitos informais quanto ao objeto das procurações que outorgam aos profissionais a finalidade a que se destina a atuação do advogado.
Ir em sentido contrário a isso é atrapalhar o exercício da advocacia, podendo constituir violação de prerrogativa profissional. Estejamos atentos!