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A progressão de regime na execução penal

A progressão de regime na execução penal

O Código Penal, em seu artigo 33, § 2º, determina que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva. De acordo com o dispositivo legal em comento é que se entende ter o Brasil adotado o sistema progressivo ou inglês, consistente, como o próprio nome diz, na progressão da pena privativa de liberdade, da mais gravosa para a menos gravosa, tendo em vista a própria finalidade da lei (aqui, no caso a LEP) de buscar a reinserção social do condenado (SANTOS, 1998).

O sistema penal brasileiro, dessa forma, consagraria a progressividade no cumprimento da pena como mero desdobramento do princípio constitucional da individualização, buscando reduzir ao mínimo possível o encarceramento, ao menos era o que se pretendia, e com isso possibilitar que a volta à liberdade não se fizesse de modo traumático (AZEVEDO, 2007).

Deixemos claro de antemão que a progressão de regime para nós, diante a ordem constitucional vigente, revela-se verdadeiro direito subjetivo do condenado, e, apenas nessa ótica é que merecerá ser objeto de análise, mormente dada à condição do apenado de sujeito de direitos.

Nos termos do artigo 112 da LEP, para que o condenado conte, então, com o direito à progressão, deverá: cumprir ao menos 1/6 da pena no regime anterior, se condenado por crime comum, ou 2/5 e 3/5 (para o reincidente), se condenado por crime considerado hediondo ou equiparado; ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; e, se condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.

Já no que tange ao primeiro requisito, cumprimento de parte da pena, tem-se que embora considerada a tanto a pena estabelecida na sentença, deve-se atentar que tal deveria se dar apenas no que diz com a primeira progressão, pois, o tempo de cumprimento de pena para a subsequente progressão deveria se dar com base na pena ainda a cumprir, descontados os períodos de cumprimento. Ora, pena cumprida é pena extinta e pensar o contrário ensejaria maior cumprimento de pena do que aquele estatuído pela própria sentença, limite da execução criminal, haja vista o princípio da legalidade, além de também ensejar verdadeiro bis in idem (MARCÃO, 2013).

Por outro lado, o cômputo do requisito objetivo do cumprimento de pena com base na pena total imposta ao condenado, representa verdadeiro empecilho à progressão, gerando, com isso, maior permanência do apenado dentro do sistema prisional, o que amplia os nefastos efeitos da prisionização, além de ensejar a sua submissão às constantes violações de Direitos Humanos. Outrossim, a legalidade, aqui, não permite interpretações desfavoráveis aos interesses e aos direitos do apenado, mormente considerada a dignidade, a humanidade, a isonomia e a individualização. Papel para o qual cumpre aos atores e operadores do sistema de execução criminal atentar (CAPPELLARI, 2014).

Entretanto, não atende aos propósitos da execução criminal, ao menos diante o estabelecido pela CF, bem como pela própria LEP, o entendimento do STF no que diz com a Súmula 715, de que para a progressão de regime ou concessão do livramento condicional deve ser utilizado o total das penas aplicadas.

Ora, o máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade é de 30 anos, nos termos do artigo 75 do Código Penal. Além disso, impedir a progressão na espécie caracteriza verdadeira afronta ao princípio da humanidade das penas, haja vista que dependendo do montante de pena aplicado ao condenado esse nunca poderá ser beneficiado pela progressão de regime, cumprindo, dessa forma, a totalidade da sua pena em regime fechado, sujeito, portanto, aos efeitos da prisão de forma contínua, em verdadeiro contrassenso com o então objetivado pela legislação (aliás, nesse sentido, a declaração de inconstitucionalidade do regime integral fechado) (CAPPELLARI, 2014).

Para, além disso, cumpre referir que os percentuais diferenciados para os condenados por crimes hediondos ou equiparados, conforme determinação legal disposta na Lei nº 11.464/2007, de cumprimento de pelo menos 2/5 da pena para o réu primário, e 3/5 para o reincidente em crime hediondo, apenas devem ser exigidos para aqueles que cometeram esses crimes após a entrada em vigor da respectiva lei. Pretender o contrário é evidentemente distorcer o princípio da legalidade. Nesse sentido, inclusive, a Súmula Vinculante 26 do STF.

No que tange ao segundo requisito legal à concessão da progressão, tem-se que o bom comportamento carcerário deverá ser comprovado por meio de um atestado emitido pelo diretor do estabelecimento prisional. De acordo com Brito (2013), o atestado deverá ter como supedâneo o prontuário do condenado onde estarão anotadas as suas faltas e os seus elogios.

Entretanto, ausente regulamentação federal nesse sentido, o Estado poderá especificar o formato e as informações que deve conter o referido atestado. Na esteira do que doutrina o autor, também entendemos perigosa a concessão do que seja bom comportamento carcerário ao diretor do estabelecimento prisional, haja vista a evidente discricionariedade a tanto, outrossim, existe, aqui, uma inversão do objetivo de readaptação, que, ao invés, de ter como parâmetro a adaptação à vida livre, tem a adaptação à prisão (CAPPELLARI, 2014).

Além disso, a legislação nos apresenta uma lacuna, pois, ao exigir bom comportamento e não especificar seus requisitos e consequências, não regulamenta o procedimento para que o condenado punido com falta grave venha a conseguir progressão de regime (BRITO, 2013).

É que a existência de falta grave enseja na maioria dos casos o indeferimento da progressão (CAPPELLARI, 2014). Ainda que assim não o pudesse, tendo-se por norte o disposto em lei.

Há também questão referente ao chamado exame criminológico. De acordo com Brito (2013), a previsão da realização do exame criminológico decorre do artigo 34 do Código Penal, bem como do artigo 8º da LEP, o qual considera obrigatório o exame para os condenados a regime fechado, e facultativo àqueles sentenciados ao regime semiaberto, no início da execução penal, a fim de permitir a individualização da pena, o que, por certo, não ocorre na realidade do mundo dos fatos (CAPPELLARI, 2014).

A questão é que o artigo 112 da LEP, após a reforma estabelecida pela Lei nº 10.792/2003, não mais prevê a realização de exame criminológico para a progressão.

Entretanto, tanto o STJ, quanto o STF, tem entendido que o juiz poderá exigir tal exame, nesse sentido, inclusive, a Súmula Vinculante 26 (BRITO, 2013). Aliás, para Brito (20013) tal exame nunca foi previsto de forma obrigatória pela lei, inclusive, anteriormente a sua alteração (CAPPELLARI, 2014).

O fato é subordinar-se o condenado à concessão de um direito seu, que é a progressão de regime, mediante a implementação de requisito que não encontra amparo legal. Dessa forma, evidentemente, e, para tanto, violando-se mais uma vez o chamado princípio da legalidade.

É por isso que Carvalho (2001, p. 190 e 191) vai nos alertar no sentido de que embora o reconhecimento dos direitos do preso atingir status constitucional, a estrutura processual que encabeça o sistema invibiliarizará sua plenitude, pois, a natureza híbrida e o modelo jurisdicionalizado autoritário criado pela LEP, “possibilitam a afirmação de que o sistema de execução penal brasileiro é inquisitorial” (CAPPELLARI, 2014).

Mais, a realização do então exame criminológico suscita ainda políticas criminais comprovadamente ineficientes de Lei e Ordem e fortalecimento de um direito penal de cunho exclusivamente simbólico (BRITO, 2013).

De acordo com Carvalho (2001), a exigência do exame acaba por psiquiatrizar a decisão do Juiz da Execução, delegando a motivação do ato decisório a um verdadeiro Direito Penal do Autor, vedado pela secularização. Outrossim, tais decisões impedem, por óbvio, a possibilidade de um processo de execução penal acusatória, haja vista a obstrução do contraditório nessa hipótese (CAPPELLARI, 2014).

Para além de tudo o que aqui já se disse no que tange ao exame criminológico, o fato é que seu requerimento à confecção reafirma a ótica correcionalista, impondo ao apenado prejuízo tremendo, haja vista que embora tenha ele atendido a todos os requisitos estabelecidos em lei à concessão da progressão, não poderá dela usufruir de imediato, restando preso por mais tempo do que o determinado, sujeito, assim, a toda sorte das violações operadas no seio do sistema prisional (CAPPELLARI, 2014).

É por isso que seguindo ensinamento de Silva e Silva Neto (2012) entendemos que a análise do instituto da progressão de regime, a fim de que atente aos mandamentos constitucionais, deve perpassar pelo in dubio pro reo, no sentido de que na falta de elementos concretos, sólidos e idôneos para fundamentar a negação do pleito esse deverá ser deferido; a natureza do crime e a quantidade de pena não devem ser considerados como obstáculos à concessão da progressão, sob pena de evidente bis in idem; o instituto deve estar atrelado umbilicalmente aos princípios da individualização e da humanidade; havendo de se observar estritamente aos requisitos previstos em lei, não sendo admissível a criação de requisitos outros (CAPPELLARI, 2014).

Ainda, é preciso considerar que a questão da progressão de regime está evidentemente atrelada à superpopulação carcerária, nítida política de encarceramento, bem como a já antiga carência de vagas no sistema, quiçá, no âmbito dos regimes semiaberto e aberto de cumprimento de pena.

Daí, então, se considerada possibilidade de aplicação da chamada progressão por salto, nas situações em que, por inércia do Estado, o apenado deixa de progredir no momento que fazia jus ao benefício (SILVA e SILVA NETO, 2012). É que a ineficiência do Estado não pode ser imputada ao condenado, que, na esteira do contrato social, diga-se, cumpriu com a sua parte (CAPPELLARI, 2014).

Quanto mais isso faz sentido diante a realidade carcerária brasileira, onde a violação de direitos dos apenados e das apenadas é uma constante, cabendo a nós – atores do sistema – bradar e indignar-se na defesa permanente desses direitos.


REFERÊNCIAS

CAPPELLARI, Mariana Py Muniz. Os Direitos Humanos na Execução Penal e o Papel da Organização dos Estados Americanos (OEA). Presídio Central de Porto Alegre, Masmorra do Século XXI. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014.

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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