Progressão de regime e ausência de vagas no sistema prisional
Progressão de regime e ausência de vagas no sistema prisional
Iniciamos com um questionamento: o preso que possui condições de progredir de regime pode permanecer em regime fechado por falta de vagas em regime menos rigoroso?
O artigo 112 da Lei de Execuções Penais é claro ao afirmar que a pena privativa de liberdade deverá ser executada de forma progressiva, isto é, do regime mais gravoso para o menos rigoroso.
No entanto, devido à superlotação do sistema penitenciário brasileiro, bem como à falta de vagas em estabelecimentos correspondentes aos regimes mais brandos, muitos apenados acabam por permanecer no regime fechado por mais tempo do que deveriam.
Desta forma, a negligência do Estado ao deixar de implantar as condições previstas na Lei 7.210/84 para os regimes semiaberto e aberto apenas contribui para o aumento da crise carcerária instalada no país.
Além disso, a permanência do apenado no regime fechado, quando já possui condições para progressão de regime, fere o princípio constitucional fundamental da individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Ademais, a Súmula Vinculante nº 56 do STF assegura que:
A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.
No que se refere ao mencionado Recurso, o ministro relator Gilmar Mendes, ao discorrer sobre a falta de vagas em regime adequado à situação do preso, preleciona que
[…] os modelos de estabelecimento previstos na Lei de Execuções Penais foram abandonados. E, muito mais grave, que os presos dos regimes semiaberto e aberto estão sendo mantidos nos mesmos estabelecimentos que os presos em regime fechado e provisórios.
A falta de estabelecimento adequado ao regime em que se encontra o preso não poderá representar um óbice ao seu direito de progressão de regime. Assim, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 641.320/RS, estabeleceu medidas alternativas à progressão prevista em lei, que possibilitam a efetiva progressão de regime do apenado: a) saída antecipada; b) liberdade eletronicamente monitorada e c) penas restritivas de direito e/ou estudo.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul corroborou tal entendimento, conforme jurisprudência a seguir:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VAGA ADEQUADA EM CASA PRISIONAL COMPATÍVEL AO REGIME SEMIABERTO. PRISÃO DOMICILIAR ESPECIAL. MONITORAMENTO ELETRÔNICO. OCUPAÇÃO LÍCITA. ADEQUAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA CÂMARA AO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A possibilidade de cumprimento da pena em prisão domiciliar, mediante condições, quando inexistente vaga em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto, é questão pacificada na jurisprudência. Precedentes desta Câmara e dos Tribunais Superiores. 2. Adequação do entendimento da Câmara às diretrizes postas pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 641.320/RS, com repercussão geral, em 11.05.2016. Impossibilidade de manutenção do apenado em situação mais gravosa, em razão da proibição de excesso na execução da pena, e também do simples recolhimento domiciliar desprovido de condições e de fiscalização, em razão da proibição de insuficiência na execução da pena. Adequação da inclusão no sistema de monitoramento eletrônico. Entendimento que vai realinhado conforme as diretrizes sugeridas pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 641.320/RS, com repercussão geral, em 11.05.2016. Assim, nas hipóteses de apenado que cumpre pena em regime semiaberto, a prisão domiciliar especial deve ser acompanhada de inclusão no sistema de monitoramento eletrônico e de comprovação periódica do exercício de atividade lícita, conforme já determinado pelo juízo de origem. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70076603984, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes, Julgado em 21/03/2018)
Portanto, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88), constitui direito do apenado a progressão de regime.
Por conseguinte, a ineficácia do Estado em efetivar direitos consagrados em lei não deve representar um obstáculo à sua garantia, cabendo aos Tribunais a apresentação de medidas alternativas que atendam, de forma satisfatória, aos anseios da sociedade.