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Profissionais da saúde x criminalistas: as semelhanças e a vulgarização de opiniões

Profissionais da saúde x criminalistas: as semelhanças e a vulgarização de opiniões

Por Bruna Lima e Victória Maia

Recentemente o professor Luís Carlos Valois se utilizou de uma rede social para postar a seguinte mensagem:

Um médico infectologista me disse que nunca leu tanta besteira nas redes sociais e eu respondi, bem-vindo, eu sou professor de Direito Penal.

Acertada a comparação referida pelo mestre em tempos de pandemia, caos social e propagação de fake news.

O novo coronavírus tem sido a motivação de recomendações advindas da Organização Mundial de Saúde (OMS) direcionadas a diversos países no cenário internacional no sentido de efetivar-se o isolamento social e tomar medidas de precaução para diminuir o risco de contágio em massa, sob pena de superlotação nos hospitais e elevados números de morte.

As situações vivenciadas pela Itália, pela Espanha e agora pelos Estados Unidos, atual epicentro do vírus, muito bem demonstram a perfectibilização de tais riscos e mostraram para humanidade as severas consequências propiciadas pela COVID-19.

Com alicerce na experiência internacional, em estudos científicos e, no caso dos profissionais da saúde, com base especialmente ainda em sua experiência hospitalar, não restam dúvidas da gravidade do alastramento do novo coronavírus.

Rotineiramente médicos e enfermeiros buscam conscientizar a população acerca da necessidade do isolamento social, esclarecendo a possibilidade de óbito até mesmo em caso de pacientes jovens e não portadores de doenças prévias.

A letalidade da doença em nosso território resta demonstrada inclusive pelo número de óbitos já registrados, mesmo diante da falta de testes enfrentada pelo nosso país que acaba por colocar em dúvida os números divulgados.

Mesmo assim existe um grande conflito presente na sociedade entre os que defendem os conhecimentos técnicos embasados em dados científicos fornecidos pelos especialistas e os que rechaçam tais informações, se utilizando de fontes duvidosas e minorando a gravidade da COVID-19. A ampla utilização das redes sociais com contumaz propagação de informações destoadas da realidade fática tem feito assuntos seríssimos serem vulgarizados pela opinião popular.

Nesta toada, encontramos muita semelhança no desprezo do conhecimento técnico que sofrem os criminalistas. Não raro, casos midiáticos invadem os meios de comunicação e nos deparamos com jornalistas debatendo a soltura e a prisão, a absolvição e a condenação, a concessão de benefícios garantidos legalmente ao longo da execução penal.

Ainda, existem programas deveras populares que restringem-se a noticiar fatos delitivos e têm em seus apresentadores propagadores da opinião popular, defendendo questões absolutamente inconstitucionais, tais como a pena de morte e pena perpétua.

A banalização do direito penal e processual penal toma conta das reuniões familiares, conversas de bares, reuniões de amigos. Muitas vezes nós, criminalistas, acabamos sendo alvo de comentários dissociados da realidade do ordenamento jurídico vigente e de um imenso preconceito por sermos aqueles que estão sentados sobre o último degrau da escada ao lado do acusado, nas palavras de Francesco Carnelutti.

Ainda que a tua fala seja estritamente calcada nos teus aprendizados durante a faculdade, cursos de especialização, mestrado, doutorado e inúmeras horas debruçadas sobre renomadas doutrinas, por muitas vezes receberá descrédito de pessoas que vão valorizar os jargões populares de “bandido bom é bandido morto”, “tu acha isso porque não foi com alguém da tua família”.

Adentrando justamente na temática da soltura de detentos como medida de precaução da propagação do novo coronavírus, temos que assistir e ler jornalistas e telespectadores debatendo a impossibilidade dessas decisões, sem nunca ter pisado em um estabelecimento prisional. Manchetes sensacionalistas divulgaram informações como se as penitenciárias tivessem aberto as portas liberando os reclusos sem qualquer plausibilidade. 

Enquanto isso, na realidade o que ocorre são que as pessoas ficam desinformadas sobre os fatos que geraram as concessões de liberdades e outros benefícios.

E, de outro lado, nossos clientes que permanecem segregados, restam sem entender as razões para tanto, afinal “os juízes estão soltando todo mundo”, quando na verdade a exigência para doenças prévias que incluam o preso no grupo de risco vem se mostrando indispensável para liberação dos presos, entre outros requisitos, especialmente dispostos na Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça.

Ainda, mesmo em casos de portadores de patologias existem magistrados indeferindo os pleitos defensivos, sob o argumento de que a referida recomendação não tem caráter cogente, cabendo ao julgador a decisão nos autos. Portanto, não há como fazer ponderações absolutas, como a mídia e a sociedade em geral vem fazendo.

O mesmo desprezo pelo conhecimento técnico que os penalistas enfrentam ao longo dos anos, o qual tem se intensificado nos últimos tempos especialmente pela insegurança pública que assola o País, agora  vem vitimizando os profissionais da saúde, colocando em risco o futuro da vida de inúmeros cidadãos brasileiros.

O apego por informações inverídicas, baseadas em estritas opiniões pessoais de indivíduos que jamais abriram um livro que tratasse do tema que eles buscam opinar espalha em nossa sociedade postagens dissociadas da realidade e que podem induzir outras pessoas a incorrer em erro em seus comportamentos.

A reflexão de nossa coluna nesta oportunidade vem em forma de desabafo de uma classe que há muito tempo sofre descrédito da população em geral e que percebe, especialmente neste momento de pandemia, o quão adoecida está a nossa sociedade ao desprezar os dados científicos e conhecimentos técnicos, inclusive quando o mundo sofre com a propagação de um perigoso vírus.

Além disso, vem como um incentivo a busca de informações leais, alicerçadas em lucidez provocada por um estudo aprofundado do assunto que se busca tratar.


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Bruna Lima

Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Advogada.

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