Professora relata ameaças e perseguição de pais de alunos por apoiar direitos de aluna trans
Vandalização no carro, crises de pânico e um grito afirmando “É para matar mesmo!” vem assombrando a vida da orientadora educacional Juliana Andozio ao defender o direito da aluna trans de utilizar o banheiro feminino.
Tudo começou em 2022 quando a mãe de dois alunos estava indignada com esse fato. Segundo Andozio reportou no boletim de ocorrência, a mulher a ameaçou e utilizou as expressões “você não vale nada” e “passa pano para coisas erradas dentro da escola”.
A professora da Escola de Educação Básica do Muquém, em Florianópolis, afirmou que seis famílias questionaram qual banheiro a aluna trans usavam e queriam proibir discussões sobre gênero na escola. Uma mãe a denunciou à Ouvidora Geral do Estado, alegando que Andozio teria chamado seu filho de machista e homofóbico.
A orientadora procurou o Núcleo de Educação e Prevenção às Violências na Escola (Nepre), da Coordenadoria Regional da Grande Florianópolis, para medir o conflito que foi temporariamente resolvido. Porém, no ano seguinte, famílias disseram que Andozio estaria promovendo doutrinação ideológico na escola, com direito a banheiro unissex e indução de sexualização de crianças na escola.

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Outras denúncias contra a professora
No início de 2023, Andozio visitou as salas para comunicar aos alunos as atividades escolares planejadas para o ano, incluindo a criação de um grêmio estudantil. Ela ainda falou sobre o Disque 100, canal destinado a denúncias de violação de direitos humanos, e enfrentou mais resistência de famílias.
Em uma reunião durante fevereiro, a orientadora enfrentou ameaças de uma mãe durante uma reunião, que questionava seu trabalho na prevenção de violência na escola e desaprovando sua conduta por dizer que “os pais devem respeitar seus filhos”. Segundo Andozio, a mãe teria dito “Aqui você é funcionária, na rua é outra coisa […] te pego na porrada.” Andozio registrou um BO referente ao caso.
Em 17 de fevereiro, a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina anunciou o afastamento da funcionária por 60 dias, com remuneração total, por perigo à sua segurança. Não demorou mais de uma semana para que um processo administrativo disciplinar fosse registrado contra ela, acusando Andozio de falta de ética, doutrinação política e de ter chamado um aluno de machista e homofóbico.
A família da aluna
Bruna Silva é chefe de padaria e cria os três filhos sozinha: dois meninos e a aluna trans. Silva disse que a escola tentou amenizar a situação e só soube do caso quando tinha estourado. Sua filha estuda na instituição desde a infância e o local sempre foi inclusivo, alterando seus registros escolares em 2016 para incluir o nome social. A adolescente evitava utilizar o banheiro feminino no início de sua transição por medo da rejeição, mas passou a usá-lo após uma conversa com a família e com a escola.
A orientadora informou às famílias que a instituição tem como premissa ser um lugar inclusivo e acolhedor, com uma série de documentos que orientam a fazer debates. “A Proposta Curricular de Santa Catarina, bem como a Base Nacional Comum Curricular, têm a diversidade como princípio formativo”, alegou.
Políticos contra Andozio
Parlamentares como o vereador João Paulo Ferreira, conhecido como Bericó, do União Brasil, a vereadora Mayanne Mattos, do PL, e o deputado estadual Sargento Lima, do mesmo partido de Mattos, foram contra as falas de Andozio e atribuiram a ela a responsabilidade da criação de um banheiro unissex e da suposta indução da sexualização das crianças. Silva afirmou que a escola deu apoio à filha durante a transição, sem interferir, contrariando as alegações dos políticos.
Bericó ganhou destaque nas redes sociais e na Câmara Municipal de Florianópolis e por ataques aos direitos das pessoas trans. O filho do vereador estuda na Escola de Educação Básica do Muquém, local onde ele conseguiu mais da metade dos 2.172 votos que o elegeram.
Suspensão da orientadora
Mais uma vez Andozia foi afastada por 15 dias, mas dessa vez sem remuneração. A comissão de avaliação do caso considerou que a professora utilizou “um linguajar que não condiz com a sua função”. Uma testemunha anônima falou que Andozio teria dito que “quem gosta de comer banana tem que comer banana, melancia tem que comer melancia e que, se ninguém aceitar, é para discar 100”.
O advogado da servidora, Rodrigo Timm, afirmou que a fala foi tirada de contexto. Andozio contesta a interpretação, alegando que estava comentando com os alunos sobre uma atividade de debate que teriam, onde aprenderiam como funciona a democracia na prática.
“Surgiu a pergunta de como seria isso, usei fruta como exemplo pedagógico. Falei que se você gosta de melancia e o outro gosta de banana, você não vai brigar com o seu colega, vocês vão continuar comendo as suas frutas preferidas, vão continuar conversando, que isso é democracia”, explicou.
Ataques de parlamentares
Em 1° de março, Bericó utilizou uma sessão ordinária para mobilizar a base contra Andozio parabenizou Sargento Lima, responsável por levar denúncias contra Andozio à Secretaria do Estado da Educação. Em 8 de maio, publicou um vídeo no Instagram questionando a competência da orientadora.
Já o Sargento Lima utilizou a tribuna da Assembleia Legislativa de Santa Catarina para fortalecer as alegações de induções à sexualização na escola em 15 de março. Mayanne Mattos acusou Andozio de “doutrinação” nas escolas e alegou que a servidora prioriza agendas políticas em detrimento da educação e da segurança dos estudantes.
Após o retorno de Andozio ao trabalho, em 28 de abril, grupos de pais explodiram fogos de artifício em direção à escola para intimidá-la. Em 2 de maio, ela precisou ser escoltada para deixar o ambiente de trabalho. Seu carro foi alvo de vandalização com limão, ovos e pedras e ela escutou xingamentos. Em um dos vídeos do ataque, alguém grita “É para matar mesmo!” As aulas noturnas dos dias 4 e 5 do mesmo mês precisaram serem canceladas por falta de segurança e Andozio precisou se afastar novamente no dia 9 de maio por conta de crises de pânico.
Um ano após a primeira queixa de transfobia na escola, a questão ainda existe. Em 4 de setembro, Bruna Silva e a filha foram chamadas pela Secretaria de Estado da Educação. Os funcionários, em uma abordagem intimidadora segundo a mãe, sugeriram que a adolescente passasse a utilizar o banheiro das professoras e das pessoas com deficiência, falando sobre os riscos enfrentados por mulheres trans.
“Fizeram um terrorismo na cabeça dela. Eu me senti muito mal da minha família ouvir todas aquelas coisas. A minha filha tem peito, toma hormônio, é uma mulher. Como ela vai entrar em um banheiro masculino?”
Andozio também participou da reunião e afirma que ela e a escola fizeram a defesa da menina, alegando que não vão aceitar o banheiro alternativo que eles desejam colocar. Há outros alunos trans na escola e Silva sabe que a luta não se restringe à filha.